Vamos quebrar um mito: José Maria Ricciardi não teve qualquer influência na reestruturação que alcançámos com a banca. Na altura, ele era presidente do Banco Espírito Santo Investimento (BESI) e esteve em algumas reuniões, a meu pedido, mas manifestou sempre grande desconhecimento dos assuntos que estávamos a debater. Portanto, a ideia de ter ajudado o Sporting nesses assuntos não é real, embora ele nunca tenha mostrado problema algum em ficar com esse rótulo.
O administrador do BES que esteve sempre a trabalhar com o Sporting foi Joaquim Góis. Por isso, também estranhei quando, mais tarde, o BES fez um comunicado dizendo que a intervenção de Ricciardi foi fundamental para o acordo. Não foi. Pelo contrário. Aliás, não tenho qualquer problema em dizer que ele era uma das pessoas que queriam que nós caíssemos pouco tempo depois de termos tomado posse.
Nas reuniões em que esteve presente, mostrava estar completamente por fora de todos os assuntos. Em certas alturas, virava-me para ele e perguntava: “Mas isto foi o que nós negociámos?” Ricciardi respondia: “Pois, olhe, você não negociou nada comigo.” “É verdade, tem razão. Joaquim, isto foi o que negociámos?” E Ricciardi ali ficava, com ar simpático, a ouvir, mas pouco mais.
Também não tenho dúvidas de que, mesmo depois de alcançarmos a reestruturação, ele não era muito favorável. Passados uns meses, porém, parecia ter mudado de opinião e confessava estar rendido ao nosso trabalho. Numa dessas ocasiões, vivi uma história bizarra com ele. Estávamos na sala da direção, em Alvalade, com a porta aberta, a falar normalmente. De repente, põe-se de joelhos à minha frente e agarra-me nas pernas.
“Perdoe-me, perdoe-me. Estava tão enganado ao longo destes últimos vinte anos. Cometemos tantos erros. Obrigado por tudo o que está a fazer pelo Sporting”, dizia ele.
Fiquei atónito com aquela reação: “Ó homem, está tudo perdoado, mas, por favor, levante-se do chão. Passa aqui alguém, veem-no de joelhos e ainda ficam a pensar outra coisa. Largue-me as pernas, por favor.”
Ele lá se levantou e parou com aquela figura. Quem é que imagina um homem como Ricciardi, de joelhos, a pedir desculpa? Mas é uma realidade. Venha ele desmentir ou não.
E porque é que mais tarde perdi o apoio dele? Porque não renovei uma segunda vez com Jorge Jesus. Era algo que ele queria muito e que me estava a pressionar para fazer. A verdade é que ele e o Jorge passavam muito tempo juntos. Em muitos almoços. Eram amigos.
Mas por aqui se pode ver que, na verdade, nunca tive qualquer apoio dele. Quando as pessoas que dizem estar connosco chegam a estas miudezas para justificar o seu afastamento (como a renovação ou não de um treinador), é porque nunca nos apoiaram.
Eu sabia, perfeitamente, que muitos daqueles que votaram em mim nas segundas eleições, em 2017, saltariam fora à primeira oportunidade. Foi o caso de Ricciardi.
Os primeiros problemas que tive com ele começaram a surgir na altura em que eu passava muito tempo no hospital com a minha mulher de então. Estava a viver momentos de grande aflição por causa da sua gravidez de risco. Os médicos diziam que havia uma forte possibilidade de a nossa filha não sobreviver. Foi o momento mais complicado da minha vida. E, num desses dias, fui brindado com umas declarações de Ricciardi à comunicação social em que me lançou fortes ataques, dizendo que eu deveria abandonar a presidência do Sporting. Este era o mesmo homem que se tinha ajoelhado tempos antes perante mim. O mesmo homem que me fazia rasgados elogios.