“O que é que se está aqui a passar?”, pergunta Salvador Martinha virado para a câmara, debaixo de um guarda-chuva, já pronto para responder: “Nós não temos conteúdo.” Está na Costa Rica com César Mourão, Rui Unas e Frederico Pombares, e vemos as suas aventuras filmadas a preto e branco. “O próprio conteúdo é não haver conteúdo”, explica um hesitante César Mourão.
Esta road trip à Costa Rica surgiu a 25 de fevereiro no canal de YouTube, com o título Génesis, Parte I (o segundo take apareceria 19 dias depois). O “conteúdo sem conteúdo” tem a intenção de mostrar as dificuldades de se formar um grupo de humor (os quatro garantem que não foram lá só para “curtir”). Em dois documentários (a nomenclatura é deles), assistimos às discussões entre os humoristas e aos muitos mergulhos no mar, em modo reality show. Ficção ou realidade, isso só aos quatro diz respeito. “É o que é. Não vamos explicar nunca se aquilo aconteceu”, jura César Mourão.
Felizmente, há muito mais que se pode contar acerca do Cavalinho da Chuva (da expressão “tirar o cavalinho da chuva”), o nome de batismo deste recém-criado grupo de produtores de conteúdos. Não é de agora que a ideia foi congeminada por estes humoristas. Aliás, ela tornou-se evidente, ainda que em forma de teaser, quando criaram a página no Instagram, em setembro. Foi então que começaram a aparecer algumas publicações enigmáticas, a preto e branco, com a assinatura destes quatro amigos, com idades compreendidas entre os 35 e os 44 anos, de características tão diferentes e públicos distintos.
Desde o início da congeminação que tudo foi pensado para dizer adeus ao pequeno ecrã, com o objetivo de ser 100% digital. Dos quatro, Rui Unas era o que tinha essa vertente mais apurada, notava-se bem nas redes. “A televisão limita, porque formata, e tínhamos de estar à espera de aprovações da direção de programas. Na internet, a liberdade é total, fazemos a nossa própria grelha – é isso que ela tem de extraordinário para criativos, especialmente da nossa área”, justifica-se o mais velho, sapiente, fazendo de porta-voz por uns instantes, sem que ninguém o interrompa.
Hoje, meses depois deste projeto de índole nativa digital, que cria situações de humor para ver na palma da mão, todos dominam o registo. Aliás, diga-se que, uns mais do que outros, não largaram o telemóvel durante a nossa entrevista.
“Estamos casados uns com os outros”
Por enquanto, não estão nisto para ganhar dinheiro, o retorno é trabalharem juntos, pensarem fora da caixa, encontrarem-se mais vezes, apesar das carreiras individuais e das agendas sobrecarregadas (ver caixas). Sem se esquecerem de que estão a criar um compromisso com quem já os segue (mais de 28 mil no Instagram e 15 mil no canal do YouTube). Se, entretanto, vier alguma compensação financeira, ficarão satisfeitos e nessa altura poderão sonhar com projetos de maior arrojo, especialmente a nível técnico. Ideias não faltam, e estão todas escrevinhadas no quadro da sala que por agora lhes serve de escritório, no Palácio Flor das Murtas, em Paço de Arcos.
O objetivo imediato é, por isso, criar audiência, para depois, por arrasto, virem os anunciantes. Sem pressa, até porque não têm um final agendado para esta história. “Estamos casados uns com os outros. E, em princípio, quando se casa é para sempre”, assume Frederico Pombares. Será assim, até que o desamor os separe.
Daqui para a frente, só sabem o que não querem ser – um grupo de humoristas que faz sketches, ao jeito dos Gato Fedorento, só para chamar aqui o último quarteto que deu brado. Podem, isso sim, criar conteúdos em que entre só um deles, ou um par, ou um trio, ou até mesmo nenhum. Nesse caso, o guião será interpretado por outros atores que admirem. “O nosso objetivo será sempre a originalidade. Tentaremos fazer coisas que nunca foram executadas antes”, especifica Pombares. Neste momento, os seguidores do Instagram podem continuar a divertir-se com o que eles lá publicam, numa base diária, quer seja em post quer nas histórias. Por exemplo, agora está em “cena” a série Ângulo Morto, um conjunto de vídeos que cada um dos quatro edita, à vez, apenas com um telemóvel, de forma quase instantânea, e põe online, sem filtros.
Quanto ao YouTube, estão a delinear o regresso da presença do grupo no canal, depois da road trip à Costa Rica. Por enquanto, não se comprometem além de um “brevemente”. O próximo conteúdo a aparecer será um trailer promocional de um programa que querem fazer e que precisará da ajuda dos seguidores, que terão de se inscrever, caso estejam interessados em prestar esse auxílio.
Enquanto vai e não vai, encontram-se em processo diário de escrita e gravações, porque a presença nesta plataforma online exige maior rigor técnico. O que publicam no YouTube, pode ir diretamente para um canal de TV ou para um serviço de streaming – é o que garantem. De resto, “o Cavalinho da Chuva continuará a ser o almoço que ainda não acabou”, sintetiza Salvador Martinha, com graça.
Generation Gap
“Se tivermos coragem, este grupo, daqui a 15 anos, poderá vir a ser maior do que cada um de nós individualmente”, ambiciona César Mourão, apostando que a diferença de idades e estilos entre eles será bastante enriquecedora para o projeto.
Salvador sente-se bem no papel do mais novo, daquele que puxa pelos outros, mostrando-lhes novas tendências humorísticas, especialmente as que aparecem nas redes sociais. Mas Unas, o mais velho, sente-se desfasado das piadas que miúdos de 20 anos fazem, por exemplo, com saídas à noite (“é que eu já não saio à noite”). A conversa aquece entre os dois, mas sempre num tom saudável das discussões frutíferas. É assim o dia a dia deste aglomerado de quatro (ou sete, se contarmos com a miniequipa de produção) – tudo se vota, tudo se discute.
Os outros, Mourão e Pombares, mantêm-se mais à margem do tema, mas tendem para o lado conservador, quando pensam nas novidades do mercado. No entanto, e apesar dos cabelos brancos, todos estão empenhados em não deixar envelhecer o humor que fazem, sozinhos ou em conjunto – o Cavalinho é a prova mais forte disso mesmo. Pelo meio de tiradas filosóficas acerca do inevitável avançar da vida e da profissão, não se esquece a vénia ao mestre Herman José, que, na opinião do grupo, é transversal a todas as gerações, apesar de ter referências que já não dizem nada aos miúdos.
Mal se desligou o gravador, já bem perto da hora do almoço, apareceu o tema restaurante – com ou sem votação, teriam de decidir rapidamente em que mesa continuariam a dar gás ao grupo humorístico. Sim, porque percebeu-se que não vão tirar o cavalinho da chuva tão cedo, apesar de naquele dia a água ter caído em abundância para a época primaveril.