A primeira canção que me lembro de ter escrito foi uma letra em inglês, chamada Oh Life. Devia ter uns catorze anos. Fiz um curso de Filosofia. Não sei bem o que procurei ali, talvez respostas existenciais. Na verdade, gostava mais de História. Também gostava de ter sido um viajante e escrever sobre viagens.
Considero-me um escritor de canções, que gosta de se meter por outros caminhos. Não fui um músico falhado, apenas não consagrei a dedicação e o tempo necessários ao instrumento. O que toco de guitarra basta para me divertir. Escrever letras foi um modo de estar ligado à música sem ter de praticar muito, nem calejar os dedos. No dia 20, vai sair um livro com as quatro peças de teatro que escrevi nos últimos dez anos: Três peças em volta de canções e um monólogo sobre futebol com uma canção. Integrará a coleção de teatro da SPA/Imprensa Nacional-Casa da Moeda. E estou a tentar acabar um romance, mas não sei quando sairá.
A minha relação com a cidade do Porto mantém-se a mesma. Mas continuo a precisar de me afastar dela, só para perceber o quanto ela me é grata. É um velho truque do amor em geral.
Não escrevo por encomenda. Vou escrevendo para uma gaveta e, às vezes, proporciona-se ter lá alguma coisa que se ajusta a uma canção, a uma voz. Como um corpo se ajusta a um casaco. Mas esse tipo de alfaiataria já teve melhores dias.
O álbum Ar de Rock teve um grande impacto na minha vida. Estava a começar uma promissora carreira de empregado bancário e o disco veio a tempo de a interromper. Vocacional-mente, porque em termos reais continuei nela durante quinze anos, sustentando o luxuoso vício das canções.
As canções nunca fizeram revoluções. Mas deram uma ajuda, porque aproveitaram os novos meios de comunicação de massas dos anos 50 e 60 (a rádio, a reprodução mecânica, os discos) para ampliar os anseios juvenis inerentes ao espírito do tempo. Tinham a função de rede social, eram pichagens sonoras, poderosas e emblemáticas. Ilustradas pelo vídeo, perderam eficácia. Com o fluxo digital, resvalaram para o grande rumor do mundo que é a disponibiliza-ção livre de conteúdos. Antes assim. Não se pode ter chuva no nabal e sol na eira.
Depoimento recolhido por Cesaltina Pinto