Fábio está internado no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. As “impulsividades nervosas” e as dificuldades cognitivas levaram-no lá, já faz dois anos. Foi-lhe proposto, em agosto de 2018, que integrasse a Tílias-coop, uma iniciativa do hospital que usa a jardinagem e a horticultura como terapia para ajudar a reabilitar os pacientes.
Para o jovem de 26 anos, começar a ter uma rotina foi um passo essencial. Agora acorda às 7h, mesmo que ainda lhe custe, e trabalha das 8h às 17h, de segunda a sexta. É responsável pela recolha do lixo de todo o parque que rodeia o centro hospitalar e, às terças-feiras, faz a manutenção de plantas, de que tanto gosta. À semelhança de Fábio, perto de 190 pessoas já integraram esta empresa de inserção profissional (que funciona como cooperativa) durante os seus 19 anos de existência. Foi criada quando o centro hospitalar ainda existia como Júlio de Matos, a pensar na fase final da reabilitação dos utentes.
Nuno Alvarez, presidente da Tílias-coop, explica que a empresa disponibiliza um “emprego protegido” – cuja remuneração consiste num subsídio de alimentação e noutro de transporte para quem precisa de se deslocar – e que se destina a pessoas que sofrem de depressão, adições, esquizofrenia, bipolaridade ou outras doenças do foro psiquiátrico. O objetivo é que, no período de um ano, desenvolvam capacidades relacionadas com manutenção de espaços verdes e horticultura orgânica, para futuramente conseguirem integrar o mercado de trabalho de forma autónoma.

À jardinagem e à horticultura sempre foi associada uma conotação positiva. A promoção do bem-estar físico e mental não torna recente esta sua vertente terapêutica. Benjamin Rush, político e médico norte-americano, já documentava, no século XIX, os benefícios destas práticas em doenças mentais. Há inúmeros estudos que o comprovam, como um da Universidade de Michigan, publicado na Psychological Science (e intitulado The Cognitive Benefits of Interacting With Nature), que demonstra o seu poder regenerativo no que diz respeito às capacidades cognitivas. Outro, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, salienta o aumento da autoestima, a redução da agressividade e do stresse. A Associação Americana de Horticultura Terapêutica acrescenta melhorias na memória e estímulo de músculos, coordenação e equilíbrio.
Lúdico e terapêutico
Em Portugal, o uso da jardinagem como prática terapêutica ainda não está generalizado, ao contrário do que sucede nos Estados Unidos da América, onde terapeutas especializados percorrem quartos de hospitais com carrinhos carregados de plantas e materiais de jardinagem para ajudarem a reabilitar pessoas que se encontram a recuperar de cirurgias. Por cá, esta atividade parece limitar-se à recuperação de pessoas com adições ou doenças mentais.
Para Rosário Curral, psiquiatra e diretora de serviço da Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental, no Hospital de São João, no Porto, as mais-valias desta terapia são óbvias. O contacto com a Natureza “faz-nos sentir parte deste sistema”, algo que considera fundamental para os que são ostracizados pela sociedade por sofrerem de doenças mentais. A jardinagem e a horticultura funcionam, na sua perspetiva, como “uma maneira estimulante de regressarem à vida, que impede, seguramente, futuros internamentos e descompensações dos doentes”.
Também o Hospital Garcia de Orta, em Almada, espera ter reunidas, em poucos meses, as condições necessárias para iniciar um projeto semelhante. Isabel Ribeiro Costa, diretora do Serviço de Psiquiatria, vê aqui uma oportunidade de oferecer, num hospital geral, “algo mais lúdico e terapêutico”. “Os doentes mentais e com demência tiram muito partido destas atividades; há um estímulo cognitivo e físico, e ainda fomentam o convívio e ajudam a organizar o pensamento”, refere.
Controlar a ansiedade
A jardinagem como terapia também é praticada nas comunidades de toxicodependentes. É o exemplo da Ares do Pinhal, em Mação e Sintra, onde os utentes participam nas atividades desde o início da reabilitação. “A Natureza traz claramente benefícios. Numa primeira fase, ajuda-os na adaptação à comunidade, cria-lhes um sentimento de pertença e confiança”, afirma o psicólogo Hugo Oliveira. O diretor técnico da instituição explica ainda que, numa segunda fase da reabilitação, esta atividade é uma ajuda para promover o trabalho de equipa e a interação social e, mais tarde, acaba por funcionar como uma “ponte para a realidade”, preparando os utentes para a inserção no mercado de trabalho.
Afonso (nome fictício) está há três meses na Associação Minha Casa, em Óbidos, onde se trabalha diariamente nos jardins e na horta. Numa primeira fase, esta iniciativa surgiu por necessidade de manter os utentes ocupados, mas com o passar do tempo as propriedades curativas justificaram um maior investimento. Afonso nunca pensou interessar-se por plantas, mas decidiu arriscar. Há dias em que a falta de paciência leva a melhor, mas quando está mais inspirado, é nesta terapia que se sente preenchido.
“Os utentes que usufruem desta atividade revelam-se menos impulsivos, com níveis de ansiedade mais baixos e, sobretudo, chegam ao final do dia satisfeitos com o trabalho que produziram, pois visualmente é notória a transformação dos espaços. Nota-se também que o sono está menos perturbado e conseguem descansar melhor à noite”, afirma Patrícia Frazão, psicóloga clínica da associação.
Ali corta-se a relva, apanham-se ervas e decoram-se os canteiros com novas flores. Tal como no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, onde as atividades se centram na rega, na plantação, no desbaste, na manutenção dos espaços e, no caso particular da Tílias-coop, em serviços no exterior através de contratos com outras entidades. Fábio diz que a jardinagem o “acalma”. “Aprendi a comportar-me, a lidar melhor com as situações e com os colegas.” Essencialmente, lida também melhor com a doença.