A 10 de dezembro de 2009, um grupo de pais uniu-se para criar a Associação para a Igualdade Parental e para os Direitos dos Filhos, tendo como principal missão conseguir que pais e mães fossem tratados da mesma forma perante a Justiça, em caso de separação ou divórcio.
Dez anos depois, esse objetivo primordial ainda não foi alcançado – mas está quase a tornar-se realidade e a ganhar força de lei. O PS e o PAN já entregaram dois projetos de lei nesse sentido na Assembleia da República (onde o tema volta a ser debatido esta quarta-feira, 11), e a sua aprovação estará garantida com o apoio ou abstenção do BE e PSD, apesar dos votos contra previstos do PCP e CDS.
Em causa está a alteração do Código Civil, no sentido de estabelecer como regime preferencial a residência alternada para crianças cujos pais e mães se encontrem em processo de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, ou seja, “da partilha entre mãe(s) e pai(s) de 33% a 50% do tempo de residência e do envolvimento continuado nos cuidados, na educação e na vida quotidiana dos seus filhos e filhas, como regime preferencial nas políticas públicas dirigidas à proteção das crianças”.
Estima-se que 25% das crianças portuguesas irão chegar à idade adulta com os pais separados
Atualmente, a lei privilegia a residência da criança com um dos progenitores, visitando o outro (regra geral) ao fim de semana, de quinze em quinze dias, o que leva a “um afastamento do quotidiano do pai/mãe com quem a criança não reside habitualmente”, recorda Ricardo Simões, presidente da Associação para a Igualde Parental. “As crianças merecem e têm o direito de conhecer, estar e conviver, em condições iguais, com ambos os pais/mães.”
França, Bélgica, Holanda e Suécia são alguns dos países que já assumiram a presunção jurídica da residência alternada e o Conselho da Europa, através da Resolução 2079 de 2015, instou os estados-membros a assumirem este princípio no seu ordenamento jurídico, limitando as exceções a casos de negligência, abuso ou violência doméstica. “No seio das famílias, a igualdade entre os progenitores tem que ser garantida e promovida a partir do momento em que existam crianças”, pode ler-se no texto final da Resolução. “O respeito pela vida familiar é um direito fundamental consagrado no Artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e em numerosos instrumentos legais internacionais” e “a separação de progenitores dos seus filhos tem efeitos irremediáveis na sua relação”, pelo que tal separação deva acontecer “somente em circunstâncias excecionais que impliquem graves riscos para o interesse da criança”.
Este é um sistema adotado já por muitas famílias portuguesas, mas por iniciativa dos pais. “A lei atual permite essa possibilidade, mas não a promove”, lamenta Ricardo Simões. O Código Civil refere a guarda partilhada, mas isso nada tem a ver com a residência.
Muitas crianças portuguesas já passam uma semana em casa do pai e uma semana em casa da mãe, apesar da residência alternada não estar prevista no Código Civil
A lei atual parte sempre do pressuposto de que existe uma “residência habitual” da criança com um dos pais: “O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
O professor Jorge Duarte Pinheiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em Direito da Família, considera mesmo que a lei trata o progenitor residente e o não residente de forma desigual, sendo urgente corrigir esse desrespeito constitucional.
No ano passado esta alteração no Código Civil foi debatida na Assembleia da República em resposta a uma petição pública promovida pela Associação para a Igualdade Parental, mas vários partidos e organizações da sociedade civil levantaram objeções à redação da lei, que previa a “presunção jurídica” da residência alternada, o que poderia levantar problemas em casos de violência doméstica, por exemplo. Entretanto a legislatura terminou e os projetos apresentados ficaram pelo caminho. Os textos das propostas agora entregues no Parlamento pelo PS e PAN mencionam por isso um “regime preferencial”.
Um apoio de peso à aprovação desta alteração ao Código Civil surgiu no passado dia 30 de outubro, através de uma deliberação do Conselho Superior da Magistratura, defendendo que a legislação portuguesa deve prever “o princípio de que, salvo motivos ponderosos, a residência dos filhos de pais separados deve ser com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação ao caso concreto pelo juiz”.
Também a Procuradoria-Geral da República defende que a residência alternada de filhos de pais separados deve ficar expressa no Código Civil, devendo ter um estatuto privilegiado em relação a outras soluções, mesmo quando não haja acordo entre os progenitores.
Há cerca de 17 mil processos de regulação das responsabilidades parentais por ano e só 4% têm os pais em litígio
Sempre foi despropositada a pergunta “gostas mais do pai ou da mãe?”, mas em breve também deverá ser a interrogação “vives com o pai ou com a mãe?”. Como defende a Associação para a Igualdade Parental, “o amor também pode morar em duas casas”.