José Manuel Espírito Santo foi o primeiro membro da família (Espírito Santo) a pedir desculpas públicas pela queda do BES e do GES a todos os colaboradores e investidores. Comandou durante anos o Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, representava um dos cinco ramos do clã e era o primo mais próximo de Ricardo Salgado, a ponto de ter confessado que o considerava um irmão. É também um dos 25 arguidos acusados pelo Ministério Público na primeira acusação que resulta da mega-investigação ao colapso do BES e do GES.
Apesar de ter sido acusado, apesar de ter sido administrador de várias empresas do grupo, e apesar de ter presidido ao Banque Privée Espírito Santo – ponto a partir do qual foi vendido muito papel comercial do GES a clientes com grandes fortunas -, José Manuel Espírito Santo nunca foi ouvido no processo.
O antigo administrador do BES e do Grupo Espírito Santo viu o seu património arrestado logo depois do colapso do banco e pediu para ser ouvido pelo Ministério Público logo em maio de 2015, mostrando-se disponível para “colaborar” e “contribuir” para a investigação. Mas, por razões alegadamente estratégicas, a equipa liderada pelo procurador José Ranito, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), foi adiando essa diligência. Foi constituído arguido em 2016, depois de o Tribunal da Relação de Lisboa ter anulado o arresto preventivo de outro suspeito no caso BES, decidindo que os bens de uma pessoa só podiam ser arrestados preventivamente se fosse arguida num processo-crime. Mas, mesmo nessa altura, não foi interrogado. A constituição de arguido terá sido apenas uma formaludades: atendendo aos requerimentos enviados pela defesa ao processo, ao longo dos últimos anos, o primo de Ricardo Salgado nunca soube que factos lhe eram imputados neste caso.
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Até que a menos de um mês da dedução da acusação, a 16 de junho deste ano, José Manuel Espírito Santo foi confrontado com dezenas de páginas do Ministério Público com imputações e com um pedido para ser ouvido em “interrogatório complementar”. O problema é que não tinha havido nenhum interrogatório antes e os investigadores chegaram demasiado tarde. O antigo presidente do Banque Privée, na Suíça, sofrera um AVC em outubro de 2019. E, de acordo com uma declaração médica que até já tinha sido enviada ao processo no final desse ano, não estava em condições de prestar declarações. Um AVC hemorrágico extenso, seguido de uma pneumonia contraída em ambiente hospitalar, deixaram-no meses internado, com “défices cognitivos e motores importantes”, “sem possibilidade de marcha e incapaz de tomar decisões”.
Conclusão: José Manuel Espírito Santo foi acusado de sete crimes de burla qualificada e um de infidelidade sem nunca se ter podido defender na fase de investigação. E sem que seja previsível que venha a poder defender-se em julgamento.
Inconformado com a notificação tardia, Rui Patrício, advogado de José Manuel Espírito Santo, dirigiu-se aos procuradores lembrando que o seu cliente se mostrara disponível para ser ouvido há já cinco anos, algo que nunca tinha acontecido, e como tal nem percebia a pergunta sobre se desejava ou não prestar interrogatório complementar, tendo em conta que nunca tinha sido chamado para ser ouvido neste processo-crime; logo, não havia nada a complementar: “Querer ser ouvido, queria, como aliás logo manifestou em 2015, ou seja, há cinco anos, mas agora não pode, porque, como Vossas Exas. sabem, como tivemos o cuidado de informar os autos, encontra-se em situação de saúde grave, que, infelizmente, lhe não permite ser ouvido e, ipso facto, defender-se pela sua boca, o que faria de bom grado, se, acaso e por felicidade que não lhe assiste, pudesse.”
Rui Patrício mostrou-se ainda perplexo por ter recebido uma notificação com uma indiciação em anexo que, criticou, mais parecia “um projeto/um draft de acusação” e lembrou que aguardava uma sentença há mais de um ano no que respeita ao arresto preventivo dos bens de José Manuel Espírito Santo (o arresto foi determinado pelo juiz Carlos Alexandre, e ainda aguarda decisão, depois de ter sido anulado por duas vezes pelo Tribunal da Relação de Lisboa).
Perante a indiciação enviada por escrito, o advogado do ex-presidente do Banque Privée recusou que o seu cliente tenha aderido a qualquer “hipotético plano” criminoso, já que na sua origem estavam problemas nas contas da Espírito Santo International (ESI). José Manuel Espírito Santo não saberia da adulteração das contas daquela empresa – onde foi descoberto um passivo oculto de cerca de 1600 milhões de euros – , algo que o Banco de Portugal, num processo contraordenacional sobre a mesma matéria, reconhecera. Até porque isso não seria compatível com os seus “caráter e modo de ser” (…) “seja antes, seja depois do verão de 2014”.
Também sobre a parte relacionada com a sociedade suíça Eurofin, que o Ministério Público defende ter sido usada num elaborado esquema para financiar o GES com dinheiro do BES, o advogado lembra que José Manuel Espírito Santo também não foi acusado no processo contraordenacional do Banco de Portugal sobre essa matéria, porque não havia indícios do seu envolvimento.
A maior parte dos crimes pelos quais foi agora acusado dizem respeito à emissão de dívida do Grupo Espírito Santo. O Ministério Público argumenta que se tratou de uma burla, pois o que estavam a vender aos clientes nos balcões do BES era dívida de empresas que, afinal, estavam falidas (primeiro a ESI, depois a Rioforte).
Dos 25 arguidos que irão a julgamento, destacam-se Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, o primo Manuel Fernando Espírito Santo (que presidiu à Rioforte, do ramo não financeiro), o famoso comissaire aux comptes, Francisco Machado da Cruz, João Alexandre, que era diretor da Sucursal Financeira Exterior (BES Madeira), os diretores da sociedade suíça Eurofin (Alexandre Cadosch e Michel Creton) e a equipa do Departamento Financeiro de Mercados e Estudos (do BES), que trataria de desenhar os produtos financeiros vendidos aos balcões do BES, e que era liderado por Isabel Almeida e Amílcar Morais Pires (então administrador financeiro do banco). Em causa estão suspeitas de associação criminosa, falsificação de documento, burla qualificada, infidelidade, branqueamento e corrupção ativa e passiva no setor privado.