A Vila Berta está toda enfeitada. Cheira a manjerico e a sardinha. Corta-se o chouriço assado às rodelas. Estamos no mês dos santos populares e não há bairro de Lisboa que não se encha de arcos e balões.
Antes, o arraial foi outro nesta rua perpendicular à do Sol à Graça. A equipa de filmagens do remake de Pátio das Cantigas invadiu a vila e aproveitou todos os seus recantos para esta versão do século XXI, a estrear a 30 de julho. O ator César Mourão foi convidado por Leonel Vieira para interpretar o papel de Narciso Fino que, em 1942, coube ao mítico Vasco Santana.
Ó Evaristo tens cá disto?
Se, por um lado, a ideia deste filme foi descolar da versão antiga para evitar comparações, a base da história manteve-se e há cenas a que não se conseguiu fugir. Por exemplo, logo à entrada da vila montou-se um candeeiro fictício para que César pudesse pedir-lhe lume.
Vossa excelência vai perdoar-me a inconveniência, mas podia fazer o obséquio de me dar um bocadinho do seu lume?
Pode ser uma honra interpretar o mesmo papel de Vasco Santana, mas César Mourão não está menos orgulhoso com a surpresa saída da sua última viagem ao Brasil. Quase de repente, tornou-se no primeiro português (e estrangeiro) a participar num sketch do grupo humorístico Porta dos Fundos. Mas o namoro vinha de longe.
“Já me tinham convidado mil vezes, mas agora apanharam-me no Brasil e disseram-me: ‘Desta não escapas!'”
Durante uma tarde inteira, o português teve tempo para conhecer o seu texto, gravar com os humoristas Gregório Duvivier e João Vicente (e com a atriz convidada Gisele Itie), uma paródia de dois minutos. ?E fez de… português. E a história conta-se de uma penada: uma empresa contrata uma venezuelana para presidente e pede a um transmontano que traduza o que ela diz. Só que afinal percebem melhor o castelhano do que a língua de Camões. Por coincidência, foi algo com que já brincara durante a entrevista que deu a Jô Soares, no Programa do Jô, em 2013. Daqui a menos de um mês, poderá checar a historieta num computador perto de si.
“Porquê eu? Talvez por ter vivido no Brasil e por ter o mesmo tipo de humor que eles.”
Parece que o Porta dos Fundos tem mais sketches escritos a parodiar portugueses e que gostaria de repetir a dose com César Mourão. Se lá ou cá, só depende da facilidade do encontro, porque a experiência foi ótima, a disposição boa e as pessoas inteligentes. Tudo igual a Portugal, à exceção da carga do sucesso estrondoso que o grupo goza na internet – o canal do YouTube tem mais de 10 milhões de subscritores, tantos quantos os habitantes de Portugal.
“Também abri outras portas em São Paulo com um grupo de improvisação, ao género Commedia a la Carte, que vai regressar em setembro ao teatro Villaret.”
Há turistas escaldados do sol lisboeta a entrar na Vila Berta de tablet em punho, deliciados com este recanto. Estranham o aparato em volta do jovem de calças de ganga justas e ténis, barba rala e cabelo desgrenhado. Ao contrário dos conhecedores habitantes da Vila que, à passagem, perguntam logo quando se estreia o filme, desejosos de ver as suas casas como cenário e os moradores como figurantes. Depois do aparato por que passaram, que venham de lá esses 15 minutos de fama.
“O Leonel Vieira pediu-me que tivesse o Vasco Santana na cabeça, mas que agisse como se ele tivesse nascido nos finais dos anos 1970.”
É por isso que no remake César Mourão conduz um tuk-tuk, namorisca estrangeiras nesta Lisboa cada vez menos portuguesa e faz malabarismo com um chapéu de palha (chapéus há muitos…). Difícil foi não debitar as deixas do filme antigo, porque o ator (que não se considera humorista) via-os em catadupa quando era criança e sabe-as todas de cor.
“A Canção de Lisboa sempre foi o meu preferido. E agora também vou entrar nele, com o Miguel Guilherme no papel que era de António Silva e a Ana Bola e a Maria Vieira a fazerem de tias.”
Neste caso, a realização ficou a cargo de Pedro Varela (que escreveu as adaptações d’O Pátio das Cantigas e d’O Leão da Estrela). As filmagens da nova versão só começarão em setembro, ainda sem um sítio definido. Até lá, haverá Esperança (um monólogo em que se transfigura de velha) no teatro Sá da Bandeira, no Porto. A televisão continuará em banho-maria, à espera do projeto ideal.
“Estou a fazer um refogado com a SIC, que pode ser o início de uma bela refeição ou guardar-se para outra oportunidade.”
Sal, a série passada em Cabo Verde, que protagonizava com João Manzarra, Salvador Martinha e Rui Unas, não vai ter follow up para já. Brasil seria o novo destino do quarteto. Por agora, para esse país só irá César – para voltar a estar com os seus amigos da Porta dos Fundos.
Currículo recheado
César Filipe Tapadinhas Mourão nasceu há 36 anos em Lisboa. E desde então, por onde tem andado?
- Começou a fazer teatro amador na escola
- Aos 18 anos entrou no Chapitô
- Estudou teatro, televisão e cinema no Rio de Janeiro
- Trabalhou com Herman José (o ídolo de infância), no Hora H
- A sua personagem Alzira era presença assídua no programa Fátima, na SIC
- Apresentou o Gosto Disto! na SIC
- Costuma ser responsável pelos momentos humorísticos dos Globos de Ouro
- Faz parte, há 15 anos, dos Commedia à la Carte, com Carlos M. Cunha e Ricardo Peres