Numa entrevista exclusiva à agência Lusa, a propósito do lançamento do seu livro “Louise Brown: A minha vida como o primeiro bebé-proveta do mundo”, que sábado será lançado no Reino Unido, dia do seu aniversário, a primeira criança concebida através da Fertilização In Vitro (FIV) diz sentir-se uma pessoa “normal”, mas com uma infância extraordinária, a qual atribui à forma inovadora como veio ao mundo.
Louise conta que, quando tinha quatro anos, os pais mostraram-lhe o filme do seu nascimento: “Eles fizeram-no porque em breve eu ia para a escola e receavam que as outras crianças mencionassem o assunto. E também porque sabiam que a comunicação social iria tentar fotografar-me na escola e queriam contar-me a razão deste interesse por mim”.
Os pais de Louise – Leslie e John Brown – tentaram durante nove anos engravidar, sem sucesso. Coube à equipa de Patrick Steptoe e Bob Edwards, este último galardoado com o Prémio Nobel da Medicina, em 2010, proporcionar-lhes um filho através de um método então inovador e o qual tinham desenvolvido na década anterior: a Fertilização In Vitro (FIV), que consiste na junção dos óvulos com os espermatozoides em laboratório, com posterior transferência dos embriões para o útero.
“Os meus pais contaram-me que fui concebida de uma forma diferente das outras pessoas. Não tenho a certeza de ter percebido tudo na altura, mas tomei consciência de que era uma coisa diferente e que eu tinha sido a primeira no mundo”, acrescentou.
Questionada sobre o impacto deste espírito pioneiro na sua vida, Louise recorda: “Houve momentos na minha vida mais jovem em que a constante atenção e interesse da imprensa foram demasiados para a minha família. Para ser honesta, era demasiado nova para me aperceber do que estava a acontecer”.
Assim que nasceu, Louise foi sujeita a “todos os tipos de exame” para avaliarem se era perfeitamente normal. “E eu era!”, afirmou.
“Desde então, as pessoas aceitaram que nascer In Vitro não faz qualquer diferença para um ser humano”, disse.
Ainda assim, diz imaginar “o que aconteceria a todo o programa de FIV” se tivesse nascido com alguma anormalidade. “Certamente que seria atribuída à Fertilização In Vitro”, referiu.
Passado um tempo, e perante a constante curiosidade sobre a filha, Leslie e John Brown decidiram retirar Louise de debaixo dos holofotes para que a “super-bebé” ou a “criança-milagre”, como na altura a apelidavam, pudesse crescer sem tanta atenção da parte da comunicação social.
“Eu acho que eles conseguiram. Mais tarde, fui tomando muito mais consciência das coisas positivas que o meu nascimento representou para o mundo”, disse.
Louise realça agora alguns dos aspetos positivos que resultaram do seu pioneirismo. “Adoro viajar e conhecer pessoas FIV — especialmente pequenos bebés — e é muito frequente as pessoas abordarem-me e agradecerem-me por ter sido a primeira”.
“Francamente, acho que os verdadeiros pioneiros foram os meus pais e a equipa de Patrick Steptoe e Bob Edwards. Eu sou apenas o resultado do seu trabalho pioneiro. Agora que estes quatro pioneiros morreram, eu sinto que é importante conservar a sua memória viva e esta é uma das razões para o livro nesta altura da minha vida”, declarou.
O que não deve ser difícil, uma vez que a imprensa continua “fascinada” com a sua pessoa, para o bem e para o mal.
Louise conta que “umas pessoas ignorantes” colocaram “coisas estranhas” sobre si na internet. “Eu ignorei essas coisas e segui com a minha vida normal”, frisou.
Uma das dúvidas sobre estas crianças que mais tempo demorou a ser esclarecida foi em relação à sua própria fertilidade e também nesta área a família Brown deu um pioneiro contributo.
Isto porque a irmã de Louise, que também nasceu através de uma FIV, foi mãe naturalmente, transformando-se na primeira pessoa nascida por este método a ter um bebé de forma espontânea.
Desde o nascimento de Louise, mais outras cinco milhões de crianças vieram ao mundo com a ajuda da ciência, nomeadamente de técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) como a FIV.
Louise já conheceu algumas destas crianças, sentindo com algumas delas muito em comum. “É fantástico quando ouço algumas das histórias dos seus pais e de como são felizes por terem conseguido um filho”.
E sobre a coragem da mãe — que se submeteu a uma técnica ainda desconhecida na altura — Louise sublinha que só o seu grande desejo em ter um filho fez com que ela, “uma senhora tímida e reservada”, se expusesse ao mundo.
De certa forma, prosseguiu, “a minha mãe sentia que tinha de partilhar-me com o mundo, pelo que submeteu-se a uma nova FIV, da qual nasceu a minha irmã Natalie”.
“Para mim, a mãe era apenas a mãe, mas ela merece ser recordada por todas as mulheres em todo o mundo pela forma como, silenciosamente, mudou o mundo”.
E às mulheres que, como a sua mãe, querem e não conseguem ser mães, Louise aconselha: “Nunca desistam, pois não há nada como a alegria de ser mãe”. Louise Brown é mãe de dois filhos, nascidos de forma espontânea.