Os responsáveis europeus já aprovaram mais milhões para apoiar a luta contra o coronavírus, uma medida impulsionada pelo surto que eclodiu em Itália. Ainda assim, a OMS resiste a declarar estado de pandemia e a decisão de fechar fronteiras permanece na gaveta. Por cá, a DGS pede cuidado e distanciamento social a quem regressou de Itália
Já (quase…) todos concordam que é a mais grave crise de saúde à escala mundial do último século. A rápida expansão em Itália do vírus que veio da China pode ditar o primeiro encerramento compulsivo de fronteiras desde que se estabeleceu a livre circulação – algo que até agora está previsto em dois casos muito particulares: em caso de ameaça para a ordem pública ou segurança interna ( por exemplo, no Euro 2004, Portugal restabeleceu controlos na fronteira com Espanha) ou em caso de pressão de um fluxo migratório excecional, como fizeram alguns países do centro da Europa, para conter a multidão desesperada que chegava da zona do mediterrâneo.
Mas com o crescimento de casos de infeção em Itália – que parece incontrolável (ao final da manhã desta segunda-feira, 24, já tinha feito cinco mortos) – a questão volta a estar em cima da mesa. Dentro de Itália, já avançava o encerramento de estradas na zona da Lombardia, no norte do país, e o cancelamento dos mais diversos eventos, públicos e privados: de jogos de futebol a desfiles de moda ao próprio Carnaval de Veneza. Em Milão, a capital económica daquela região italiana, não haverá opera até ao mês que vem e os desfiles previstos durante a Semana da Moda decorrem à porta fechada, transmitidas por streaming. As escolas e as universidades estão fechadas e alguns jogos de futebol da liga italiana também foram cancelados. Já a força aérea e o exército italiano disponibilizaram 5 mil camas para internamentos que venham ser decretados – e o governo limitou todas as movimentações de pessoas no norte do país, onde vivem cerca de 50 mil pessoas. As imagens de prateleiras vazias nos supermercados não demoraram.
Fechar ou não fechar as fronteiras?
Neste cenário, aumentam os receios de que a propagação do COVID-19 possa provocar o primeiro encerramento de fronteiras por motivos de saúde, desde a entrada em vigor do espaço Schengen, em 1995. É que, dez dias após a reunião extraordinária dos ministros da Saúde da Europa, em Bruxelas, cumpriram-se os piores presságios. Os pontos de verificação e as informações sanitárias divulgadas em alguns aeroportos não impediram que o vírus continuasse a atravessar fronteiras. E agora a Comissão Europeia observa a sua expansão com preocupação: “Estamos a acompanhar de perto a situação em Itália”, diz a comissária de saúde Stella Kyriakides, em conferência de imprensa, avançando ainda que está a ser informada da evolução do surto em Itália pelo ministro da saúde italiano, reconhecendo e elogiando “a rápida reação das autoridades e sua transparência na comunicação”.
Aquela responsável congratula-se ainda com o facto de até agora nenhum país ter tomado medidas para estabelecer o controlo de fronteiras na União. Porém, é uma hipótese que ganha terreno, segundo fontes citadas pelo El Español: “Tememos que nos próximos dias algum país possa apontar nesse sentido”, reconhecem, considerando que o governo austríaco de Sebastian Kurz é o principal candidato a adotar uma medida que para já suscita sérias dúvidas.
“Num mundo tão global, é muito difícil fazê-lo – na Europa, penso que ainda mais. Não sou a favor do encerramento de fronteiras porque isso não ajuda a combater a epidemia. Sei que é difícil de explicar às pessoas, mas não é tão útil como se poderia julgar e acaba por se revelar inviável”, sublinha Marc Van Ranst, epidemiologista do Hospital Universitário de Lovaina, um dos centros de referência do coronavírus na Bélgica, cujas declarações fazem o pleno dos principais jornais belgas. “A melhor solução continua a ser identificar os casos e isolá-los, ao mesmo tempo que se prepara a população e os hospitais para o que possa acontecer, entretanto”, defende.
Só que, apesar das dúvidas, a Áustria começou por negar a entrada de um comboio vindo de Veneza já no domingo à noite, perante a suspeita de infeção em dois passageiros. A interdição só foi levantada várias horas depois. E na Roménia, foi decretada quarenta obrigatória de 14 dias para as pessoas que chegaram das regiões italianas onde a infeção se instalou. Todos os passageiros que chegaram ao aeroporto de Bucareste serão sujeitos a um questionário médico e submetidos a quarentena em casa, caso haja dúvidas – recorde-se que as regras de Schengen permitem que os governos reintroduzam controlos de fronteira unilateralmente quando entendem que há uma ameaça imediata. Foi também o que aconteceu para conter o fluxo migratório do Mediterrâneo, em 2015 – controlo fronteiriço que se mantém nas fronteiras da Áustria com a Hungria e a Eslovénia; na Alemanha com a Áustria; na Dinamarca, com Alemanha e Suécia; em toda a Suécia; e nas ligações marítimas da Noruega com a Dinamarca, Noruega e Suécia. Em França, há ainda controlo em todas as fronteiras por causa da ameaça terrorista.
Para já, anunciou-se a mobilização de 230 milhões de euros, e a Comissão Europeia também solicitou nova avaliação de risco ao Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (CEPCD). “Há 10 dias, pedimos aos Estados-membros que melhorassem as medidas de preparação, o que agora se revela ter sido justificado. A epidemia já afetou 29 países e isso apenas mostra que temos de acelerar a resposta e atuar como uma União. Não deve haver dúvidas de que este é um desafio global e exige cooperação de toda a comunidade internacional, além de coordenação de todos os setores dentro dos próprios países”, sublinhou Janez Lenarčič, o esloveno nomeado comissário europeu para gestão de crises, explicando que, do esforço monetário agora anunciado, 140 milhões destinam-se a apoiar os esforços de preparação de organizações mundiais de saúde, 50 milhões para apoiar países parceiros a reforçar a sua resiliência e preparação, 100 milhões para financiamento de investigação, desenvolvimento de vacinas e tratamentos, e 3 milhões para apoiar os esforços dos Estados-membros no fornecimento de equipamento de proteção pessoal à China e repatriamento de cidadãos europeus.
“Distanciamento social”
E amanhã é outro dia – como quem diz, está já agendada para esta terça-feira uma missão conjunta da OMS e do CEPCD a Itália, para verificar a situação in loco. “Vamos fazer o máximo para apoiar os Estados-membros. Devemos estar preocupados, mas não podemos ceder ao pânico e, ainda mais importante, à desinformação. Temos de nos manter informados entre nós em tempo real”, sublinhou ainda Kyriakides.
Detetado na China em dezembro de 2019, o coronavírus Covid-19 já provocou mais de 2 500 mortos e infetou mais de 78 mil pessoas a nível mundial.
O segundo país mais afetado é o Japão, com 769 casos (três dos quais mortais), incluindo pelo menos 364 no cruzeiro Diamond Princess, onde no sábado foi detetada a infeção de um cidadão português.
Segue-se a Coreia do Sul, com 556 casos, cinco dos quais mortais, e Itália surge já no quarto lugar na lista de países e territórios com mais casos. Há ainda também vítimas mortais no Irão, Hong Kong, Filipinas, França, Estados Unidos e Taiwan.
Por cá, há mais uma vez um apelo à calma – e ao distanciamento social. Ou seja, a quem regressou recentemente de Itália, a diretora geral da Saúde, Graça Freitas, aconselha a tomar as precauções básicas de higiene das mãos, não tossir nem espirrar em direção a outras pessoas, tal como evitar frequentar sítios fechados com muita gente. “Pelo menos, nos próximos dias, até entendermos bem o que se está a passar em Itália, nomeadamente como é que este foco se instalou, como é que a doença poderá ter iniciado”, salientou.
Insistindo para que “as pessoas se mantenham tranquilas”, a diretora-geral da Saúde sublinhou ainda que quem eventualmente tenha sintomas – que incluem febre, dores no corpo e cansaço – deverá contactar a linha SNS24 através do número 808 24 24 24.