Tal como uma boa parte dos habitantes de Vila Facaia, Agostinho Sousa, 61 anos, também pretendeu fazer da manhã de segunda-feira um dia igual aos outros. É verdade que não tinha pregado olho, nem nessa noite nem na anterior mas achou que a melhor forma de iludir a desgraça seria prosseguir com as rotinas e por isso foi dar de comer aos nove coelhos enquanto a cadela o seguia com atenção à espera da sua vez ou de algum pedaço de ração que pudesse cair inadvertidamente.
Depois foi para a rua de vassoura na mão e começou a limpar o entulho acumulado à porta de casa da prima, emigrada no Luxemburgo. Apesar de nova, a casa, mesmo ao lado da sua, foi uma das que não resistiu ao fogo de sábado. Nesse particular, Agostinho teve mais sorte, que é coisa que também dá muito trabalho.
“Eram para aí umas sete e tal da noite quando vi o perigo. Aquele incêndio e o vento não eram normais, aquilo era um tornado, era impressionante a força que tinha. Comecei logo a encher várias coisas com água, o tanque, uns baldes, caldeiros, o que tinha à mão e depois fui para o cimo das escadas. Quando lá cheguei o fogo já estava na casa da minha prima e as labaredas entranhavam-se por baixo das telhas e chegavam às vigas de madeira. Eu ia defendendo a minha casa atirando aos poucos para os sítios onde o fogo começava a chegar”.
Apesar dos esforços, e enquanto se concentrava no telheiro por cima da coelheira, as chamas chegaram ao telhado da sua casa e ainda lhe queimaram, ao de leve, o colchão da cama. Mas Agostinho conseguiu resistir e apagar aquele foco. “Salvei a casa, sozinho. Ainda bem que não dei ouvidos aos vizinhos que me diziam: ‘Agostinho, sai daí, anda-te embora’. Se tivesse ido tinha perdido tudo e, se calhar, também a vida”.
Os momentos de terror não acabaram aí porque, trazido pelo vento, o fogo haveria de voltar para os terrenos de onde lhe vem o sustento da mesa. “Por volta das seis da manhã fui para a novidade e consegui salvar aquilo também”. A novidade é a expressão utilizada para designar a horta, onde ele e a mulher, Maria de Fátima, 56 anos, têm “o feijão, as batatas, as couves, os tomates e mais umas coisinhas para comer”.
E a sua mulher, onde estava? “Ela estava com a patroa, uma senhora que às vezes a chama para ir ajudá-la a fazer umas limpezas. Tinham ido para Campelos, um lugar uns quilómetros mais acima”.
E ainda não deu notícias, nem apareceu durante o dia de domingo nem esta manhã?
“Não, eu já tentei falar com ela mas o telemóvel não dá sinal porque está tudo sem rede, também já tentei avisar os meus dois filhos que estão na Bélgica e não consigo. Mas eles já devem ter visto lá pelo Facebook, ou pela Internet”.
Por essa altura, quase todos os vizinhos sabiam já que um dos corpos encontrados uns metros mais abaixo da aldeia de Vila Facaia deveria ser o de Maria de Fátima Sousa, de 56 anos. Mas ainda ninguém tinha tido coragem de lhe dizer enquanto não viesse a confirmação oficial, que pode demorar dias.
Na segunda-feira de manhã, Agostinho só estranhava que ela ainda não tivesse vindo saber como ele estava e se a casa tinha sido devorada pelas chamas ou se estava a salvo.
“Isso é um bocado estranho, mas logo que haja rede vou tentar voltar a ligar-lhe”.
(n.d.r. Depois de falar à nossa equipa de reportagem, na segunda-feira, Agostinho Silva foi informado da morte da mulher por uma assistente social)