À espera dos turistas
Para Gonçalo Martins, 33 anos, a luz ao fundo do túnel desta pandemia tem duas datas. O hotel no centro do Porto onde é concierge prevê um regresso gradual ao trabalho a 20 junho, para reabrir as portas dia 1 de julho (daqui a dois meses e meio) aos muitos turistas americanos e asiáticos que costumam encher aquele cinco estrelas. Desde o início de fevereiro que o plano de contingência do hotel tinha reservado metade de um piso e um quarto para isolamento, caso tivessem hóspedes ou funcionários infetados com Coronavírus. Nunca foi necessário usar esse recurso. Gonçalo trabalhou até dia 16 de março, altura em que lhe disseram que os funcionários ficariam todos em casa em regime de lay off, ganhando o montante mínimo igual a dois terços da retribuição normal líquida. Nestes três meses, receberá €770, mas ainda dúvidas se o valor é líquido ou se terá descontos. Gonçalo Martins começou a trabalhar no hotel logo na abertura, há nove anos. “Estávamos em plena crise. Já vi a recuperação de uma cidade e dos seus negócios, numa verdadeira simbiose económica”, analisa otimista. Casado, sem filhos, a morar num T2 com jardim, arrendado no Covelo, no Porto, resta-lhe agradecer as gorjetas chorudas que costumava receber – são elas que agora o deixam salvaguardado durante os próximos quatro a cinco meses. Fazer a poda das árvores e tocar viola sempre ajuda a passar melhor o tempo de confinamento.
Sem festivais de música, nada feito
Raquel Oliveira, 37 anos, já pôs vacas a pastarem na Praça de Espanha, em Lisboa, numa campanha de promoção para o Turismo dos Açores. “Fazer acontecer” é o lema desta produtora de eventos, desde há 11 anos, quando abriu a sua empresa unipessoal. Em 2009, também em plena crise económica, Raquel Oliveira começava em contra-ciclo no mundo da ativação de marcas e da organização de festivais de verão e de outros grandes espetáculos. Não há nada que os seus clientes lhe peçam que não ponha de pé, com a ajuda da sua equipa, subcontratada. Num mercado naturalmente volátil – trabalha com marcas, porque há concursos, e os clientes não são eternos – Raquel Oliveira preferiu alavancar a produtora em poucos projetos por ano, mas com algum impacto. Uma estratégia que lhe permitiu trabalhar sem parar, garantindo ocupação regular a dezenas ou mesmo centenas de pessoas.
Com o ano profissional encerrado em janeiro (fechar contas, pagar impostos, fazer balanços e planear os próximos meses), costuma ir de férias em fevereiro e, este ano, não foi diferente. Regressada do Sri Lanka, passando já por câmaras térmicas no aeroporto do Qatar para despistar o vírus, preparava-se para um ritmo acelerado. A pré-produção de uma série de iniciativas culturais esperavam-na. Por estes dias, era suposto Raquel Oliveira estar a contactar fornecedores, arranjar fardas, contratar eletricistas e seguranças, tratar da Internet, das bilheteiras, do ar condicionado, da iluminação, de questões legais, dos seguros… um sem-fim de detalhes que permitem as exposições ou os grandes concertos acontecerem.
“Estou parada em casa, sem fazer nada. Não cai um e-mail, o telefone não toca. A estratégia é agir como os ursos: hibernar”, desabafa. A morar sozinha e sem filhos – Raquel nem quer imaginar como seria “ter bocas para alimentar e colégios para pagar” – está a aguentar-se à custa das poupanças, com o cuidado de consumir muito pouco. “Desenvolvi estratégias para lidar com a incerteza. Não tenho contrato de trabalho. Protejo-me de outra maneira. Estou sempre preparada para uma agonia de três a seis meses”, afirma a produtora, convencida de que o seu setor será dos últimos a regressar à normalidade.
Abra-se o comércio e ele trabalhará
A fábrica têxtil para a qual Pedro Silva, 36 anos, trabalha tem sede em Guimarães, mas a sua área de vendas é Lisboa e alguns arredores da capital. Comissionista, faz as vendas de lençóis, edredãos, colchas, roupas de banho a quem tem lojas, sejam grossistas ou comércio a retalho. Há sete anos que mantém a mesma situação na empresa: um contrato de prestação de serviços, em que passa todos os meses um recibo verde para receber as comissões sobre as vendas. Casado e com dois filhos, 13 e 5 anos, a morar num T3 em Odivelas, Pedro Silva conseguia rendimentos anuais que oscilavam entre os 20 e os 35 mil euros. Neste momento, como todos os seus 120 clientes estão fechados, Pedro Silva está em casa sem trabalhar. E não havendo vendas, não há rendimentos. Só depois de o cliente pagar é que Pedro recebe. Por isso, na primeira semana de abril ainda teve salário referente às vendas de fevereiro. Daqui para a frente, não sabe como vai ser: prevê que o seu rendimento baixe para um terço e, se a situação continuar, desça para zero no final de maio. Apesar de ter as despesas controladas, e conseguir fazer-lhes face graças a reservas de dinheiro, este vendedor continua a ter de pagar contabilidade própria, IVA e segurança social. Adiar os seus pagamentos, não compensa.
Construção civil e limpezas de máscara, porque não?
Há três anos, Karla Vilela, 40 anos, foi a primeira a chegar com o filho de cinco anos. Um ano depois, veio o marido, Gabriel Bastos, 45 anos, que tem família em Viana do Castelo. Para trás ficou uma vida inteira no Rio de Janeiro, no Brasil – onde ela era bancária e ele gerente de uma rent-a-car –, depois de terem passado por um assalto violento. A falta de nacionalidade portuguesa e a dificuldade em obter a documentação certa fizeram com que ela fosse trabalhar em limpezas e ele na construção civil.
Assim que o estado de emergência foi decretado, ambos perderam o trabalho. Nem as clínicas dentárias que Karla limpava ao final do dia, nem as casas particulares que lhe ocupavam a semana quiseram mantê-la. Dispensaram-na, por tempo indeterminado.
Com os empreiteiros a terem de suspender obras e a verem canceladas outras, Gabriel também teve de ficar em casa. Juntos, o rendimento rondava os 1 500 euros por mês. No final de abril, não vai entrar dinheiro nenhum e o pouco que têm é para comer. “Ando à procura de ocupação no meu bairro, na peixaria, na mercearia ou no café, seja para servir take away ou para limpar. Mas, não há emprego nem para os portugueses, quanto mais para os imigrantes”, lamenta Karla. Por enquanto, não está arrependida de ter vindo para Portugal, mas se não melhorar até ao início de maio, ela e o marido pensam regressar ao Brasil. Pelo menos lá têm família que pode apoiá-los.