Elas podem ir sozinhas, em casal, em grupo ou em família, mãe e filha, por exemplo. Já eles estão proibidos de entrar, nem sequer para visitar ou para beber um copo no bar ou mergulhar na piscina. No Som Dona, o primeiro hotel em Espanha exclusivamente para mulheres, a única condição para se hospedar é ter mais de 14 anos. Nesta recém-inaugurada unidade hoteleira de Porto Cristo, na costa de Manacor, na ilha de Maiorca, muito perto das praias e a dois minutos das grutas de Drach, pesquisando no site do hotel, só se consegue vaga para abril do próximo ano, com quartos duplos a partir de 73 euros.
As clientes, no entanto, vão cruzar-se com alguns homens durante a sua estada, pois a lei espanhola contra a discriminação no trabalho obriga as empresas a aceitarem os dois géneros na hora da contratação. “Um dos nossos objetivos é também dar uma certa visibilidade às mulheres que fazem um trabalho tradicionalmente masculino”, disse Joan Enric Capellá, presidente do Som Dona à editora Lonely Planet.
A simples ideia de ter várias mulheres a viajarem em grupo é muitas vezes associada a histriónicas despedidas de solteira, mas para muitas delas é uma oportunidade para estarem com pessoas que partilham as mesmas afinidades, longe dos olhares masculinos. “As mulheres estão a ir mais de férias com grupos de amigas, por isso acho que este hotel preenche uma lacuna no mercado. Algumas sentem-se mais à vontade num ambiente exclusivamente feminino e isso torna-se atraente para amigas que desejam passar alguns dias desligadas”, salienta a escritora de viagens Annie Bennet ao jornal britânico i. O site do hotel de quatro estrelas garante que foi projetado como “um local de relaxamento para mulheres que procuram desligar-se do stresse da vida quotidiana”. O menu do restaurante é “saudável”, com foco na dieta flexitariana (flexível, mas com predominância dos vegetais), e os 39 quartos com “muita luz e lindas vistas” estão equipados com secadores de cabelo e alisadores, toalhas XL, cofre para joias, produtos de maquilhagem e de higiene íntima, carta de almofadas e aromas, dock station, chá, café e minibar, roupão e chinelos. Para o anunciado “relaxamento mediterrânico”, há ainda uma piscina e um spa, uma livraria e um terraço no telhado. Serão estes os mimos essenciais para a mulher do século XXI?
metoo no turismo
Antes de o Som Dona abrir em Maiorca, já outros hotéis tinham descoberto o filão “só para mulheres”. Na Suíça, o Einstein St. Gallen tem um andar totalmente dedicado às senhoras, com suítes especiais com uma casa de banho grande com banheira, cabeleireiro, tapete de ioga, seleção de produtos de beleza, revistas e um minibar com batidos detox em vez de garrafas de vinho. Também no Jumeirah Emirates Towers, nos Emirados Árabes Unidos, os homens não podem subir ao piso Chopard, no 40º andar, exclusivo para elas.
Para quem sempre desejou fugir para uma ilha deserta e respirar ar puro, nadar nua no mar e dormir sob as estrelas, a empresária norte-americana Kristina Roth abriu a SuperShe, uma ilha finlandesa reservada totalmente a mulheres. A cerca de 20 minutos de distância de avião da capital, Helsínquia, a ilha conta com uma dezena de cabanas para hóspedes, spa e profissionais treinadas para dar aulas de ioga, meditação, culinária e musculação. O único problema poderão ser os €4 000 que custa uma semana de férias. Assim, o conceito de irmandade torna-se bastante elitista.
Do outro lado do mundo, numa outra ilha, o Surf Goddess Retreats, em Bali, na Indonésia, é um boutique hotel direcionado para o público feminino, onde as mulheres alternam aulas de surf com sessões de ioga e tratamentos no spa. Há dois anos, em março, no Dia Internacional da Mulher, abria a Josephine’s, uma guesthouse de três estrelas em Zurique, na Suíça. Além de alojamento para turistas num city break, clientes de negócios em viagens de vários dias, residentes de longa duração e estudantes universitárias, funciona também como abrigo: oito a dez dos 38 quartos são reservados para mulheres que precisam de um lugar de emergência para ficar, como acontece com aquelas que fogem à violência doméstica. “A Josephine parece um grande apartamento partilhado e isso é algo de que as nossas clientes gostam muito”, disse Verena Kern à Lonely Planet.
Na Índia, os quartos batizados Aura no hotel The Westin Gurgaon, em Nova Deli, foram projetados para as mulheres que viajam sozinhas – ficam perto do elevador, têm sistemas de segurança reforçados e são servidos apenas por funcionárias. Por cá, a Associação da Hotelaria de Portugal, com cerca de 700 associados, não tem conhecimento desta espécie de ramificação do movimento #MeToo no turismo, nem sabe se haverá mercado em Portugal para este segmento.
Mais segurança em grupo
Não são só os hotéis a piscar o olho às mulheres. Nos últimos três anos, são várias as agências de viagens especializadas em organizar viagens de grupo no feminino. Criado em 2016, o site Girlfriends Travel foi pioneiro, tornando-se líder de mercado com mais de 640 mil membros. As férias podem mesmo transformar-se numa época de conflito, pois nem sempre é fácil conciliar as agendas de várias amigas, nem todas querem ir para o mesmo destino, algumas insistem em levar os companheiros, e está instalada a confusão. O que o site faz é juntar mulheres com os mesmos interesses (culturais, desportivos, espirituais…) e o desejo de viajar e formam um pequeno grupo (10-15 pessoas) baseado nessas afinidades.
A motivação das clientes da agência francesa Another Trip não é a de viajar “entre mulheres”, mas sim a de descobrir uma faceta diferente de um país, como explicou Kévin Girard, diretor da Points-Voyage, à Nouvel Obs. O programa de 13 dias “O Irão dos iranianos” é o bestseller da agência, principalmente porque é possível compartilhar o quotidiano de uma família – o que seria “mais difícil de aceder” a um grupo misto de turistas.
A questão da segurança foi o que levou Christina Boixière a fundar o La Voyageuse em abril passado, o primeiro site de couchsurfing 100% feminino. Adepta desta forma de viajar, que permite ficar hospedada em casa de famílias, sem pagar, Christina já teve de enfrentar situações menos agradáveis com os donos das casas. O que o seu site faz é ligar anfitriãs e viajantes, selecionando cuidadosamente os perfis de ambas para garantir uma relação de confiança. Para Christina Boixière, “La Voyageuse não é um projeto feminista, mas promove a igualdade de género”.
Um mercado em verdadeira ascensão, pois ainda há lugar para abrir hotéis para mulheres que gostam de beber cerveja, comer hambúrgueres, fumar charutos e jogar blackjack…