Nove em cada dez vítimas de violência doméstica não pedem ajuda ao sistema público de apoio, por desconhecimento, isolamento ou dificuldades no acesso aos serviços, disse à Lusa Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativas e Resposta (UMAR).
“O que os grandes estudos a nível nacional e internacional dizem é que nem 10% das vítimas chegam aos sistemas de apoio” por diversas razões”, adiantou a diretora da área da violência da UMAR, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, assinalado no sábado.
Apesar de “vivermos num sistema de muita informação”, muitas vezes o isolamento a que as vítimas estão votadas e em que os agressores as colocam, “impede que tenham acesso à informação”, explicou Elisabete Brasil.
Por outro lado, em termos geográficos, também ainda não há “respostas em todas as localidades, em todos os concelhos, que permitam um acesso fácil ao sistema de apoio”.
O silêncio das vítimas foi denunciado esta semana, em Bruxelas, pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), segundo o qual “a violência contra as mulheres é um problema muito maior do que as estatísticas mostram”.
De acordo com o EIGE, quase uma em cada duas mulheres (47%) que sofreu violência nunca disse a ninguém, “seja à polícia, serviços de saúde, um amigo, vizinho ou colega”.
Questionada sobre estes dados, Elisabete Brasil disse que é uma realidade que também se passa em Portugal, considerando que ainda há “um longo caminho a percorrer” para inverter este quadro.
“Temos a consciência de que muito do que foi feito é ainda pouco, que este é um longo caminho a percorrer, e que esta não é uma luta das vítimas de violência doméstica e não é uma questão das mulheres”, frisou.
É uma “questão de cidadania, de dignidade humana, de direitos humanos”, disse a responsável da UMAR
“Para mudar tudo isto, precisamos de todos e não seremos muitos”, defendeu.
Para Elisabete Brasil, “a participação, o interesse, a informação é uma tarefa” que diz respeito a todos e, como tal, “todos são convocados a participar”.
“É um apelo para que não nos esqueçamos das vítimas de violência doméstica, é um apelo à não-aceitação da violência, e de que cada um dos nós é necessário num mundo que acreditamos ser possível melhorar”, rematou.
Segundo dados recolhidos pelo Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, baseados nos crimes noticiados pela imprensa até 20 de novembro, 18 mulheres foram assassinadas e 23 foram vítimas de tentativa de homicídio.
Para alertar para esta realidade e assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, a UMAR realiza na sexta-feira, em Lisboa, um seminário sobre a Convenção de Istambul (convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica), ratificada por Portugal.
Esta iniciativa visa potenciar o conhecimento sobre a Convenção de Istambul e avaliar a sua aplicação em Portugal.
No sábado, a UMAR promove uma marcha contra a violência, que parte do Largo do Intendente às 16:00, disse Elisabete Brasil, adiantando que estas iniciativas se repetirão noutras capitais de distrito do país.
Dezoito mulheres assassinadas este ano, número mais baixo dos últimos 14
Dezoito mulheres foram assassinadas e 23 foram vítimas de tentativa de homicídio em 2017, ano que apresenta a taxa mais baixa de incidência dos últimos 14 anos registada pelo Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA), segundo dados avançados à Lusa.
“É o terceiro ano que registamos uma diminuição na incidência de femicídio (…) congratulamo-nos com o facto e achamos que é uma evolução muito positiva, mas ainda é muito cedo para falarmos de uma tendência”, disse à agência Lusa a diretora da área de violência da União de Mulheres Alternativas e Resposta (UMAR), Elisabete Brasil.
De qualquer forma, “temos 18 mulheres assassinadas e é sempre muito, nem que fosse uma era sempre muito”, lamentou, alertando que “é um fenómeno que traz consequências não só para as vítimas”, como para os familiares e para a sociedade
Em média, foram verificados 1,6 homicídios por mês, sendo que oito vítimas tinham entre 51 e os 64 anos, seis entre 36 e 50 anos e quatro mais de 65 anos, adiantam os dados baseados nos crimes noticiados pela imprensa até 20 de novembro.
Segundo o observatório, da UMAR, em 50% dos casos, o crime foi cometido pelo marido, companheiro, namorado e em 22% das situações pelo ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado.
A violência intrafamiliar, nomeadamente a praticada contra as mães, contabiliza três casos, e por outros familiares dois casos, referem os dados divulgados a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência sobre a Mulher (25 de novembro).
A residência foi onde ocorreu a maior parte dos homicídios (83%), seguida da via pública (17%).
Os dados mostram que seis homicídios foram praticados com arma de fogo e outros seis com arma branca (66% dos casos).
Em nove dos 18 homicídios, a medida de coação aplicada foi a prisão preventiva e num caso a prisão domiciliária.
Os números mostram que 56% das mulheres assassinadas foram vítima de violência na relação de intimidade. Em quatro casos existia denúncia apresentada e noutros dois, além da denúncia, haviam já sido decretadas medidas de coação no âmbito desse processo.
“Grande parte destas situações não surgem de forma isolada, elas surgem de uma relação que já era violenta e que termina num assassinato”, disse Elisabete Brasil.
Sublinhou ainda que o facto de existirem processos-crime e terem decorrido inquéritos “não foi o suficiente para evitar que estas mulheres fossem assassinadas”.
Para a responsável, é preciso manter as estratégias de proteção e de segurança, fazer uma avaliação e gestão de risco contínua, e “perceber que um agressor de violência doméstica é um indivíduo perigoso e que, em muitas das vezes, é capaz de matar”.
Também é preciso “mudar uma cultura que ainda é patriarcal, de um machismo que ainda dita que numa relação de conjugalidade ou de intimidade a mulher é quase uma pertença do homem”, vincou Elisabete Brasil.
“É preciso mudar esta mentalidade e dizer que homens e mulheres são iguais e igualmente capazes de decidir a sua vida” e que têm de respeitar o outro quando diz ‘sim’, mas também quando diz ‘não’, sustentou.
Para Elisabete Brasil, é preciso responsabilizar o agressor pelo seu comportamento de violência, um “sinal que ainda não foi dado em Portugal”.
“Muitas vezes são as vítimas que têm a responsabilidade da sua proteção e da sua segurança e o agressor fica impune a aguardar que uma justiça se faça, mas sem que haja uma repercussão direta na sua esfera jurídica, pessoal, social, laboral, enquanto que as vítimas têm de fugir para se proteger e adaptar-se a um sistema de proteção”, salientou.
Também acontece muitas vezes as denúncias terminarem em arquivo e algumas em suspensão provisória de processo. Há outras que seguem para julgamento e que são condenatórias, mas “terminam com penas suspensas”, o que “acaba por ser uma certa impunidade quer aos olhos da sociedade quer aos olhos das próprias vítimas”.