Um colo maior, uma barriguinha que persiste, estrias ou manchas na pele são as formas que a natureza encontrou de mostrar às mulheres que, além do nome, passaram também a responder pela palavra “mãe”. Na era dos corpos-que-se–querem-logo-no-sítio-depois-do-parto, fomos à procura de mães perfeitamente reais – e assim compor esta ode às mulheres com filhos. VEJA AS FOTOS e leia os depoimentos de 10 mães
A chegada de um filho é sempre um momento único. Durante nove meses, o corpo vai preparando a mulher para essa nova fase, em que ela se torna, antes de tudo, fonte de alimento – mesmo que amamentar seja muito mais do que isso, afinal são muitos os verbos que aqui cabem. Ou talvez pudéssemos pensar antes num outro nome, no plural, para tudo o que “mãe” significa: mimo, proteção, sustento, amor. Em nome da maternidade, esquecem-se os saltos altos e o cabelo impecável, preferindo-se a roupa confortável, que depois há de ter manchas de bolçado e de papinha.
Esta é a linha mestra de um movimento de elogio às mães e que alastra pelo mundo. No verão passado, a fotógrafa norte- americana Jade Beall apontou a objetiva à barriga de uma amiga. A imagem mostra-nos um ventre flácido, abraçado por duas crianças. “Quando foi publicada atraiu de imediato a atenção de outras mulheres que também estavam dispostas a partilhar as histórias de vida dos seus corpos”, lê-se na página de A Beautiful Body Project. “Queremos redefinir o que é bonito. Os nossos corpos. Nós próprias. Nós somos bonitas.”
O que ali se vê são histórias de corpos femininos a celebrarem a maternidade – e a irem contra a obsessão da perfeição corporal. O conceito, entretanto, replicou-se. A fotógrafa brasileira Letícia Valverdes chamou-lhe Marcas de Nascença, e apresenta-nos mais depoimentos marcantes: “Vi a minha barriga, antes tão definida, ficar flácida e feia. A antiga eu, tão jovem, bela e sempre impecável, não existe mais. Mas tenho o maior orgulho disto tudo.” A verdade é que ficar com marcas faz parte do processo. “Digo-lhes: esta é a sua medalha, é a sua condecoração. É fruto do empenho para conseguir algo. Em tudo na vida, para se alcançar um objetivo, é preciso fazer opções – e escolher é prescindir. Algo vai mal na relação quando a mulher quer esconder essas marcas dos olhares mais íntimos. Mãe e pai devem estar juntos pelo que construíram”, sublinha Marcela Forjaz, obstetra e autora de O Grande Livro da Grávida, antes de acrescentar que “a maternidade é uma construção diária, uma imensa aprendizagem”.
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Vergonha, eu?
O elogio do corpo depois da maternidade quer ser uma resposta em força à pressão que muitas mães sentem para estarem em forma rapidamente. Nos últimos tempos, contam-se demasiadas histórias sobre a ditadura da beleza que anda por aí a derrubar a autoestima de muitas mulheres. Lá fora, é um fenómeno com nome e tudo: chamam-lhe Mummy Shaming, qualquer coisa como a vergonha das mães – e, claro, está diretamente relacionada com as marcas que a maternidade lhes deixa.
A história de Giovanna Fletcher, 31 anos, é bem reveladora desta espécie de bullying que insiste em perseguir as mulheres quando têm filhos. Onze dias depois de dar à luz, uma estranha apontou-lhe o dedo: “Olha, ainda tem barriguinha…” Giovanna riu-se mas não esqueceu o episódio e resolveu partilhá-lo no Instagram. Em poucas horas, a foto tinha mais de 40 mil likes. “Sim, ainda tenho aqui o que manteve o meu bebé seguro durante nove meses”, assumia, como conta o jornal Daily Mail. Às manifestações de apoio, seguiram-se os elogios: “És uma inspiração.”
Narrativas como esta são muitas vezes alimentadas pela performance das celebridades (ver caixa). Ou das defensoras do corpo perfeito e sem desculpas, como se autointitula Maria Kang. Norte-americana, 32 anos e mãe de três rapazes, está tão obcecadamente em forma que não se inibiu de mostrar um ar enjoado e de umas linhas bem desagradáveis no Facebook sobre a recente campanha de lingerie que elogiava as curvas das mulheres normais. Os comentários que se seguiram não foram bonitos: de narcisista a má mãe ouviu de tudo. A equipa de Mark Zuckerberg bloqueou-a. Mas Maria Kang haveria de voltar à rede social mais usada no mundo – e manteve-se na sua. “Qual é a sua desculpa?”, insiste em perguntar, enquanto se fotografa com os filhos e um corpo sem nada fora do sítio.
A moda do ‘mummy makeover’
Que nada disto reduza a importância do bem-estar psicológico das mães recentes. Aliás, isso parece ser tão forte que, num estudo com 850 mulheres, encontrou-se outra ligação extraordinária: a que liga as depressões pós-parto à dificuldade da mulher em perder o peso ganho durante a gravidez. Segundo descreve Sharon Herring, especialista do programa de obesidade da Harvard Medical School, nos EUA, que conduziu essa investigação, ao fim de um ano a grande maioria das mulheres acompanhadas mantinha apenas pouco mais de meio quilo em relação ao peso que tinha antes de engravidar. Mas 12 por cento continuavam com cinco quilos a mais – valor que, sustenta aquela investigadora, se devia aos sintomas de depressão apresentados, provocada por variáveis tão diversas como a solidão e o cansaço mas também por uma baixa autoestima corporal.
É o caldo perfeito para modas como a da mummy makeover – expressão inglesa para a renovação com recurso a bisturi do look das mães recentes. Tiago Batista Fernandes, cirurgião plástico, confirma a adesão de muitas portuguesas a este tipo de intervenção. “Representam 30 a 40 por cento das nossas cirurgias mensais”, especifica, assegurando que são aplicáveis apenas a quem sofre uma deformação do corpo, no peito ou na barriga, não recuperável de outra forma.
“O mais comum são abdominoplastias, que se aplicam aos casos em que há aberturas entre os músculos do abdómen, e isso não há desporto que resolva. Tal como com o peito: se ficou maior ou menor, vai sempre descair. Só com intervenção cirúrgica pode voltar ao que era”, remata o cirurgião.
A maternidade em construção
Mesmo para quem não considera a cirurgia, mostrar um corpo livre de gordurinhas é uma preocupação que impera, que domina o consciente e, muitas vezes também, o subconsciente das mães. E isso nota-se, assume Sofia Carrêlo, fisioterapeuta do serviço de apoio às mães no pós-parto e que funciona na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa – uma ajuda que, reconhece, devia ser extensível a todas as mulheres mas que, de momento, só funciona para quem teve partos mais traumáticos (com recurso a ventosas ou forceps) ou sofreu uma grande maceração dos músculos vaginais.
“Muitas mulheres não sabem que é preciso fazer uma recuperação dos músculos do períneo e também não sabem que isso não tem nada a ver com o uso de cintas”, salienta a especialista, a assinalar que amarrar pode até ser prejudicial. “O mais que faz é tornar os espelhos lá de casa mentirosos. Não é por se apertarem os órgãos que eles vão ao sítio”, comenta ainda Sofia Carrêlo, alertando que quanto mais tempo se usa a cinta mais se demora a voltar ao peso anterior. “O mais grave é que muitas vezes fazem-no por pressão das outras mulheres, que lhes apontam o dedo: não vais usar? Vais ficar horrorosa!”
Lutar contra o preconceito, e contra este sentimento de culpa assente numa lógica punitiva, é então o mote para questionar: “Que forma deve ter o corpo de uma mãe?”. Jade Beall, a tal autora do The Beautiful Body Project, em que nos inspirámos para este trabalho, conta ainda, ao Huffington Post, que começar a fotografar foi a melhor forma de também enfrentar a sua depressão pós-parto e viver bem com o corpo com que ficara depois do nascimento do filho. “O meu compromisso é com a redefinição do que a nossa cultura entende por beleza e isso assenta sobretudo na diversidade.”
Nesta era 2.0, essa variedade vai ganhando forma nos múltiplos grupos de mães reunidas nas redes sociais (Mães reais, Mães com pinta, Mães sozinhas, Mães solidárias, Mães empreendedoras…). E também nas imagens que aqui publicamos. Para todas elas não há dúvidas: as marcas da maternidade são marcas de amor.