Pode um autor compor uma música igual a outra sem o saber? Sim, segundo o maestro Élio Leal, mas a resposta à pergunta não é assim tão simples. “Depende, muito, muito, muito da música de que estamos a falar”, diz.
“Neste caso” – a música de Diogo Piçarra que venceu a segunda meia-final do Festival da Canção – “a linha melódica e harmonia são simples e intuitivas, como aconteceu com a música do ano passado [interpretada por Salvador Sobral e composta pela irmã Luísa Sobral], por isso, há uma caminho natural que pode ser idêntico”, explica o maestro.
E, por ser assim, não “se coloca a questão de plágio”, porque plagiar é um “ato consciente”. Em termos musicais “é possível criar algo idêntico”, já que a “música tem sempre um caminho e, às vezes, esse caminho é demasiado óbvio”.
Para Élio Leal, também professor no Conservatório de Música da Metropolitana, e Diretor Artístico da Orquestra Juvenil Metropolitana, estas questões “são muito delicadas” e exemplifica com a sua própria experiência: “quando estou a estudar músicas com 100 ou 200 anos encontro linhas melódicas iguais”.
Fernando Fontes, professor na Escola Superior de Música de Lisboa, concorda que “não deixa de ser possível escrever uma música igual” a outra que já existia.
Falando em abstrato, já que não ouviu as músicas em causa, “pode haver pequenas coincidências porque ninguém conhece as músicas todas”, mas “há casos que não são de dúvida razoável”. Se for “de uma clareza tal não é possível dizer que não é plágio”, como foi, lembra, o caso de uma música do grupo Dama que foi plagiada por um cantor holandês.
No entanto, clarifica, “não se pode chamar plágio se o cantor desconhecia o original”. O que qualquer autor deverá fazer numa situação destas “é reconhecer que a música já existia e retirá-la como sendo originalmente sua”. Pode pedir “autorização” ao compositor original para a usar, o que, no caso em concreto, invalidaria a participação de Diogo Piçarra no Festival da Canção. Segundo regulamento as músicas têm de ser originais.
A polémica surgiu logo depois da transmissão do festival, no domingo à noite, na RTP1.
Afinal, havia outras
Diogo Piçarra foi acusado de ter copiado a sua “Canção do Fim” de uma música religiosa cujo original data do início dos anos 1970, de Bob Cull, que se intitula “Open Our Eyes”, e que, mais tarde, teve uma segunda versão cantada pelo gupo religioso Maranatha Singers e, depois, a versão brasileira pela mão do, então, Pastor Walter McAlister, fundador da Igreja Cristã Nova Vida – e não da IURD. McAlister é hoje bispo desta igreja evangélica.
Oiça a música “Open Our Eyes” de Bob Cull
Aqui a versão dos Maranatha Singers (grupo que editou músicas religiosas sob a chancela da editora Maranatha! Music), de 1976
A versão brasileria do pastor Walter McAlister, de 1979, com o título “Abre os meus olhos”
E a “Canção do fim” de Diogo Piçarra