Sara Velho e Joel Azevedo estão, finalmente, em casa, mas os portugueses, os dois enfermeiros na Suíça, tiveram muita dificuldade em sair do Peru, para onde foram de férias a 12 de março. “Na América do Sul, nessa altura, não havia casos praticamente nenhuns comparativamente aos milhares já contabilizados na Europa, por isso achávamos que nos estávamos a salvaguardar”, conta Sara Velho à VISÃO.
Nesse mesmo dia, o governo português decidiu encerrar todos os estabelecimentos de ensino até ao final das férias da Páscoa e contabilizavam-se 78 casos de Covid-19, ainda sem mortes. Em Itália, o número de infetados já ultrapassava os 15 mil e já tinham morrido mais de mil pessoas. A Europa estava prestes a ser considerada o maior epicentro do coronavírus pela OMS, ultrapassando a China.
O casal não desistiu da sua viagem e o plano estava bem traçado: aterrariam em Lima, viajariam até Arequipa e lá ficariam três dias para visitarem o Canyon del Colca e apreciarem a paisagem daquele vale -acabaram por não conseguir fazê-lo devido às chuvas torrenciais – e, a seguir, viajariam para Cusco, onde se centravam as suas grandes expectativas. “Seria o auge da nossa viagem, porque tínhamos previsto visitar o Vale Sagrado dos Incas, o Machu Picchu, a Vinicunca, também conhecida por Montanha das Sete Cores…é uma cidade muito rica em tradições culturais, com uma gastronomia incrível”.
Se tudo corresse bem, o casal regressaria a casa no dia 21, a partir de Lima. Mas foi precisamente quando aterraram em Cusco, a 16 de março, que os problemas começaram. Na cidade peruana, foram informados que, até à meia-noite desse dia, os aeroportos e todos os transportes e serviços de restauração, bem como os hoteleiros, seriam encerrados devido à Covid-19. Decidiram voltar, então, para o aeroporto, com o objetivo de comprarem um voo para Lima mas, assim que lá chegaram, o aeroporto já tinha sido encerrado.
Além disso, souberam que a reserva que tinham feito num hotel para essa noite tinha sido cancelada, já que o governo peruano tinha mandado encerrar todos os estabelecimentos. “Contactámos a responsável do hotel, porque já tínhamos feito o check-in, e explicámos que não tínhamos qualquer alternativa, mas ela disse-nos que não podia fazer nada”, relembra Sara. O casal passou essa noite na rua e conseguiu, apenas no dia seguinte, deslocar-se para um outro hotel em Cusco que permaneceu aberto.
No dia antes de aterraram nessa cidade, o número de casos de coronavírus no Peru era 71, sendo que 53 deles estavam localizados em Lima. Contudo, o governo começou rapidamente a impor várias restrições e, no dia seguinte, foi declarado Estado de Emergência.
A solidariedade em tempos de crise
Os dias seguintes foram um pesadelo para Sara e Joel. Além de afirmarem que foram insultados por vários habitantes, que não entendiam a razão de estarem lá, contam que a própria polícia local não lhes prestou qualquer ajuda. “Diziam que estavam ali para garantir a seguranaça da população”, conta Joel.
A grande preocupação do casal era o estado de saúde de Sara, que tem diabetes tipo I desde os nove anos. “Todo o processo de encontrar medicação e conseguir manter os níveis de glicemia estáveis foi super difícil desde o início, porque as minhas insulinas são difíceis de encontrar”, explica Sara.
Mas a ajuda não tardou a chegar: Sara e Joel fizeram um apelo nas redes sociais e várias pessoas partilharam o seu pedido. Rapidamente, uma portuguesa que tinha família em Cusco conseguiu fazer chegar 100 unidades de insulina de ação rápida e lenta à porta do hotel. Além disso, a embaixada portuguesa em Lima esteve também, desde o início, em contacto com o casal e, através do consulado honorário de Portugal em Cusco, foi possível fornecer a quantidade de insulina necessária durante o tempo todo.
Sara e Joel juntaram-se, nos últimos dias, a quatro portugueses num outro hotel. A 27 de março, através da embaixada portuguesa, um autocarro levou o casal, assim como o resto dos portugueses e um grupo de espanhóis, de Cusco para Lima e, três dias depois, foi realizado um voo para Lisboa. Neste momento, o casal já está em quarentena na Suíça, antes de regressar ao trabalho. “No fundo, ficar em casa teria sido a melhor solução porque, por mais baixo que o risco parecesse, acabou por nos afetar muito”, diz Sara. Agora em segurança, o casal refere que concorda, no geral, com as medidas adotadas pelo governo peruano na prevenção da propagação da pandemia, mas lamenta o facto de não ter dado, pelo menos, 48 horas aos turistas para que eles pudessem sair do país. “É lamentável e completamente incompreensível”, afirma Sara.