José Boavida, 51 anos, morreu. Caiu numa rua em Queluz, no dia 7 de janeiro, perto das onze e meia da noite, depois de ter parado no restaurante do costume para beber um café e antes de conseguir entrar no seu carro. Ficou em coma no seguimento de uma paragem cardiorrespiratória. Foi socorrido, e bem socorrido, segundo o seu irmão Gabriel, seis anos mais novo, e fisioterapeuta de profissão.
Os dezanove dias que o ator (encenador e escritor) esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, perto de Queluz, foram mais do que suficientes para que a sua família se apercebesse de que a unidade de saúde não tinha uma viatura médica de emergência e reanimação (VMER) à sua porta, como a obrigava o despacho 13794/2012, publicado em Diário da República.
Inevitavelmente, pela cabeça dos mais próximos as interrogações sucederam-se: e se em vez de ter esperado quase vinte minutos pela VMER que veio do Hospital São Francisco Xavier, no Restelo, ela tivesse vindo dali ao lado, a 1800 metros? E se a desfibrilhação, que só é possível com essas viaturas de socorro, tivesse obviado as lesões da paragem cardiorrespiratória? E se, em vez de ter dado entrada no Amadora-Sintra às 00h52, tivesse passado por aquelas portas uma hora antes? E se hoje, em vez de ter morrido, José Boavida tivesse saído do coma?
A verdade é que, em casos como este, todos os minutos são fundamentais.
Promessas, não as pode levar o vento
Além do Amadora-Sintra, também o Centro Hospitalar do Barreiro está em falta com esta viatura especializada, que deveria estar de serviço 24 horas por dia, com uma equipa permanente de médicos e enfermeiros treinados para a emergência.
A VISÃO tentou questionar, junto das administrações destes hospitais, qual a razão para tal lacuna, mas o contacto foi impossível. Ficou, no entanto, a saber, através do Ministério da Saúde, que o tal despacho de 2012 terá sido revogado por outro, em agosto de 2014, que terminou com o prazo de três anos para a obrigatoriedade de ter as VMER em 42 hospitais do país, todos os que têm urgência médico-cirúrgica.
E assim o Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca e o Centro Hospitalar do Barreiro livraram-se da multa por não cumprirem com a lei, por alegadas contenções financeiras (ter uma VMER custa cerca de meio milhão a cada unidade, já que devem custear o pessoal e os consumíveis, o resto fica a cargo do INEM).
Entretanto, o Ministério da Saúde, em despacho de 12 de janeiro deste ano, duplicou o apoio económico dado aos hospitais pelo INEM, passando de 3400 para 6800 euros. Este montante, garantem-nos, só pode ser utilizado para a instalação e manutenção de viaturas VMER. O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, determinou que o processo de criação destes meios de emergência tem de estar concluído até 30 de abril, prazo mais do que suficiente para a formação de equipas.
Gabriel Boavida perdeu o irmão. Não querer protagonismo nem dinheiro, mas fez uma promessa ao irmão, durante os quase vinte dias em que foi visitá-lo diariamente ao hospital: “O Amadora-Sintra há de de ter uma VMER equipada e a funcionar para servir as pessoas do concelho onde vivemos.”
Por isso, já convocou os seus amigos do Facebook para uma homeagem ao irmão, no dia 30 de abril. “A palavra do senhor ministro não me chega. Vamos lá estar para ver se a viatura realmente existe. E um ano depois voltaremos para constatar se está realmente a funcionar.”