Quando nasceu, era um menino que cabia na palma das duas mãos, um pedaço de gente com pouco mais de 250 gramas. Ninguém dava nada por ele – mas ele, contrariando as expectativas de tudo e todos, não cedeu: nem a infeções nem a qualquer outra das doenças oportunistas da sua condição. Era verão. Ao fim de seis meses de ventiladores e monitores despediu-se da unidade hospitalar que o acolheu e foi para casa.
O caso ocorreu no Japão e tornou-se uma referência no planeta inteiro porque bateu mais um recorde. Aqueles 268 gramas de bebé, o seu peso certo à hora do nascimento, não eram uma preocupação quando os médicos se decidiram por uma cesariana de emergência. Na sua mente, estava a mãe, era ela que, antes de mais, precisava ser salva. A criança, muito provavelmente, não iria sobreviver.
Não se voltou a ouvir falar desse miúdo até ao início do mês passado. Contra tudo e contra todos, tinha-se transformado num rapaz com 3,2 quilos e era aquilo a que costuma chamar-se um bebé-milagre. Foi então que saiu do hospital ao colo de uma mãe sem palavras para descrever o momento: “Só posso dizer que estou mesmo muito feliz porque ele cresceu imenso”, disse, depois de confessar que foram muitos, demasiados, os momentos em que pensou que ele não ia sobreviver. Agora, a história da sua ainda curta vida passou a ser a da luta do prematuro mais pequeno do mundo – e junta-se a uma lista de cada vez mais bebés muito pequeninos que conseguiram seguir em frente.
No limiar da sobrevivência
“Muitas vezes, ao fim de dez anos, já ninguém se lembra que essas crianças nasceram prematuras. É cada vez mais comum!” A exclamação é de Joana Saldanha, a presidente da Sociedade Portuguesa de Neonatologia, e encaixa na perfeição na imagem que se desenhou no nosso cérebro depois do parágrafo anterior, e que é a de uma criatura quase liliputiana.
Comecemos então pela revisão da matéria dada. Prematuros são todos e quaisquer bebés que nascem com menos de 37 semanas – embora os que mais preocupem médicos e pais seja aqueles que não chegaram sequer às 32 semanas e têm menos de quilo e meio de peso. O limiar da viabilidade – a idade gestacional em que 50% que sobrevive – esse, está agora nas 24-25 semanas. Embora, um dia, muito provavelmente, isso possa mudar outra vez.
“Há 30 anos, um bebé com 24 semanas era considerado um aborto. É o que agora fazemos com um bebé de 21 ou 22. Se tivéssemos esta conversa daqui a dez anos, se calhar o limiar da viabilidade já será outro”, sublinha a médica, a lembrar que agora temos mais prematuros porque antigamente muitos destes nascimentos não eram considerados. “Aqui há tempos recebemos um bebé de 22 semanas que acabou por morrer. Mas já são vários os casos de 23 que sobreviveram.”
Essa a grande alteração de padrão e os números confirmam a tendência. Entre 2004 e 2015, os nascimentos de prematuros entre as 22 e as 24 semanas simplesmente duplicaram. Diz um estudo da The Lancet, de 2015, que foram 16 no primeiro ano da análise, passaram para 19 em 2010 e em 2015 o valor chegou aos 36. Em termos de valores absolutos – ou seja, de partos antes das 37 semanas de gestação – aí os prematuros são 10% dos casos, dados de 2017.
Os problemas dos bebés (muito) pequeninos
Sim, no plural: os problemas que se atravessam na vida de um bebé pequenino não só são enormes como se demoram muito mais tempo do que poderíamos esperar.
Antes de mais, dizem os médicos, investe-se muitas vezes em bebés que não se sabe quanto têm exatamente – daí às vezes poder nascer mais maduro e desenvolvido do que o esperado. Outras vezes não têm o crescimento esperado para a sua idade fetal: por isso, seria expectável que nascesse 800 gramas e depois só tem 500…
Depois, não há forma de saber com a antecipação devida o que pode provocar um parto antes de tempo – e assim evitar. Seguem-se dias, semanas, até meses de vida nas unidades de neonatologia: se não tiverem outras complicações, são bebés que geralmente só têm alta quando atingem as 35, 36 semanas.
No entretanto, muitos bebés são muito instáveis e os pais não lhes podem pegar logo, como tinham imaginado e isso causa mais alguma ansiedade.
Além disso, é muito importante que a mãe comece logo a tentar tirar leite: se o leite materno é muito importante para um bebé de termo, é ainda mais para um prematuro.
Sobretudo, são casos que se vivem um dia de cada vez. São pequenos seres, de pele muito frágil e imunodeficientes por natureza – ou seja, faltou-lhes passar pela última fase da gravidez, que é quando ganham muitas das imunidades.
Outro dos grandes problemas das unidades hospitalares que acolhem estes bebés pequeninos são as infeções, muitas vezes provocadas pela falta de espaço entre incubadoras. O ideal, concordam especialistas, eram unidades familiares, com espaço para a incubadora e também para os pais dormirem, comerem…
Quando nascem, toda a gente sabe que o período mais crítico é a primeira semana. Quando já têm corpinho de gente, passa a ser o primeiro ano. Consensual entre todos é que não se deve alimentar esperanças para lá do razoável. E que esta é uma batalha que se ganha no dia a dia.