Às sete da manhã de hoje, 20 de março, primeiro dia de primavera, Emília Vieira Branco atracou na cidade da Horta, cinco meses e 10 500 milhas depois de zarpar da Holanda. Entrou em casa, sim, porque é lá que vivia antes de embarcar nesta aventura. Mas amanhã regressa ao barco, onde está o resto da sua segunda família – os outros 33 estudantes do secundário, o capitão, os três oficiais, os três professores e o coordenador pedagógico.
Emília tem 17 anos, está no 12º da área de Ciências, mas durante um semestre não põe os pés nas aulas. Nem por isso pode dizer que não estuda ou se furta aos testes da sua turma. No Regina Maris, um barco de 48 metros, todos os dias se abrem os livros, de forma autónoma e independente, para cumprir os requisitos do programa holandês School at Sea. Além das horas de estudo obrigatórias, os alunos responsabilizam-se pelo trabalho a bordo – navegar, fazer a comida e assegurar a limpeza. A aventura custa 21 mil euros, mas quase todos os candidatos se esforçam por arranjar patrocínios para atenuar as despesas.
No entanto, Emília, tal como a irmã Júlia que fez o mesmo programa no ano passado, perde-se a contar os pormenores de todas as paragens e nas aventuras que já viveu e continuará a experienciar até 15 de abril, data em que voltará a terra firme, na Holanda.
A primeira paragem, conta-nos, foi Tenerife, nas Canárias, depois de 12 dias de navegação, em que a parte escolar nem existia, para poderem adaptar-se à vida no barco. “A escola foi introduzida aos poucos e funciona sempre de forma individual”, explica Emília. Assim que pisaram terra, fizeram um intercâmbio com uma escola de Santa Cruz, além de outras atividades na ilha, sempre com habitantes locais.
Quando partiram para Cabo Verde, nadaram pela primeira vez em mar alto e também viram golfinhos e baleias – algo que foi manifestamente assinalado no Regina Maris. Em São Vicente apaixonaram-se pela ilha e até fizeram uma aula de capoeira.
Isto foi precisamente antes da primeira travessia do Atlântico, que demorou 17 dias até Dominica. “Apanhámos o mar muito bom e já conseguíamos equilibrar bem a escola com o barco”, conta a teenager. E logo salta para o relato dos seus dias naquele território: “Fomos a uma furna, nadámos numa cascata e passámos três dias com os rastafaris, uma comunidade que se opõe ao consumismo e à futilidade da nossa sociedade.” Por isso, dormiram em redes, fizeram a sua própria loiça e beberam sumo de cana do açúcar.
Entretanto chegou o Natal e pela primeira vez aquele grupo de estudantes passou-o numa praia em Curaçau, a fazer um churrasco e a dar mergulhos na água quente. E a passagem de ano foi em Aruba, outra vez no mar, ao som de um forte fogo de artifício. “Nesse dia tivemos telefone e pudemos ligar às nossas famílias, portanto começámos a festa mais cedo”, lembra. É que só têm uma tarde de telemóvel quando param e saem para terra. De resto, podem enviar um mail de vez em quando para descansar as famílias.
Há que seguir viagem até San Blas, no Panamá. “Parámos numa ilha que tinha cerca de 500 habitantes. Viviam com muito pouco, mas pareciam sempre felizes.” Depois, noutra ilhota ainda mais pequena, sujeitaram-se a uma atividade de sobrevivência, em que se alimentaram à base de coco, pão, arroz e feijão. Antes de rumarem a Cuba, ainda fizeram uma viagem de oito dias, em que cada um teve de gerir um orçamento de 20 dólares diários para conhecer o sítio onde estavam. Com esse dinheiro, Emília viu imenso macacos e outros animais e cinco cidades, todas muito diferentes entre si.
Depois de Cuba, onde conheceram pessoas incríveis, pararam nas Bermudas, com um bocado de mau tempo. Nada que abalasse a confiança dos estudantes durante os 14 dias que demorou a segunda travessia do Atlântico até à Horta, onde estarão até ao final desta semana.
Agora, Emília – e não é só a Emília, garante-nos – está com sentimentos contraditórios. “É muito estranho. Adorei rever a minha família, entrar em casa, mas estou de passagem e nenhum de nós quer que isto acabe.”
Não admira. Mesmo quando há conflitos a bordo são obrigados a resolvê-los na hora. Por isso, só restam boas recordações, que conta num blogue, a aprendizagem diária e a evolução pessoal