Invocou a bíblia, o código penal de 1886 e até sociedades que punem o adultério com pena de morte – tudo para considerar que a violência física sofrida por aquela mulher de Felgueiras era mais do que compreensível. As palavras foram proferidas por um juiz, Joaquim Neto de Moura, que assim procurava atenuar a gravidade das agressões que lhe tinham sido desferidas pelo marido e pelo amante.
Em comunicado, o Conselho Superior da Magistratura assinala que a censura disciplinar em função do que se escreve na fundamentação de uma sentença ou de um acórdão apenas acontece em casos excecionais. Para depois concluir que, que no caso daquela sentença, as expressões em causa eram desnecessárias.
Em causa está um acórdão da Relação do Porto, de outubro de 2017, no qual o juiz relator, não se conteve na censura moral a uma mulher vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.
“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, lê-se na decisão do tribunal superior.
E decretava uma pena suspena aos autores do crime. A polémica, claro, não demorou: a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, foram unanimes a manifestarem-se contra a fundamentação do Tribunal da Relação do Porto.
Foi também feita uma petição, que foi assinada por mais de cinco mil pessoas, a pedir uma tomada de posição do Provedor de Justiça e do Conselho Superior de Magistratura que recusou arquivar o caso, como chegou a ser sugerido.
Sem se referir diretamente ao caso, logo na altura também o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sublinhara que em Portugal vigora a Constituição de 1976, que já revogara a classificação de crime ao adultério.