Sopa de legumes, lombinho de porco grelhado com arroz branco ou alho francês à Brás, água, polpa de fruta, banana e gelado. Foi este o almoço deste domingo, 22, servido às equipas médicas do Hospital de Cascais. Assim que o primeiro doente com covid-19 deu entrada no hospital de campanha na manhã da passada quarta-feira, 18, nessa noite o jantar dos médicos, enfermeiros e restante pessoal auxiliar já foi entregue pelo restaurante Boteco da Linha. Há cinco dias que a entrega do almoço ao meio-dia coincide com o toque da sereia dos bombeiros. Às sete da tarde, pouco depois do pôr do sol, são entregues os jantares. Mais logo, os profissionais de saúde vão comer peixe-espada grelhado com legumes e arroz de grelos ou beringela recheada.
Neste bairro de S. Pedro do Estoril, entre a praia e a estação de comboio, são vários os vizinhos que vão ao supermercado e têm deixado um saco com compras no restaurante. Por isso, as necessidades da cozinha do Boteco da Linha variam consoante a ajuda que chega quer de particulares, quer de empresas (Jerónimo Martins Distribuição, Iglo, Vitacress, Bel Portugal). Hoje, faltam caixas para take away, kits com talheres e guardanapo, dez quilos de bifinhos de vitela, mais dez quilos de bifinhos de peru e bacalhau. Tudo isto já a pensar nas ementas dos próximos dias. Entretanto, nos últimos dias já lhes chegou os gelados do Santini e as doses individuais de café de filtro descartável da Delta.
“Por enquanto ainda temos embalagens até meados da próxima semana. Se não chegar nenhuma doação vamos comprar”, explica Bárbara Peixoto que está a ajudar o amigo Tiago Magro, um dos sócios-gerentes do restaurante. A ideia solidária surgiu ainda antes de ter sido decretado o estado de emergência, depois de passarem de 80 jantares para dois. Com um total de 15 funcionários, a primeira preocupação de Tiago Magro, 42 anos, foi mandar para casa quem vinha de mais longe e apanhava transportes públicos. Agora, só vem trabalhar o chefe Marco Moura, que circula no seu carro, mais dois ajudantes de cozinha que moram no bairro e andam a pé.
Depois de fechar, no primeiro dia distribuíram alguns frescos entre as casas uns dos outros, depois pensaram: “Se temos a cozinha parada porque não ajudar quem precisa?”. Seguiu-se um post no Facebook a partilhar a ideia e à procura do contacto certo no hospital de campanha do Hospital de Cascais. Em rede, o apelo chegou a Bárbara Gama, gestora responsável pelos serviços externos necessários para o funcionamento do hospital de campanha. Em conjunto e no restaurante, depois de ver as instalações, elaboraram um plano de higienização e um esboço da ementa das “rações de guerra”.
“É importante que siga a dieta mediterrânica, que seja equilibrada, com uma forte componente vegetariana. E que seja pouco complexa de preparar, mas também de comer”, salienta Tiago. Começaram com 20 refeições e já aumentaram para 24, o que significa que em cada turno estão 12 profissionais de saúde a trabalhar. A entrada no hospital faz-se pela zona dos funcionários e Bárbara Peixoto, 44 anos, não contacta com absolutamente ninguém. Transposta a cancela, percorre de carro mais cerca de 200 metros e ali deixa as caixas com os mantimentos. Um membro da equipa médica recolhe e nunca se cruzam. Entretanto, graças à Internet – que nunca fez tanto sentido usar como durante estes tempo de recolhimento e distanciamento – tem-lhe chegado fotografias dos médicos a agradecerem as refeições.
Esta não é a primeira iniciativa benemérita quer de Tiago, quer de Bárbara. Além do restaurante, aberto há oito anos, Tiago também tem um escola de surf e através das aulas da modalidade tem participado em diversas ações de inserção social com crianças carenciadas, que assim têm o seu primeiro contacto com o mar. Bárbara é sócia de uma agência de publicidade e colabora regularmente com a Comunidade Vida e Paz. Há dez anos partiu um mês para a Guatemala, onde fez voluntariado num orfanato. Quando lhe perguntamos se foi duro, responde: “Foi esclarecedor para o resto da vida.”
Há dois anos, por altura dos grandes incêndios em Portugal, cancelou outra viagem de voluntariado no Quénia, optando por ajudar no seu País. Juntamente com uma amiga foi diversas vezes à zona de Pedrogão Grande para ajudar três famílias.
Pelo menos durante mais um mês acham que vão conseguir dar continuidade ao projeto. “Gostávamos muito de servir de exemplo a outros restaurantes que queiram ajudar outros hospitais de campanha, como o de São João, no Porto, que já publicou um post com as suas necessidades”, explica Bárbara.
No fim da entrevista, ficou a promessa de que lá para agosto haveremos de brindar com uma sangria. Nós e os profissionais de saúde que hoje não lhes conhecemos o rosto.