Não vai acreditar no que Obama diz neste vídeo.” Foi com esta frase bombástica que o portal de notícias e de entretenimento americano BuzzFeed apresentou uma comunicação de Barack Obama, em abril deste ano. O ex-Presidente dos EUA alertava para o facto de “estarmos a entrar numa era em que os nossos inimigos podem pôr qualquer pessoa a dizer o que eles quiserem”. Ao fim de pouco mais de 30 segundos, é-nos revelado que o discurso que estamos a ouvir nunca foi proferido por Obama, apesar de os nossos olhos o verem a dizê-lo. A voz é a do ator e comediante americano Jordan Peele que pretende, precisamente, alertar para os perigos de se acreditar em tudo o que se vê. A tecnologia utilizada é a da aplicação FakeApp, mais conhecida por colocar o rosto de celebridades no corpo de atores de filmes pornográficos…
Nelson Zagalo, investigador especialista em multimédia, sublinha que a tecnologia de manipulação de vídeo não chegou, para já, ao nível da fotográfica: “Ainda é fácil compreender que houve intrusão porque se notam, por exemplo, alterações de velocidade no movimento. Por vezes, o corpo move-se e a cara não”, exemplifica. No entanto, “tal não significa que não possa enganar. As pessoas podem pensar que os defeitos são do próprio vídeo e não resultado da manipulação”.
O perigo é real. Nos próximos cinco anos, a tecnologia será aperfeiçoada e ficará acessível a quem não tenha conhecimentos técnicos. Estão a ser desenvolvidos algoritmos capazes de mapear expressões faciais e de imitar vozes. Em breve, será fácil pôr a cabeça de um ex-namorado ou do chefe num qualquer vídeo pornográfico. Os vídeos falsos poderão tornar-se, assim, terreno fértil para chantagem. E que danos poderá provocar o vídeo falso de um político a incitar à rebelião?
Ao especialista em cibersegurança Jorge Alcobia preocupa-o também a utilização de vídeos falsos para incentivar comportamentos que as pessoas habitualmente não teriam. “Na prática, ninguém é forçado a votar em quem não quer, mas podem ser divulgados vídeos falsos que manipulam os eleitores nesse sentido.” O potencial ao nível da manipulação dos padrões de consumo ou de investimento também é tremendo. Basta, por exemplo, o vídeo falso de um CEO a anunciar a sua demissão para desvalorizar as ações da empresa atacada. “Até se clarificar se é verdade ou não, pode haver muitos danos.” Estaremos perto do colapso da realidade?
O poder do jornalismo
“A imagem falsa não é nova. A mudança civilizacional é ela ser operada por um computador, o que dá uma certa invisibilidade ao processo”, contextualiza o professor e investigador da Universidade Nova de Lisboa Paulo Nuno Vicente.
“Há uma hiperbolização da incerteza.”
Jorge Alcobia, também CEO da Multicert, empresa especialista em certificação digital, aconselha os internautas a verificarem sempre a origem dos vídeos, avaliando a credibilidade da fonte, até porque muitos dos vídeos falsos contaminam os equipamentos com softwares nocivos. Quanto mais espetaculares, maior é a probabilidade de serem falsos. E quanto mais próximos das nossas crenças, mais facilmente os consideramos credíveis. Contudo, o controlo da partilha implica cautelas. “O problema é a fronteira entre o que é feito para atingir alguém ou uma comunidade e o que é humor ou criatividade”, defende o docente da Universidade de Aveiro Nelson Zagalo. “Poderemos estar a abrir a porta à censura”, alerta. Já Paulo Nuno Vicente lembra que a capacidade crítica dos cidadãos será fundamental.
O coordenador do iNova Media Lab antevê a sensibilização das crianças para esta mediação invisível ainda no Ensino Básico. Até porque os mais novos serão especialmente vulneráveis a este tipo de conteúdos. “Ou programamos ou somos programados.”
O mecanismo de colocar tudo e todos sob suspeita também terá consequências perversas. Veja-se a facilidade com que o Presidente Donald Trump desqualifica tudo o que o incomoda, apontando como falso… Quem poderá ser o árbitro deste jogo com a realidade? Nelson Zagalo confia que o jornalismo fará a diferença. “Precisamos que os jornalistas façam esse trabalho por nós, não pode ser o cidadão comum a fazê-lo mas, curiosamente, estamos pouco disponíveis para pagar por isso”, lamenta. Também Paulo Nuno Vicente defende que os jornalistas são fundamentais para denunciar os vídeos falsos, mas só serão capazes de o fazer se falarem a linguagem dos programadores: “Os média precisam cada vez mais de ferramentas de fact-checking computacional que através de software identifiquem se um vídeo é falso.”
Já no ano passado a Universidade de Washington tinha apresentado um vídeo falso de Barack Obama feito com recurso a mais de 14 horas de gravações do ex-Presidente, que permitiram mimetizar a sua boca com a ajuda da Inteligência Artificial. Os investigadores não pretendiam dar azo a usos indevidos, antes contribuir para a criação de realidades alternativas, essenciais no desenvolvimento da realidade virtual e da indústria cinematográfica. Mas previram de imediato a necessidade de desenvolver tecnologia capaz de identificar vídeos falsos. Os mecanismos digitais de defesa devem passar por ferramentas semelhantes ao software antiplágio utilizado nas universidades: dirão se existe outro vídeo igual e qual a probabilidade de os protagonistas serem reais. No futuro, os programas de deteção de vídeos falsos poderão ser tão comuns quanto os antivírus são hoje. Contudo, ver para crer já não será suficiente.
Como se proteger
O especialista em cibersegurança Jorge Alcobia deixa alguns conselhos para evitar a utilização maliciosa da sua imagem
Passwords – Surpreendentemente, um terço dos utilizadores de internet continua a criar palavras-passe tão básicas como “123456”. O ideal é, mais do que palavras, usar frases inteiras para proteger as suas contas nas redes. Escolher um ano e um destino de férias, por exemplo, pode ser um bom truque: “Em 2018 fui de férias ao Algarve” (sem espaços). É uma palavra-passe longa (quanto mais longa, mais segura), também tem números, é difícil de ser esquecida e, claro, mais complicada de ser descoberta
Apps – A maior parte das aplicações móveis pergunta aos utilizadores se permitem aceder às suas fotografias e vídeos. O melhor é nunca dar autorização – a menos que esta seja fundamental para a aplicação funcionar (como acontece, por exemplo, numa app de edição de vídeo). Também deve recusar a deteção da sua localização. Muitos vídeos pessoais são roubados através de aplicações de jogos que solicitam o acesso às fotos e vídeos, apesar de não precisarem dele para funcionar normalmente
Limpeza -Todos os telefones têm uma função nas definições que permite limpar o histórico de navegação. É importante fazê-lo diariamente. Basta pensar que, se aceder à rede de wi-fi de um hotel ou café, essa ligação fica aberta para sempre; se se cruzar com uma rede com o mesmo nome, o telefone vai ligar-se a ela, correndo o risco de não ser uma ligação segura e de alguém mal-intencionado ficar com acesso ao seu tráfego. Nos iPhones, basta ir a Definições/Safari/Limpeza de Histórico. Nos outros modelos, o sistema é semelhante