“Divórcio? Na minha família nem se podia ouvir falar de divórcio”. “Só consegui sobreviver pelo meus filhos”. “Não queria, não conseguia, dizer nada a ninguém.” “Sentia-me culpada por ter escolhido mal”. “Tinha medo que me tirassem os filhos”. “Ele é que se portava mal mas eu é que tive de abandonar a minha casa e viver escondida”. “Sabia que se voltasse para casa não tinha hipóteses”. “Vergonha era o que se passava lá em casa, não é pedir ajuda”. “Não se acomodem a essa vida. Não se deixem morrer.”
As frases são das nove mulheres que, depois de terem escapado a uma vida de violência, e de se terem socorrido do apoio das casas-abrigo, acederam a dar a cara num documentário. São 28 minutos de palavras duras e rostos sofridos, de gente ainda a ainda a recuperar o ânimo e o fôlego, que nos esperam em Partir do Zero.
“Trata-se mesmo de recomeçar do nada e estas mulheres sabem, melhor do que ninguém, como começar do zero é complicado”, sublinha Alexandra Alves Luís, que entre muitas outras coisas, é formadora certificada em igualdade de Género e técnica no atendimento a vítimas. Foi neste contexto que conheceu estas mulheres acolhidas nas casas-abrigo geridas pela UMAR (União de Mulheres – Alternativa e Resposta) – e que propôs registar as suas razões num documentário. Sensível às suas questões, a realizadora Margarida Cardoso (A Costa dos Murmúrios, 2004 e Yvone Kane, 2014, entre outros) nem hesitou.
“O objetivo era conseguir tirá-las da casa, marcando as conversas num cenário neutro, e ajuda-las a apontar quais as dificuldades que as vítimas têm e o que pode ser feito para as apoiar”, continua Alexandra Alves Luís, antes de sublinhar que “é preciso mostrar-lhes que podem ser agentes de mudança”.
Algumas já deram os primeiros passos nesse sentido – quando acederam a participar na última Marcha pelo Fim da Violência contra as Mulheres, a 25 de novembro. Mas todas as que acederam a revelar-se neste documentário (a ser mostrado apenas em circuito fechado, em nome da segurança das suas protagonistas) são unânimes no conselho que deixam: “Não desculpem, eles nunca mudam. “
Partir do Zero já foi mostrado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e e dá início, esta terça-feira à tarde, aos trabalhos do encontro que decorre no Instituto de Ciências Sociais (ICS), em Lisboa. Até quarta-feira, 14, o programa inclui ainda uma série de outras sessões diárias – entre elas Onde Está o Género?, conduzida por Maria do Mar Pereira, socióloga da Universidade de Warwick que na sua Etnografia da Academia em Portugal vai refletir sobre a forma como a universidade portuguesa encara a questão. E termina com uma conversa sobre feminismo com Ana Matos Fernandes, a rapper mais conhecida como Capicua.