A curiosidade levou-o a comprar uma misteriosa caixa no eBay, com centenas de slides Kodachrome de 35mm. O que o cineasta britânico Lee Shulman encontrou deixou-o absolutamente fascinado. Perante os seus olhos revelavam-se cenas da vida quotidiana na América, captadas nos anos 50 e 60, milhares de fotografias privadas, de famílias comuns, desconhecidas, que alguém tirara “para mais tarde recordar”. Memórias perdidas de festas de aniversário, férias na praia, viagens pela estrada fora.
Lee Shulman entendeu que outros deveriam ter acesso ao “valor emocional desses instantes de vida”, e criou o site The Anonymous Project, em 2017. Desde então reuniu mais de 700 mil slides de vários pontos do mundo, descobrindo-os em feiras de antiguidades ou recebendo por doação outras caixas misteriosas como a primeira que comprou. Agora escolheu 300 fotografias desta extraordinária coleção, a pedido da Taschen, para criar o livro Midcentury Memories. Os lugares, as datas e as pessoas que aqui surgem podem ser desconhecidos, mas as histórias que nos contam são universais.
Através destes retratos percebemos que os hábitos de tirar fotos não mudaram assim tanto. Continuamos a querer registar os momentos mais importantes e mais felizes das nossas vidas e recorremos ao mesmo tipo de ângulos e estratégias de aproximação da realidade. Como escreve o crítico de fotografia Richard B. Woodward na introdução deste livro, “é significativo e fascinante que em praticamente todas as imagens fotógrafo e fotografado pareçam conhecer-se”, o que impregna este álbum de humanidade.
É provavelmente a familiaridade e a intimidade dos protagonistas com os fotógrafos que dá às imagens uma naturalidade que é impossível de replicar hoje, na era das selfies e das “produções” para o Instagram. Há uma “verdade” que reconhecemos nestes instantes, porque também nas nossas casas existem, ou existiram, álbuns de fotos de família com estas cores naturalmente saturadas e sorrisos genuínos – sem filtros.