Aquela aterragem no Aeroporto da Portela, já à noite, depois de um voo tranquilo de duas horas e meia, vindo da capital inglesa, tem um simbolismo especial. Para a equipa do programa Taste Portugal, trata-se do ponto final de seis meses de périplo por cinco países, a visitar os restaurantes portugueses que lá existem. Acabou a primeira fase, mas a segunda já está na calha, agendada para depois do verão e em mais meia dezena de cidades, da China aos Estados Unidos da América.
Este projeto nasceu há um ano e meio, quando a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) se candidatou ao Compete 2020 e ganhou dois milhões de euros para certificar restaurantes nos maiores mercados emissores de turistas, para que eles possam transformar-se em embaixadores do País e, mais especificamente, da gastronomia nacional.
Nas visitas, levam na mala produtos portugueses, organizam feiras para os mostrar, e os restaurantes aderentes também participam com demonstrações ao vivo da vasta culinária portuguesa. Depois, fazem auditorias, controlam tudo com uma checklist e acabam à mesa, claro, a comer, garantindo que as ementas são de facto portuguesas, os empregados falam bem a língua e conhecem a nossa cultura. Nesta primeira fase, assumem, o grau de exigência foi menor, para que a rede ganhasse lastro.
À primeira vista, Leandro Carreira, 39 anos, chefe do Londrino, que abriu há sete meses na capital inglesa, não preencheria os requisitos para entrar no Taste Portugal, apesar de viver há vários anos fora do País, sempre a trabalhar em cozinhas. “Não queremos ser um restaurante tipicamente português e os nossos produtos, à exceção do porco Bísaro, do azeite e de alguns queijos, não vêm de Portugal.” Acrescenta que a sua ideia é dar aos ingleses alguns sabores nacionais misturados com os produtos do Reino Unido. Talvez se refira, por exemplo, ao bolo do caco com anchovas, pimentos e azedas que serviu no jantar na Embaixada de Portugal, por ocasião da entrega de certificados aos donos dos restaurantes que, como ele, aderiram a esta nova rede de embaixadores informais.
Dar a provar
Afinal, quais as vantagens de obter essa placa distintiva, sem qualquer custo adicional? Susana Leitão, coordenadora do programa Taste Portugal, explica: “Passam a fazer parte de uma plataforma online. Tentaremos ajudá-los a resolver os seus problemas e facilitar o acesso aos produtos. Além disso, são convidados para as nossas ações de formação e podem receber os estagiários das escolas de turismo, porque estabelecemos essa parceria.” O chefe Vítor Sobral é o rosto do setor que dá visibilidade a esta iniciativa.
O embaixador Manuel Lobo Antunes, 59 anos, a representar o País no Reino Unido, conhece alguns dos restaurantes portugueses da cidade onde vive, porque já lá foi experimentar a ementa para matar saudades da nossa gastronomia. “Existe uma certa diversidade de escolha, do conceptual ao tradicional, que agrada a públicos muito diferentes”, diz, satisfeito por ter à disposição muita variedade quando decide ir jantar fora.
Sabemos que, apesar do arrojo do chefe Leandro, aprecia bastante o sofisticado Londrino. Muito diferente do descontraído Caco & Co., que Jorge de Jesus, 40 anos, abriu há cinco meses numa zona de escritórios, especializado essencialmente em bolo do caco (há um ano, inaugurou o primeiro em Askew Road). A chefe Antonieta está quase a reformar-se, mas por enquanto é ela quem faz a massa com cinco ingredientes – uma receita da família Jesus – e finaliza os pães madeirenses na chapa quente, à vista de todos. Depois, acrescentam-se-lhes recheios que variam entre caranguejo de casca mole, bife de vaca e hambúrguer. Jorge, que nasceu na África do Sul, mas já viveu na Madeira, em França e, nos últimos anos, em Londres, explica aos ingleses que um prego em bolo do caco não é mais do que uma “sandwich gourmet made with fresh cow”. Eles apreciam e voltam para experimentar outra coisa.
Na lista também há pica-pau, presunto, queijo de Azeitão e bolinhos de bacalhau. E pastéis de nata, claro, que chegam congelados e são cozidos no restaurante – vendem-se cerca de 150 por dia. “Em alguns casos, como a ginjinha de Óbidos em copo de chocolate, temos de oferecer, para provarem, e fazer trabalho de divulgação. Daí a importância de a equipa ser portuguesa”, afirma Jorge de Jesus.
Entrar no Grelha D’Ouro, de José Rodrigues, situado em Stockwell, onde se encontra a maior parte da comunidade portuguesa, é viajar até casa. A televisão está sintonizada na SIC Notícias, os empregados são todos portugueses e, na esplanada do café que também é da família Rodrigues, bebe-se galão. Não fossem as casas em tijolo do outro lado da rua e os carros que nos aparecem do sentido contrário, esqueceríamos depressa que estamos em Londres. Até porque, nas mesas, há azeitonas e queijo fresco para um feliz arranque de qualquer conversa. José conta-nos que é de Celorico de Basto, mas que se mudou para a capital inglesa há 16 anos, trazendo os sabores nacionais na mala. A ementa do Grelha D’Ouro, de que é proprietário há dois anos, enche-se de sugestões como feijoada à transmontana, caldo-verde, fritada mista de peixe, porco-preto e bacalhau. Mas também são famosas as travessas de marisco. “Curiosamente, o peixe e o marisco são muito mais baratos do que em Portugal”, garante José Rodrigues, de 49 anos, enquanto se serve de mais uma dose de amêijoas à Bulhão Pato – um irrepreensível “voo” direto para Portugal.
Números
98 – Número de restaurantes atualmente inscritos no programa Taste Portugal
102 – Número de estabelecimentos que se candidataram à primeira fase do programa
523 – Quantidade de restaurantes portugueses oficialmente encontrados em Espanha, França, Alemanha, Inglaterra e Brasil
€2 milhões – O montante do programa Compete 2020 para estabelecer esta rede de restaurantes portugueses no mundo