Quando a Globo se apresentou, pela primeira vez, aos brasileiros, a 26 de Abril de 1965, Tony Ramos trabalhava na extinta TV Tupi, onde participou, pela primeira vez, numa telenovela. Em 1977, transferiu-se para a Rede fundada por Roberto Marinho, onde se mantem até hoje. Em entrevista à SIC, a propósito dos 50 anos da Globo, Tony Ramos falou do fundador, dos tempos da censura e da qualidade das novelas produzidas no PROJAC. Com o cuidado de nos explicar porque anda com a barba tão grande.
Tony Ramos – Eu estou a vir nesse momento das sessões onde nós fotografamos todos os aspetos possíveis de uma futura personagem. E aí a gente fotografa a barba como está agora, com 6 dias, vamos fotografar daqui a 20 dias para ver como fica com essa diferença, e vamos vê-la daqui a 45. A partir dessas fotos e de programas de computador nós vamos decidir. Não eu. Eu prefiro que o autor e os diretores decidam o que é melhor para eles na sua estética, naquilo que o espectador vai ver. A mim o que interessa é a psique da personagem, saber quem é este homem que eu vou fazer, este homem em fuga que se disfarça o tempo todo, que tenta provar a sua inocência, fugindo. Mais eu não posso contar.
Grande Reportagem – Em que fase se encontra a telenovela “A Regra do Jogo”? (Estreia prevista para Setembro)
TR Estamos na fase da pré-produção. O autor, o José Emanuel Carneiro (mesmo autor de “Avenida Brasil”), ele se reúne com a diretora Amora Mautner e seus diretores assistentes. Já tivemos jantares, almoços, encontros, onde o autor vai dizendo para mim o que é que ele pretende. É assim que funciona aqui na TV Globo, com estes encontros preliminares entre o autor e alguns atores que são da história central e que precisam de ter orientações sobre aquilo que o autor imagina. Não tudo, porque jamais ele irá dizer como vai ser o final, mas, pelo menos, qual o caminho a tomar em função da psicologia de cada personagem.
GR O pormenor da sua barba diz bem do detalhe que vocês, aqui na Globo, colocam em cada produção.
TR Você tem toda a razão. Isso me dá um grande orgulho, não um orgulho indecente, um orgulho burro (risos). O orgulho de reconhecer nesta empresa, na qual estou há 40 anos, que é uma empresa sempre preocupada com o espectador. Ela não está preocupada em dizer “olha como fazemos bem!”. Numa personagem nunca nada é desnecessário. Faltará sempre alguma coisa e você poderá sempre errar. Então, esse é um jogo entre ator, espectador, autor, realizadores e empresa mas o que é bonito na Globo é que ela acredita na mão-de-obra que a faz.
GR O que é que a Globo trouxe de novo às telenovelas que se faziam na extinta TV Tupi, onde o Tony Ramos iniciou a sua carreira?
TR Você há-de entender que nós fizemos novelas, tanto na Tupi como aqui na Globo, sob o chicote de uma ditadura militar terrível, férrea. Havia a censura prévia do texto e depois a censura sobre a imagem. Havia militares que circulavam pelos departamentos de edição a ver se estavam a editar alguma coisa diferente daquilo que tinha sido aprovado. Então, eu vivi e cresci sob essa espada terrível de Dâmocles, de corte e cerceamento absoluto da liberdade. Na década de 60, quando eu começo, você não podia discutir a homossexualidade, a liberdade de imprensa, a liberdade em si. Você era cerceado. Depois, quando nos libertámos da censura, começou a discutir-se que estava tudo avançado demais, que tinham saudades da “água com açúcar”, das temáticas mais suaves, o que é um contrassenso dos próprios espectadores. Mas eu entendo. Há um certo susto com aquilo que é revelado e o espectador diz “como lidar com isso?”
GR As novelas são alienantes, como muitos dizem?
TR Não! Já foi dito de tudo, que as novelas são o ópio do povo, tudo! Enquanto a novela foi cerceada pela censura você podia dizer que era alienante, como se dizia do futebol. Agora, se você espera uma sofisticação intelectual, que passe, por exemplo, por colocar Proust na novela, de A a Z, não importa a categoria social, o espectador vai fugir. A gente tem que separar. A educação tem de vir de cima para baixo, tem de partir da orientação do governo. Eu quero um governo no meu país que ocupe a criança a partir das sete da manhã até às quatro da tarde, dando-lhe condições de estudo e de fazer o melhor possível.
GR Em 2013, a Globo assumiu publicamente que o apoio dado ao regime militar implantado em 1964 foi um erro. Como viveu esse momento?
TR Me senti feliz. Nós não podemos mais, nunca mais, colocar tudo para baixo do tapete. Eu senti que em algum momento a Globo faria isso, como fez. Agora, outros não o fizeram. Fala-se muito da Globo porque há um incómodo pelo facto de ela dominar a audiência.
GR Agora que a Globo celebra os seus 50 anos (foi fundada a 26 de Abril de 1965) que memória guarda do fundador, Roberto Marinho?
TR Grande figura! Há uma frase linda dele que diz “eu não contrato ideologias, eu contrato talentos”. Isso diz bem do homem que ele era. Um homem absolutamente requintado, de uma cultura vastíssima. Um homem justo.
Tony Ramos é um dos intervenientes da Grande Reportagem “Brasil Global” que a SIC apresenta hoje no Jornal da Noite
-
Grande Reportagem sobre os 50 anos da TV Globo, no Jornal da Noite da SIC
-
Atores da favela que brilham na novela – Expresso
-
TV Globo em festa – Caras