Estava há uma semana sem folgas, a trabalhar 16 horas consecutivas por dia, e a passar mais umas a tirar uma especialidade em Saúde Materna, quando quase desmaiou no hospital onde trabalhava. “Comecei a sentir-me mal, a ouvir a voz de uma colega muito ao longe. Era a segunda vez que me acontecia. Percebi ali que estava à beira de um esgotamento”, lembra Rosarinho Guimarães de Melo, hoje enfermeira no Serviço de Saúde Materno-Fetal do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, depois de uma ida forçada para Londres e vários contratos precários em Portugal.
Estrela Moreira não se lembra do último fim de semana que teve livre porque nas suas folgas, sempre aos sábados e domingos, trabalha nos Cuidados Intensivos de um hospital privado para conseguir ter mais dinheiro ao fim do mês. Apesar disso, essa está longe de ser a pior angústia da sua vida. Nada se compara com os tempos em que o filho era pequeno, o marido, enfermeiro, também trabalhava por turnos e tinha de gerir os imprevistos do bloco operatório onde ainda hoje trabalha, no Hospital de São João, no Porto. “Tive momentos de verdadeira aflição. Uma cirurgia atrasava-se e eu nem sequer podia pegar no telefone. Não podia falhar com a pessoa que estávamos a operar, não podia abandonar a cirurgia e ao mesmo tempo não podia ligar a avisar que ia chegar atrasada ou a pedir a alguém para ir buscar o meu filho.”
Vilma Torres sabe bem o drama que é tentar compatibilizar a profissão de enfermeiro com a vida familiar, sobretudo desde que teve a primeira filha. Para fazer quatro noites seguidas no Instituto Português de Oncologia (IPO) – o que acontece quando junta às duas noites habituais mais duas para compensar uma colega que também a ajuda quando necessita de trocar folgas –, precisa de pôr a filha em viagens para trás e para a frente. Como não há família por perto e o marido também trabalha por turnos nos comboios internacionais, esta é a difícil logística desses dias: “O meu marido também vai estar fora, levou a miúda de comboio até Pombal, para ficar com a minha mãe. Amanhã o meu pai sai de comboio e trá-la para Vila Franca e ela volta a ficar com o meu marido. Depois, na terça-feira, o meu marido vai trabalhar e ela fica comigo.” Por esta razão, para Vilma, que trabalha há 15 anos no Serviço de Cirurgia do IPO, onde se dão as grandes batalhas para derrotar o cancro, os dias em que saem os novos horários de trabalho são sempre de nervos, regados com “um Omeprazol e um Xanax”. “Quem está de fora não imagina o que é ter uma filha de 4 anos que se senta ao nosso lado a copiar o nosso horário porque quer saber as noites em que a mãe vai estar em casa para lhe ler uma história.” Para receber 1 200 euros líquidos, precisa de estar fora de casa uma média de oito noites por mês. No seu caso, o trabalho extra vai para uma bolsa de horas – a serem gozadas não quando quer, mas quando o serviço puder dispensá-la. Segundo contas da Ordem dos Enfermeiros, o SNS terminou 2018 com mais de dois milhões de horas em dívida aos enfermeiros.
Como umas vezes trabalha de dia, outras de noite, outras ainda faz dois turnos de uma assentada, Vilma já perdeu a conta às alturas em que fez tantas noites seguidas que quando finalmente teve uma livre não conseguiu dormir. Tomou consciência dos efeitos destes horários loucos quando precisou de fazer tratamentos para engravidar: “Todos os médicos me diziam que, continuando a ser enfermeira, nunca mais ia conseguir.”
No IPO, as greves nunca podem durar mais do que umas horas. “Para algumas pessoas esperar mais 15 dias por uma operação significaria morrer. Seria desumano fechar camas ou mandar doentes para trás.” Apesar disso, apoia a 100% a greve cirúrgica nos blocos operatórios dos cinco hospitais centrais. Afinal, a sua história exemplifica bem parte das razões da luta movida pelos enfermeiros. Trabalha há 15 anos, não foi aumentada nem um cêntimo. Pelo contrário, até perdeu dinheiro. Quando começou a trabalhar, foi-lhe dado uma espécie de suplemento que fazia o seu salário subir para os 1 345 euros (brutos). Como “na altura ninguém queria trabalhar no IPO, porque era um sítio muito duro”, para captar profissionais o instituto dava esse incentivo. No seu caso, a benesse acabaria por desaparecer quando os enfermeiros passaram a trabalhar 35 horas semanais no SNS, em vez das habituais 40. Vilma saiu prejudicada: ou escolhia fazer as 35 horas e perder cerca de 150 euros de salário – como fez – ou mantinha as 40 horas mas passava a receber menos por hora do que qualquer enfermeiro que entrasse hoje ao serviço. “Não sei se tomei a decisão certa, na verdade não sei de qual das situações tenho mais vergonha. Ainda para mais, nunca fiz só 140 horas mensais, ainda em agosto fiz 200.”
Se a progressão na carreira não estivesse congelada, o seu salário seria hoje de 1 603 euros brutos. Em vez disso, recebe o mesmo do que as alunas que formou. Vive em revolta, dividida entre a vontade de mudar de vida e o medo de dizer adeus a um trabalho que adora – “A única vez que faltei foi quando estive de baixa pela gravidez e chorei este mundo e o outro” –, e amargurada pela falta de compreensão da opinião pública, desde que um grupo de cinco enfermeiros pôs em marcha a greve cirúrgica, causando o adiamento de mais de dez de mil cirurgias não urgentes. “Quando me dizem ‘Ah, os enfermeiros também querem tudo’, eu pergunto: ‘Sabe quantas pessoas eu já vi morrer? Mais de 300, ainda na noite de Natal me morreu um doente. E sabe quantas vezes tenho de interromper o meu trabalho para ir acudir outro paciente porque um colega mais novo pede ajuda?’ No outro dia, até um médico me pediu auxílio porque não estava a conseguir picar uma artéria. E se digo que ganho menos do que há 14 anos, ninguém acredita.”
Uma classe descontente e exausta
Todos conhecem casos de enfermeiros que fazem duplo turno. Que acumulam 40 horas no privado e 35 no público. Que “não têm vida”, que “não dormem”. Um que “parece um cadáver”, uma que vagueia como “um zombie” desde que começou a estudar uma especialidade. Muitos emigraram para Inglaterra ou para a Arábia Saudita, onde o salário ronda os 3 500 euros e cada turno de 12 horas vale 250 euros a mais na folha salarial. Outros abriram clínicas de estética porque assim conseguiam mais dinheiro e melhores horários. E outros ainda tiveram acidentes de serviço, ou entraram em burnout. Em 2016, um estudo da Universidade do Minho concluiu que, entre 2 302 profissionais do Serviço Nacional de Saúde inquiridos, um quinto apresentava sintomas de exaustão física e emocional e dois terços estavam num nível de stresse muito elevado. “Isto significa que estes enfermeiros vão cometer mais erros e que vai haver mais absentismo. A média nacional vai nos 13 por cento”, explica Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros.
“Se fizer esta pergunta a 100, 95 vão dizer que se sentem estoirados. Tenho hipertiroidismo e só descobri há pouco tempo. O médico perguntava-me: ‘Mas não se sente cansada?’ ‘Ó senhor doutor, eu sou enfermeira! Estou sempre cansada!’”, conta Estrela Moreira, a exercer funções no bloco operatório do Hospital de São João. Só em dezembro, a enfermeira de 50 anos passou a receber os 1 500 euros de salário que lhe eram devidos desde janeiro anterior: avançou um escalão para compensar os 27 anos de carreira.
A exaustão não pode ser medida apenas pela carga horária. “A desorganização, os imprevistos de horário, a escassez de recursos humanos, a falta de camas, não haver expectativas nem formação – tudo isso pesa. Tive uma colega que me dizia que os filhos implicavam com ela quando chegava a casa. Até o cão lhe rosnava. As instituições deviam querer pessoas felizes. Não podemos ter pessoas com problemas familiares ou de dinheiro a prestar cuidados a doentes altamente complexos”, opina Tiago Dias, enfermeiro no INEM.
Aos 37 anos, Tiago é dos poucos que têm um contrato de trabalho em funções públicas. Além dos 1 200 euros de salário base, recebe um subsídio de 200 euros por exercer funções de chefia, mais horas de qualidade e trabalho extraordinário. Claro que tudo isto lhe sai do corpo. Nas ambulâncias de suporte imediato de vida onde trabalha, nunca há horários de saída nem para refeições: “Faço horas a mais porque se não as fizer há uma pessoa que não vai ter socorro. Estamos lá sozinhos, a lidar com traumatologias, doenças súbitas, falências cardiorrespiratórias. O sentido de responsabilidade é muito grande.”
Andreia Gilde começou por trabalhar de graça, em 2007. Ofereceu-se a uma clínica porque “tinha medo de perder a mão”. Hoje, aos 34, trabalha na Unidade de Saúde Familiar (USF) Porto Douro, que tem autonomia operacional e técnica, o que faz com que ao seu salário base possam juntar-se eventuais prémios de desempenho. Por esta razão, e por os horários serem mais certos, muitos tentam transitar para os cuidados de saúde primários, onde nos últimos anos se investiu para tentar desocupar camas nos hospitais. “Tem-se mais incentivos. Mas para conseguirmos prémios por objetivos, temos de atingir um mar de indicadores e trabalhar mais.” Isso significa que depois dos turnos é preciso, por exemplo, pegar no telefone e ligar para todos os utentes que têm a vacina do tétano em falta. “Assim como num mês temos um prémio, no outro podemos não ter, porque são objetivos muito exigentes.”
Filhos por turnos
A falta de tempo para a família é uma das principais razões de stresse dos enfermeiros. Margarida Cardoso, 37 anos, enfermeira na Consulta Externa e de Nefrologia do Hospital de Santo António, não se esquece daquilo de que abdicou. Com um marido na mesma profissão, sente que durante algum tempo os seus três filhos “foram filhos dos turnos”. Hoje, só o marido os faz: “Torna-se muito difícil gerir a vida familiar quando não se tem Natal, passagem de ano ou a festinha da escola porque o pai está a trabalhar. As crianças sentem.” A cada sete horas diárias de trabalho, atende entre 40 a 50 utentes. Ao fim do mês, tem na conta cerca de mil euros. Já se sentiu exausta, sobretudo em situações extremas de falta de profissionais, quando ficou sozinha a assegurar dois ou três postos de trabalho. Ou quando tinha dificuldade em chegar a horas de ir buscar os filhos porque ao mesmo tempo não podia abandonar os seus doentes. “Apeteceu-me desistir e dizer ‘não aguento mais.”
Sobre o excesso de horas de trabalho, outra das principais razões apontadas para o burnout, Sofia Rodrigues pode falar. Começou a trabalhar em 2007 no Hospital de São João, onde hoje é enfermeira nos Cuidados Intermédios das Urgências. Já fez 18 horas por dia mais do que uma vez por semana. Na verdade, chegou a fazer 60 horas semanais. “No meu hospital, acumular turnos não é sinónimo de mais dinheiro e não é opcional. Temos muitas vezes de fazer mais horas mediante necessidades do serviço.” Na sua unidade, existe um máximo de três doentes por enfermeiro. Mas há circunstâncias que pesam mais do que o trabalho físico. “É o viver diariamente com o drama daquelas pessoas, o sofrimento, a morte. Passo os dias a colocar-me no lugar do outro.”
Portugal tem um problema “grave” de número de enfermeiros contratados, um dos piores rácios dos países da OCDE: 4,3 por mil habitantes (contando só com os do SNS). “Todos os anos, mais de mil emigram. Os que estão cá cumprem 50, 60 horas por semana, porque contam como dois elementos. O horário extraordinário não devia servir para fazer face a carências permanentes”, lembra Ana Rita Cavaco. Ainda por cima, realça a bastonária, “estudos internacionais mostram que por cada doente a mais que um enfermeiro tem, a taxa de mortalidade sobe 7%. Na área social, onde temos casos de um enfermeiro para 40 utentes, não temos cuidados continuados, mas um depósito de pessoas”.
Vasco Ribeiro também pode passar dias a contar como é isso de fazer horas em excesso. Afinal, chegou a fazer 100 por semana, quase o triplo das legalmente exigidas. Fê-lo no setor privado, onde exerceu durante a maior parte da sua carreira. Ao longo de dois anos trabalhou 16 horas por dia, entre dois hospitais do Grupo Luz Saúde. Antes disso, chegou a acumular quatro empregos: um a contrato, os outros três em part-time. Tem consciência de que, ao contrário de alguns colegas do SNS, o fez por opção. Só a este ritmo louco conseguia levar para casa 2 500 euros líquidos mensais. Na altura, apenas a idade e o estado civil, “a vontade de ter mais experiências” e uma “incrível capacidade para trabalhar muito e dormir pouco” podem explicar que nunca tenha colapsado. “Cheguei a dormir uma hora em casa e a voltar ao trabalho. Sabia que não conseguiria manter esse ritmo para sempre.”
Depois de ser pai, decidiu abrandar. Desde novembro trabalha apenas numa clínica em Carcavelos e faz alguns domicílios. Sobre a ideia de que no privado se ganha mais e se trabalha menos, diz que é mera ilusão. “O doente é muito mais exigente. E como os grupos privados têm objetivos a nível de faturação, passo muito tempo a tratar de procedimentos administrativos. Tenho colegas que fugiram para o público porque se cansaram destas dinâmicas de serviço. E sei de momentos no privado em que há um enfermeiro para dez doentes, algo que para mim já não é normal.”
No SNS, uma das principais razões de queixa é precisamente o trabalho com os mínimos recursos humanos. Até porque isso não traz só problemas naquele turno, mas também no seguinte. Se alguém faltar, um dos enfermeiros tem de assegurar essas horas. “Em muitos serviços, um enfermeiro só consegue ter duas folgas seguidas se fizer trocas. Se entrar às oito da noite e sair às oito da manhã de sábado, e no domingo à tarde estiver a trabalhar, acabo por perder uma noite de sono. Já volto ao serviço cansada. E se um colega do turno seguinte faltar, vamos a sorteio, porque alguém tem de ficar, mesmo que tenha um plano ou uma viagem marcada”, resume Rosarinho Guimarães de Melo, que só depois do protesto dos especialistas conseguiu compensar o seu investimento na especialidade com um subsídio agridoce: 150 euros mensais brutos. Faz frente a todas estas dores trabalhando “na área da felicidade”, a materno-fetal: “Só por isso ainda não atirei a toalha ao chão.”
Falta de reconhecimento e de progressão na carreira, salários baixos, ausência de compensações para os enfermeiros especialistas, precariedade. São estas algumas das principais reivindicações dos enfermeiros em Portugal. E foram elas que fizeram nascer no Facebook um movimento, depois de um profissional sugerir que, se a classe quisesse ser ouvida, devia haver greve nos blocos operatórios, porque isso iria fazer mossa às administrações dos hospitais centrais. Do Facebook, o movimento saltou para um grupo de WhatsApp: uma hora depois, já eram mais de 200. Cinco deles puseram então em movimento a greve cirúrgica e a criação de um fundo solidário que permitiu que muitos pudessem não ir trabalhar sem prejudicar o seu rendimento. Conseguiram 360 mil euros. No próximo dia 14, começa a nova ronda de greves nos blocos operatórios (por 45 dias). No dia 11, há reunião entre os sindicatos e o Governo. Mas estes profissionais prometem não ceder até que algumas das suas reivindicações sejam atendidas. “Pelo menos, três: que os contratos individuais de trabalho sejam equiparados aos da Função Pública, que seja feito o descongelamento da carreira e que o subsídio de 150 euros chegue a todos os especialistas”, resume Catarina Barbosa, uma das organizadoras do movimento.
Da precariedade às agressões
Precariedade é uma palavra que Ana Teresa Monteiro, 25 anos, conhece de cor. Precisou de sair de Portugal para encontrar um primeiro trabalho e desde que voltou não conseguiu mais do que um contrato de substituição num lar e umas horas a recibos verdes, nos Cuidados Continuados de um hospital em Valongo (São Martinho), com gestão privada. Recebe cerca de cinco euros por hora, a recibos verdes, “trabalhe eu 12 horas durante o dia ou 12 horas à noite, é igual. Num bom mês, levo para casa 700 euros.”
Aos 31, Daniela Silva não pode dizer que tem um mau currículo: passou por urgências, internamentos, centros de saúde, IPSS. Não pelas melhores razões. “À exceção deste, todos os meus outros contratos variaram entre três e 12 meses. Substituições atrás de substituições ou a recibos verdes. Tive situações em que ganhava o ordenado mínimo e estava a 300 quilómetros de casa.” A trabalhar no Serviço de Urgências do Hospital de Santo António, no Porto, pela primeira vez tem um trabalho que não é precário. Mas, feitas as contas, recebe cerca de seis euros por hora de trabalho, “quer seja dia quer seja noite, sábado, domingo ou feriado”. Ou mesmo Natal. Faz turnos de 12 horas em que por vezes só consegue sentar-se para comer. Já foi agredida fisicamente e todos os dias é agredida verbalmente. Afinal, nas urgências, há sempre pessoas impacientes. Já viu uma colega a ter de se desviar de um banco que surgiu no ar, e outra a levar um murro de uma doente só porque mudou uma cadeira de lugar: “Não é fácil ser ameaçada de morte quando se tenta explicar ao utente que não deve recorrer de imediato ao Serviço de Urgência só porque teve um vómito.”
Além disso, tem de saber lidar com a frustração do material que falha no serviço. Porque falta sempre qualquer coisa: “Se considerarmos que não ter uma simples almofada para um utente quando ele está desconfortável, não ter uma maca para deitar quem está mais debilitado porque o serviço está lotado ou não ter uma cama para quem já está em maca há mais de 24 horas é não ter o essencial para tratar bem uma vida, posso dizer que todos os dias há alguém que não é tratado com a dignidade que merece.”
Carlos Leão está há quatro anos na Urgência Médico-Cirúrgica do Hospital de Penafiel e concorda: “Não acredito que haja um enfermeiro num serviço de urgências que não pense todos os dias que devia ter dado mais e melhor.” No seu pior turno de sempre, viu-se sozinho a ter de dividir 200 utentes com apenas mais seis enfermeiros. “Não são 200 gripes, muitos estão em estado crítico.” O hospital onde trabalha serve uma área de 520 mil habitantes, cerca de 5% da população portuguesa. Mas como não é um hospital central, tem piores rácios enfermeiro/doente.
E no final, quem é que sofre com estes rácios inseguros? Os enfermeiros, sim, mas também os doentes. “O que mais me entristece é que muitas pessoas pensem que os utentes são prejudicados por nós, por causa da greve. Não são, porque estamos a lutar para que tenham condições dignas”, diz Margarida Cardoso. Para a enfermeira do Hospital de Santo António, “Ser prejudicado é esperar anos a fio por uma cirurgia, entrar numa sala operatória sem que esteja devidamente limpa, não ficar internado o tempo de que precisa, não ter uma cama para se deitar, ou ter de ficar deitado numa maca, num corredor, dias seguidos.”
Numa coisa todos concordam: a única forma de aguentarem a pressão da profissão é com as recompensas que trazem todos os dias. Tiago, habituado a ser um anónimo nas ambulâncias, não esquece como salvou uma criança alemã de um afogamento e como ela o procurou quando voltou a Portugal. Daniela lembra-se até hoje de como, ainda estudante, ajudou um doente que lhe confessou que “só conseguia urinar de pé e ‘agora’ sem pernas como iria ele conseguir fazê-lo?!” E Sofia, nos seus 12 anos de profissão, aprendeu a subvalorizar os seus pequenos problemas. “Aprendi a ser assim com os meus doentes, que me confidenciaram numa fase terminal que se arrependiam de ter passado tanto tempo a trabalhar, das pessoas queridas com as quais não se reconciliaram por orgulho e da atenção que não deram aos filhos.”