Foram 3800 metros de natação num lago, em Klagefurt (Áustria), em seguida 180 km de bicicleta (mais ou menos o equivalente de Lisboa à Figueira da Foz) e finalmente 42 quilómetros de maratona. No meio disto tudo há que perder muito poucos minutos nas fases de transição de modalidade, para ir à casa de banho ou trocar de equipamento. O tempo não pára, não desconta nunca. A prova internacional de Triatlo Iron Man aconteceu no passado Domingo e reuniu dos maiores contingentes de portugueses de sempre: 31 inscritos e 31 terminaram. Entre eles estava André Cunha, 48 anos, que, pela segunda vez, entra nesta competição muito esforçada, apesar de sofrer de uma doença crónica autoimune.
Antigo piloto de motorizadas, André começou a interessar-se pelo triatlo há poucos anos. Mas apaixonou-se por esta corrida na água, sobre rodas e a pé, em que o corpo dá tudo por tudo, e os amadores como ele correm, lado a lado, com os profissionais que pretendem qualificar-se para a prova de Havai, a mais importante do mundo. Os profissionais conseguem fazer tudo isto em cerca de oito horas, mas para os amadores a meta pode fechar 16 horas depois de abrir. “É isto que é bonito no Triatlo Iron Man, o companheirismo, o fair-play e podemo-nos orgulhar de ser ‘jogo limpo’, um desporto livre de doping”, refere.
Outra característica desta modalidade é o facto de os milhares que se inscrevem raramente – só em casos de impossibilidade extrema – desistirem. É que, explica, os treinos são tão longos e tão exigentes, o investimento é tão forte, a preparação leva tantos meses, implica tanto tempo, energia, tantos sacrifícios autoimpostos, abdicar de tempo com a família, fins de semana, e de quase tudo que já não é possível voltar atrás…. André Cunha levou quase nove meses focado integralmente na competição. A acordar de noite para treinar, antes de ir para o trabalho (é consultor imobiliário) e a aproveitar a hora de almoço e todos os tempos livres. Facilita-lhe o facto de a mulher ser uma “autêntica suporting team” e dos três filhos (de 17, 24 e 26 anos) também praticarem triatlo, mas de curta distância. E também de ter reunido um grupo de desportistas como ele – a que chamaram Try@least. André é o coordenador de treinos, o “coach Cunha”. “Em treinos muito longos, de cinco e seis horas, é muito importante trabalhar em conjunto e puxarmos uns pelos outros”.
Claro que para praticar esta modalidade é preciso ter uma resistência invulgar mas, garante André, isso não basta. É necessário acrescentar-lhe “resiliência”: “quando estamos numa situação em que o corpo nos manda parar, a cabeça não pode ouvir essas sinais, porque é ela que manda”. Terminou a prova com um bom resultado, mas em sofrimento. A doença crónica autoimune não facilita e e esta foi a sua última experiência no Triatlo longo. Mas valeu a “comoção muito grande de terminar a prova, toda aquela satisfação de plenitude e de dever cumprido”. E assistir aos excelentes resultados da equipa.
Essencial nem é ter equipamentos topo de gama ou uma bicicleta de 10 mil euros. Essencial são os treinos, a estrutura mental e fazer, durante a prova, “uma marcação de comida e bebida”. Porque às vezes os atletas esquecem-se de comer e beber e quando sentem fome e sede já não vão a tempo de repor as energias.
Um jovem faz esta prova, explica André, por competição. Outros fá-lo-ão para competirem consigo próprios. Um adulto com alguma maturidade fá-lo como uma desafio de vida. “É isso que nos move”.