Mariana Rei nunca concordou com as praxes universitárias por não as considerar a maneira mais correta de integração, “pela forma como os alunos mais novos são tratados”, explica a aluna do 1.º ano de Estudos Comparatistas. Mas, no primeiro dia de aulas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a jovem de 20 anos mudou de ideias e fez-se anunciar à comissão de praxes. Bem recebida, a manhã na relvada Alameda da Universidade, debaixo de um sol quente de outono, foi passada num ambiente de entreajuda entre os caloiros a entoarem cânticos (alguns com palavrões) e à volta da construção de um carro alegórico. “Hoje não tenho aulas, só vim mesmo para ser praxada”, garante Margarida Protásio, 18 anos, inscrita em Estudos Gerais. Para a sua colega de praxe, Francisca Ribeiro, “sem experimentar não se pode ter uma opinião fundamentada. Este é um ambiente que nos tira da nossa zona de conforto”, constata a estudante de 20 anos de Artes do Espetáculo.
É com alguma nostalgia que a veterana Bárbara Bento, 22 anos, da sub-comissão de praxe de novos cursos, relembra o seu tempo de caloira. “Cheguei à faculdade como uma tela em branco. A minha praxe foi pela integração e ainda hoje mantenho a amizade com mais de 90 pessoas que conheci na altura”, refere a aluna do último ano de Estudos Europeus. Também Margarida Marques, 22 anos, quis ter uma derradeira experiência antes de terminar o curso de Artes e Humanidades, relembrando aquele que foi “o melhor ano da vida”. Durante dois dias, encarnou a personagem de caloira infiltrada, desafiando os trajados de negro junto dos verdadeiros caloiros.
Entre este grupo de novatos e doutores é unânime de que estar na praxe é ter oportunidade de fazer coisas que habitualmente não se fazem, como rebolar na relva, mergulhar na fonte de água no Rossio ou cantar aos gritos na rua. Mas para os alunos que chegam de fora, sem conhecerem ninguém, os mais velhos são também os primeiros a ajudá-los, seja com informações administrativas ou dicas de como lidar como os professores. O facto de nos cursos da Faculdade de Letras não existirem turmas fixas nem horários definidos faz com que não se criem laços. “Para pessoas com dificuldade de adaptação, as praxes são o ideal”, argumenta Luís Guerreiro, 21 anos, vindo de São Teotónio, na Costa Vicentina, a frequentar Ciências da Cultura.
Durante a quinzena de praxes os caloiros da Faculdade de Psicologia e Instituto da Educação não tratam os “excelentíssimos” pelos nomes, mas podem olhá-los nos olhos. Um pormenor que, há três anos, levou Ana Sofia Santos, 21 anos, a trocar o curso de Biologia por Psicologia. “Estive das oito da manhã às cinco da tarde a olhar para o chão e não me senti bem com a situação”, explica. Este ano, trajada a rigor, com a capa negra ao ombro, já desafia os caloiros para cantorias, teatros, peddy papers e jogos de team building. “A nossa missão é transmitir os valores que nos foram passados, da humildade, respeito, tradição e união”, conta João Santos, 20 anos, no primeiro ano do mestrado integrado. “Move-nos um objetivo comum: trabalhar em equipa”, dizem João e Ana Sofia em uníssono. Para estes alunos “a praxe é importante para passar de uma sociedade competitiva e individualista para uma cooperativa e coletivista”. João Santos agradece à praxe ter crescido enquanto pessoa, “perdi algumas manias que podia ter e não eram compatíveis com o trabalhar em grupo e a timidez.”
Há quase duas semanas que os caloiros vêm todos os dias, a partir das nove da manhã, para os jardins da Alameda. Entretanto, as aulas começaram com uma aula fantasma dada por uma professora fingida que os fez acreditar que era obrigatório escrever só com caneta preta, não se podiam encostar aos frisos da faculdade e as raparigas deviam andar sempre com o cabelo preso. “Tem de se experimentar para saber se gostamos ou não”, admitem Débora Carvalhosa e Francisco Ribeiro que gostaram de algumas das atividades que os obrigaram a pensar, como procurar pedras basálticas nas imediações da faculdade. Para Dany Santos, 18 anos, alentejano da Amareleja, sem estes jogos de integração demorava muito mais tempo a fazer amizades. “Para mim, que sou tímido, este convívio entre todos os caloiros é uma forma de ganhar confiança.”