Já no verão passado, um grande inquérito europeu havia dado uma vitória esmagadora aos que não querem que a hora mude: 80% dos 4,6 milhões de inquiridos responderam que queriam os relógios a seguirem o seu curso natural, sem influência externa. E a maioria disse preferir ficar com a hora de verão. “Milhões acreditam que, no futuro, a hora de verão deveria ser para o ano todo, e é isso que vai acontecer”, disse o presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker. Foi proposto, então, que se deixasse de mexer nos ponteiros já a partir deste ano.
O Parlamento Europeu votou hoje nesta matéria, aprovando por larga maioria o fim da mudança bianual da hora: 410 votos a favor da abolição, 192 contra, 51 abstenções. Apesar de concordar com a CE, os eurodeputados decidiram adiar a implementação da medida para 2021.
Mas isso não quer dizer que os portugueses vão deixar de atrasar e adiantar os relógios. Em setembro, o primeiro-ministro, António Costa, avisou Bruxelas que Portugal queria manter o regime bi-horário. E agora? Mantemos? Não mantemos? O que é melhor? E qual é, afinal, a hora padrão, a de verão ou a de inverno? Aqui ficam as respostas a algumas dúvidas sobre este momento histórico.
Como começou o debate?
Há muito que se discute a necessidade de manter a mudança da hora, face às reticências crescentes sobre as vantagens que justificaram a sua implementação – nomeadamente a poupança de energia, que vários estudos consideram inexistente, inconclusiva ou, no máximo, residual. Mas o verdadeiro pontapé de partida foi dado através de uma petição na Finlândia, com mais de 70 mil assinaturas, em que se pedia o fim desta prática.
Qual a justificação para se deixar de mudar a hora?
Vários estudos médicos têm apontado para efeitos negativos da mudança da hora na saúde. Este argumento, no entanto, não convence toda a gente. “As pessoas dizem que se sentem mal, mas o impacto não é assim tão grande”, garantiu à VISÃO Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa (que determina a hora legal do País com relógios atómicos, de altíssima precisão), na sequência da proposta da CE. “Queixam-se durante quatro dias, mas gostam dos outros 206, os sete meses com hora de verão.”
Qual é a hora “original”?
Apesar de passarmos mais tempo com a hora de verão, o padrão é a hora de inverno. Em Portugal, é também a hora de inverno que fica mais próxima da hora solar, com uma diferença de 37 minutos. Quando o sol está no seu ponto mais alto (o meio-dia solar), são 12h37 no inverno e 13h37 no verão.
Isso significa que todos os europeus ficam com a hora de inverno?
Não. Cada Estado-membro vai decidir que hora lhe é mais conveniente, mas a CE e, agora, o Parlamento Europeu já avisaram que tudo terá de ser planeado em conjunto. Se cada um definir a hora à sua maneira, haverá impactos económicos negativos, alertam. De qualquer forma, a maioria dos inquiridos disse preferir a hora de verão, e o presidente da Comissão também aponta nesse sentido. Cada país terá de notificar a CE da sua decisão até 1 de abril de 2020.
A hora de verão é a melhor escolha?
Rui Agostinho considera-a “um mal menor”. “Mas o repouso e a atividade respondem à luz solar, e vamos pagar um preço por manter essa hora. Desperdiçamos as horas de sol de manhã e diminuímos as de sol no final do dia, que podmeos aproveitar para atividades de lazer ou desporto. E, pior, em dezembro e janeiro o sol nascerá bem depois das oito da manhã. Quem entra na escola ou no emprego às oito da manhã, entra ainda sem sol.”
Portugal vai, então, deixar de mudar a hora?
Provavelmente, não. Logo no verão do ano passado, o primeiro-ministro pediu um relatório a Rui Agostinho sobre o assunto, para ter uma base científica que permitisse justificar uma decisão num sentido ou noutro. O relatório de 44 páginas, da responsabilidade do diretor do Observatório, defende a manutenção do regime bi-horário. A recomendação foi aceite pelo governo, que fez saber junto de Bruxelas a sua discordância quanto à abolição. De qualquer modo, a União Europeia não impõe o fim da mudança da hora – apenas exige que qualquer decisão seja debatida e concertada entre países vizinhos.
Então está decidido? Vamos manter tudo como está?
Não. O relatório técnico é apenas consultivo, não vinculativo, coisa que Rui Agostinho fez questão de sublinhar. Foi, aliás, assinado apenas pelo próprio, e não pela Comissão Permanente da Hora; outros especialistas defendem o fim da tradição. O governo ainda pode mudar de ideias. Mas é verdade que, num país tão a sul como Portugal, a permanência na mesma hora será sempre estranhada antes de entranhada: se ficarmos com a hora de verão, anoitece perto das 21h, nos meses quentes; se optarmos pela de inverno, anoitece pouco depois das cinco da tarde, nos meses frios.
A mudança da hora é a regra?
Não. A maior parte da população mundial não muda os relógios. Na Ásia, apenas o Irão, Israel, Líbano, Síria, Jordânia e Turquia o fazem (estão de fora gigantes como a China e a Índia, por exemplo). Em África, só Marrocos. Nas Américas, é igualmente uma minoria: EUA, Canadá e México, sim; na América do Sul, são muito menos os que adiantam e atrasam a hora. A propósito, alguns países, independentemente de mudarem ou não a hora, têm fusos horários de meia hora, comparados com a maior parte do mundo: Índia, Irão, Afeganistão, Sri Lanka, Birmânia, certas regiões da Austrália… O Nepal vai aos quartos de hora: quando é meio-dia em Portugal, são 17h45 em Catmandu.