Há um ano deixou de ser uma empresa de família mas o nome, inspirado no primeiro satélite enviado a Marte com sucesso, continua a soar familiar a várias gerações de portugueses. São seguramente muitos, nascidos em finais da década de 60 ou durante a de 70 do século XX, que tiveram uma Órbita.
Conhecida como a capital das duas rodas, não apenas por causa das bicicletas mas também das motorizadas, Águeda chegou a ter, em finais do século passado, mais de 70 empresas que se dedicavam ao fabrico ou montagem de bicicletas. A Órbita era uma delas. Fundada em 1971, fruto de uma decisão da administração da Miralago, a empresa-mãe, e da vontade de Aurélio Ferreira, o empresário de 85 anos que esteve à frente dos destinos do grupo até setembro do ano passado. Nessa altura a Miralago já construía diversos componentes mas Aurélio Ferreira queria substituir por completo a importação. “Esse era o meu lema”, confessou numa entrevista, em 2014, ao programa Sucesso.pt, da SIC Notícias. “Achei que devia haver uma empresa que devia produzir toda a bicicleta, evitando que uma empresa estrangeira viesse fazer o trabalho que nos competia: fabricar, montar e distribuir”, concluiu o empresário que não gostava de estar preso a três coisas: “aos bancos, aos clientes e aos fornecedores”. Mas, e sem uma terceira geração para dar continuidade familiar à empresa, a necessitar de permanente renovação organizacional e tecnológica, Aurélio Ferreira acabaria por vender o grupo Órbita-Miralago, em 2015.
E a verdade é que a Órbita é mesmo a única empresa portuguesa de fabrico de bicicletas que ainda hoje resiste. Nunca chegou a atingir os 100 por cento de materiais inteiramente produzidos mas andou pelos 80, deixando de fora os pneus ou as mudanças, por exemplo.
Trim, trim
A campainha de alarme soou em meados dos anos 1990 e 2000, com a chegada da concorrência norte-americana e, principalmente, a asiática, esta última com uma mão de obra tão barata que colocava as bicicletas no mercado a preços incomportáveis para as fábricas europeias. “Desde que a Europa se tornou forte, principalmente com a introdução do Euro, que passou a ser drenada, achava que não precisava da indústria e importava tudo o que necessitava. Só muito tarde é que os governantes europeus descobriram que esse não podia ser o caminho”, explica Paulo Rodrigues, o administrador que, em setembro de 2015, conjuntamente com Jorge Santiago e Nuno Silva, os outros dois sócios, adquiriram o grupo Órbita-Miralago. Os dois primeiros têm já uma vasta experiência no setor e Paulo Rodrigues foi durante onze anos dirigente da ABIMOTA, a associação industrial do setor.
Curioso é que, com a criação do programa Portugal Bike Value, que pretende fazer do nosso país o maior centro de produção de bicicletas da Europa, pode dar-se uma inversão no fluxo. Apesar de a Órbita ser a única de capitais nacionais, há atualmente cerca de 50 empresas a fabricar e a montar bicicletas em Portugal que, no total, em 2015, produziram 1.9 milhões de unidades. E a ABIMOTA trouxe mesmo recentemente uma comitiva de empresários asiáticos a Águeda com o objetivo de os convencer a fixarem-se cá e trazerem consigo os fornecedores de diversos componentes.
Partilhar é preciso
Inovação no processo e no produto continua a ser o lema da Órbita que em 2001 produziu a primeira bicicleta elétrica. A exportação é o destino de mais de 80 por cento da produção de 40 mil bicicletas que todos os anos saem da fábrica de Águeda, um número que a empresa pretende continuar a aumentar nos próximos anos. Apesar de ainda fabricar bicicletas clássicas, para desporto e lazer, a aposta é agora claramente na mobilidade, “o único mercado em crescimento”, refere Paulo Rodrigues. E é aqui que o conceito de bicicleta partilhada – ou bike sharing, para usar a terminologia inglesa que domina no mundo dos negócios – tem um peso significativo.
No passado mês de setembro a Órbita ganhou o concurso para o sistema de bicicletas partilhadas de Lisboa que deverá estar implantado na primavera do próximo ano. A rede vai contar com 140 estações, ou docas e 1.410 bicicletas, dois terços dos quais elétricas e as restantes convencionais. A proposta da empresa de Águeda foi de 23 milhões de euros “mas cinco deles, apesar de estarem já adjudicados, estão dependentes de decisão da EMEL, a empresa municipal de Lisboa, que poderão ser utilizados para a construção de novos parques, por exemplo”, explica Nuno Silva, o diretor financeiro da Órbita.
Esta é a primeira vez que a empresa ganha um concurso apresentando uma proposta em nome próprio, sendo mesmo a única portuguesa entre as três finalistas. Antes, e talvez o mais famoso e lucrativo concurso, foi o de Paris, em 2011, ganho pela JC Decaux, um cliente da Órbita, e que permitiu a colocação de 22 mil bicicletas elétricas, de fabrico português, nas ruas da cidade-luz. Para além da capital francesa, a Órbita está também presente em Lyon (França), Málaga e Bilbau (Espanha), Viena (Áustria), Ljubljana (Eslovénia) e exporta para mercados tão distintos como Inglaterra, Irlanda, Marrocos, Argélia, Moçambique, Estados Unidos ou o México.
Investigação e Desenvolvimento
Em Portugal, no sistema de bicicletas partilhadas, a empresa fornece os municípios de Vila do Conde, na Bio-Ria (Ovar, Estarreja e Murtosa), Águeda, Oliveira de Azeméis, Viseu e Bragança. E agora Lisboa, claro.
‘‘Na região de Águeda há um cluster do metal e o nosso maior mérito foi a acompanhar a evolução dos materiais, construir uma solução própria e integrar competências que existem aqui à volta’’, explica Paulo Rodrigues. Mais do que trabalhar para economias de escala, a Órbita está virada para as economias de foco. Para o administrador, “a próxima revolução tecnológica vai fazer com que passe a ser o cliente a determinar qual o produto que vai ser produzido”. Não admira, por isso, que, em menos de um ano, o departamento de Investigação e Desenvolvimento da Órbita tenha passado de três para onze pessoas.
Para as plataformas de bicicleta partilhada, por exemplo, o novo catálogo da empresa tem quatro modelos elétricos e também um sistema misto desenvolvido pela Órbita que permite transformar uma bicicleta elétrica em convencional e vice-versa. Com uma percentagem de incorporação de matéria-prima e mão de obra portuguesa a rondar os 60 por cento, a empresa produz essencialmente elementos estruturais: quadros, guiadores, avanços, rodas, forquetas e pedaleiras. A matéria-prima essencial com que trabalham é o aço, por ter uma sustentabilidade maior, mas também já o fazem com o alumínio. Os nomes dos modelos, esses continuam a inspirar-se no espaço e nos corpos celestes, no desporto e lazer, e nos nomes de vilas e cidades portuguesas na linha de estrada.
Lisboa em duas rodas
– No total são 1410 bicicletas (dois terços das quais são modelos elétricos) espalhadas pela cidade e servidas por 140 estações (docas).
– As bicicletas elétricas do sistema partilhado de Lisboa têm uma autonomia de 30 quilómetros, cinco modos de utilização do motor e carregam estacionadas na doca. Pesam 24 quilos.
– As bicicletas convencionais têm sete velocidades e pesam 18 a 19 quilos
– Todas estão equipadas com um cesto na frente e sistema de localização.
– O Sistema Público de Bicicletas Partilhadas de Lisboa, feito pela EMEL, prevê um bilhete diário de 10 euros.
(Artigo publicado na VISÃO 1231, de 6 de outubro)