As mulheres negras com cabelo crespo que usam grandes e fartas cabeleiras afro, tranças ou rastas, mantendo um estilo natural, são, frequentemente, consideradas menos profissionais do que as mulheres negras com cabelos lisos. Esta é a principal conclusão de um novo estudo realizado na Fuqua School of Business da Universidade Duke, em Durham, na Carolina do Norte, com publicação prevista para o próximo dia 19 de agosto na revista Social Psychological and Personality Science.
O preconceito sobre o cabelo afro natural existe e afeta a vida das mulheres negras na hora de serem contratadas para um novo emprego, prevalecendo mais tarde a discriminação racial no local de trabalho. “O impacto do penteado de uma mulher pode parecer mínimo, mas para as mulheres negras é uma questão séria e pode contribuir para a falta de representação dos negros em alguns sistemas organizacionais”, esclarece Ashleigh Shelby Rosette, professora da Universidade Duke, ao jornal The Huffington Post.
“Após o assassinato de George Floyd [em maio] e os protestos correspondentes, foram muitas as organizações que se concentraram corretamente em táticas para ajudar a erradicar o racismo em níveis sistémico e estrutural. Mas, os preconceitos mantidos individualmente, muitas vezes, precedem o tipo de práticas racistas que se tornam incorporadas e normalizadas dentro das organizações”, acrescenta.
Para aferir os preconceitos sobre as mulheres negras com cabelo natural, os investigadores recrutaram participantes de diferentes raças e pediram-lhes que assumissem o papel de recrutadores de candidatos a empregos. Depois de receberem perfis negros e caucasianos foi-lhes solicitado avaliar o profissionalismo e a competência, entre outros fatores. As mulheres negras com penteados naturais receberam notas mais baixas em profissionalismo e competência e não foram recomendadas com tanta frequência para entrevistas em comparação com três outros tipos de candidatas: mulheres negras com cabelos lisos e mulheres brancas com cabelos crespos ou lisos.
“Em muitas sociedades ocidentais, os brancos têm sido historicamente o grupo social dominante, consequentemente o padrão para a aparência profissional, muitas vezes, baseia-se na aparência física dos brancos. Para o cabelo feminino, essa referência é ter o cabelo alisado”, refere Ashleigh Shelby Rosette, que colaborou no estudo com Christy Zhou Koval, aluna da Fuqua e professora assistente da Universidade do Michigan, de origem asiática.
Alguns processos de alisamento podem custar milhares de euros (um gasto avultado que nem todas as mulheres conseguem despender) e causar queda e enfraquecimento do cabelo, doenças do couro cabeludo e outras complicações de saúde. Os relaxantes e desfrisantes de cabelo, por exemplo, podem ser corrosivos. O ingrediente ativo presente em muitos desses produtos é o hidróxido de sódio (conhecido como soda cáustica), que também é um desentupidor de canos. Um estudo publicado no American Journal of Epidemiology relata que o uso de relaxantes capilares pode aumentar o risco de miomas uterinos.
Numa das experiências do estudo, os participantes dividiram-se em dois grupos para avaliar a mesma candidata ao emprego – uma mulher negra. Um grupo viu a sua fotografia com cabelos naturais; o outro viu-a com cabelo liso. Foi precisamente este grupo que considerou a candidata com cabelo liso mais profissional, definindo-a como mais polida, refinada e respeitável, e recomendando-a com mais veemência para uma posterior entrevista.
As candidatas fictícias com cabelos crespos naturais eram discriminadas ao serem avaliadas para empregos na área de consultoria, por exemplo, um setor com normas muito conservadoras na indumentária. Já quando os recrutadores consideravam perfis de mulheres que queriam trabalhar numa agência de publicidade, a textura do cabelo da candidata não afetou as perceções de profissionalismo. O meio publicitário é visto como uma indústria mais criativa, com regras de vestuário mais descontraídas.
Ao longo das últimas décadas são vários os casos, mais ou menos mediáticos, que dão conta do preconceito existente, pelo menos no Estados Unidos, face ao cabelo afro. Em janeiro do ano passado, a pivot Brittany Noble Jones foi despedida da cadeia de televisão WJTV em Jackson, no Mississippi, supostamente, por assumir no ar um penteado natural, depois de anos a usar o cabelo liso. Há dez anos, no Alabama, uma mulher ficou sem uma oferta de trabalho depois de se ter recusado a cortar a rasta (dreadlocks). Em 2001, a Universidade Hampton, na Virgínia, implementou um código de vestuário que proibia os alunos da sua escola de negócios de usarem trancinhas e dreadlocks.
Entretanto, passaram apenas três anos desde que o Exército americano diminuiu as suas restrições quanto a estilos de cabelos naturais para soldados negros e, nos últimos meses, foram várias as cidades e estados que aprovaram leis que proíbem a discriminação contra estilos de cabelos naturais para negros no trabalho e na escola pública. No mês passado, a lei californiana Crown Act (acrónimo de Create a Respectful and Open Workplace for Natural Hair, em português “Crie um local de trabalho aberto e respeitoso para cabelos naturais”) entrou em vigor na Virgínia.
“Embora tenha havido algumas mudanças na política de proteção dos negros contra a discriminação com base no seu cabelo natural, essas mudanças são bastante recentes e não foram ainda implementadas de forma tão ampla como deveriam ser”, analisa Ashleigh Shelby Rosette.
A conclusão do estudo da Fuqua School of Business não surpreende April Reign, criadora do movimento #OscarsSoWhite e defensora da Crown Act : “Não me surpreende que a pesquisa mostre o que as mulheres negras sempre souberam – são discriminadas por causa do seu cabelo. O padrão em todos os setores, incluindo o militar, é um padrão eurocêntrico de beleza, o que significa cabelos longos e lisos. Por isso, as mulheres negras que usam os seus cabelos em qualquer outro estilo são vistas como ‘diferentes’, implícita ou explicitamente.”