A estrada serpenteia ao longo de um rio formado pela fusão de três glaciares e atravessa as encostas do Monte Branco, a fronteira natural onde Suíça, Itália e França convergem a 4 mil metros. São cerca de 700 metros, mas a natureza e os cálculos dos geólogos concedem menos de um minuto para chegar ao outro lado. “Não pare”, avisa um dos guardas que está de serviço a um dos acessos desde o início do verão, quando as autoridades locais decidiram limitar a passagem. Aquele pequeno minuto é o tempo máximo que alguém pode demorar a atravessar, sem ser engolido pelos 250 mil metros cúbicos de gelo do glaciar que ameaça colapsar: neste momento, há duas enormes fendas no Planpincieux que já o fraturaram em três pedaços. E um deles, o mais baixo, está a avançar ao ritmo de um metro por dia. É a primeira marca visível das alterações climáticas no topo da Europa, como conta o El País.
Atente-se em Courmayer, cidade com 2700 habitantes aninhada entre as montanhas acidentadas do Monte Branco, e que vive do turismo. Ali, há alguma perplexidade perante toda esta preocupação, sobretudo porque ameaça já o início da época alta na região. É verdade que cinco dos glaciares que há ali em volta são altamente monitorizados desde que os seus movimentos incomuns foram detetados – como o conhecido Seracco Whymper, que deixou cair 50 mil metros cúbicos de água há uma semana, ou por receio de outros vazamentos que possam causar correntes não controladas.
Mas no Planpincieux, um glaciar temperado que fica na parte norte do maciço dos Grandes Jorasses – os seis cumes que fazem a fronteira entre Itália e França – não havia problemas até hoje. Ou até ao final do verão, quando o autarca local decidiu evacuar casas, fechar abrigos e cortar um bom pedaço de estrada, porque a visibilidade já não era tão boa.
Nos glaciares, como nos vulcões e nas regiões sísmicas, há uma monitorização ao milímetro – mas nunca se conseguiu conceber um modelo exato do seu comportamento. Assim, além da profecia climática, já se sabe que alguns destes são uma ameaça para quem ousa viver ao pé deles. Os primeiros sintomas de que havia algo de errado em Planpincieux, que paira sobre uma área do Val Ferret onde há vilas e alguns hotéis, chegaram neste verão.
“Observamos comportamentos estranhos, alguns glaciares estavam a avançar mais depressa do que o esperado e é relativamente normal. Mas também pode ser muito grave, já que não se pode fazer nada a não ser esperar que uma grande massa de gelo caia definitivamente ou então que as temperaturas desçam muito e tudo se compacte novamente. Já uma explosão de gelo seria extremamente perigosa…”, assegura Fabrizio Troilo, um especialista em glaciares da Fundação Montanha Segura, uma organização que monitoriza a região desde 2013, sabendo que se os principais setores do glaciar caírem podem causar uma avalanche e ventos de 150 quilómetros por hora.
Embora nem todos por ali estejam assim tão preocupados, ou pelo menos não o assumem – como os que vivem do turismo – a verdade é que o tema foi levado à Cimeira do Clima, em Nova Iorque, pelo primeiro ministro italiano, Giuseppe Conte, onde pediu atenção. “O Vale de Aosta é um laboratório de alterações climáticas”, acrescentou ainda Antonio Fosson, o presidente da região convidando todos os interessados a visitá-la, respondendo assim a quem criticou publicamente este “cenário apocalítico”.
É também verdade que estas rachas no Monte Branco não são novas. O próprio Planpincieux fora anexado àquele gigante em meados do século XIX. Há ainda outros glaciares, até maiores, nas mesmas circunstâncias, insistem outros especialistas ali por perto. Não serão bem iguais: nos outros casos, não há populações a viver no vale em baixo.