A sessão já durava há hora e meia quando foi dada por quase terminada pelo próprio António Damásio.
-E agora, quem tem dúvidas?
João Batista, aluno do 12º ano, que aspira a médico, era o último dos quatro alunos escolhidos para dirigir uma pergunta ao conceituado neurocientista, patrono desde há quatro anos daquela escola, nos Olivais, em Lisboa. Levantou-se, aproximou a boca do microfone e arriscou:
-Se a divisão entre as ciências e as humanidades não faz sentido, queria saber de que forma é que a biologia pode ajudar a resolver as crises da democracia que se vivem hoje?
Imagine-se agora um pavilhão gimnodesportivo cheio, perto de 800 pessoas, numa escola secundária, e os olhares todos cravados no autor da pergunta e na reação a ela. António Damásio estava ali para lançar o seu mais recente livro – A Estranha Ordem das Coisas – cujo subtítulo remete exatamente para a vida, os sentimentos e as culturas humanas. Era como se aquela fosse a questão por que ansiava, afinal era a deixa perfeita para explicar como os sentimentos são absolutamente necessários para a vida, no particular e no plural.
-Sabes, tem tudo a ver, porque a homeostasia (esse conceito da biologia definido como um processo de regulação pelo qual um organismo consegue a constância do seu equilíbrio) aplica-se à expressão do nosso sentimento pessoal, e estende-se facilmente à família e à tribo mais próxima. O problema é quando esse estado tem de se alargar a milhares de pessoas. Aí conseguir o equilíbrio é muito mais difícil. Isso explica por exemplo o recrudescimento dos extremismos na Europa. A única solução, insisto, é educar. Para que o nosso sentimento seja o de aceitar o outro.
Não havia, de facto, melhor ensinamento para dar numa escola – e foi assim que o lançamento oficial de um livro se tornou uma verdadeira aula aberta: alunos, professores, funcionários, encarregados de educação, todos quiseram beber-lhe as palavras.
“Seja bem-vindo à sua casa”, disse-lhe António Cruz, o diretor da escola, à sua chegada, esta terça-feira, 31 de outubro, e António Damásio, também diretor do Brain and Criativity Institute na University of Southern California, em Los Angeles, aproveitou para começar a sessão a contar a história de terem escolhido o seu nome para patrono, em 2013.
“Pensei que era fake news, ainda antes desta era de fake news em que vivemos. Mais, quando liguei para a escola, a funcionária que me atendeu o telefone perguntou: quem devo anunciar? Respondi: António Damásio. Do outro lado, fez silêncio. E depois uma pergunta: a sério? Eu disse: sim, sou. E aí só ouvi: ai meu Deus… deveria achar que estava morto!”
O diretor assume que a escolha daquele nome tinha um propósito: a escola fora alvo de uma requalificação de estruturas, era preciso fazê-lo também do ponto de vista educacional. “Ter este nome não nos deixa adormecer”, sublinha António Cruz. “Nem ficar desatentos à qualidade”.
Agora, será avaliar como diz Damásio: em tudo na vida, é o sentimento que nos diz o que devemos fazer e é o sentimento que nos diz se funcionou. Ou “sabemos agora que a fisiologia que está por baixo do sentimento é a homeostasia, essa capacidade de a vida se manter e desenvolver-se – porque o nosso fito é continuar vivos e pensar no futuro.” Palavra de cientista.