Um grito apache propaga-se pela Herdade da Granja, na raia beirã, transformando-se de imediato num hino coletivo. São uivos espontâneos, como a onda humana ziguezagueada nos estádios de futebol. Trinta mil pessoas, de 152 países, unidas, à beira do lago, com um único propósito: serem felizes.
No Boom Festival, evento de música trance que decorre em Idanha-a-Nova até à próxima segunda-feira, 11, ao contrário de outros festivais de verão (que têm inúmeras atividades patrocinadas para fazer antes, durante e depois dos concertos de estrelas rock), os boomers podem simplesmente viver, ora em comunhão com a Natureza, com os outros, consigo próprio ou com a música psicadélica.
Esgotado pela segunda vez (já em 2008 alcançara o feito), e com apenas dez por cento dos bilhetes comprados por portugueses, o Boom é uma cimeira das boas vibrações, que se realiza de dois em dois anos na altura da lua cheia de agosto, a iluminar o céu no próximo domingo, 10. “A cada edição, o festival renova-se, construindo novas estruturas e refazendo a programação, mas mantendo sempre o conceito baseado na interculturalidade, na sustentabilidade, na cultura independente e na expressão artística “, diz Artur Mendes, da organização.
São 150 hectares para quatro áreas de música (duas de eletrónica, uma de world music e outra chill out) e zonas para workshops, rituais, meditações, pintura, teatro, cinema e performances.
ALEX E JAMILLOUX
O PAI E O FILHO
Chegaram à Idanha vindos de Berlim, na Alemanha, dez dias antes de o Boom arrancar. Agora, a meio do festival, vão dar uma volta pelo País, e regressam para o final, para aproveitar mais desta “espécie de paraíso na terra”. Jamilloux tem apenas um ano e meio, mas já é a segunda vez que vem ao Boom Festival. A estreia aconteceu há dois anos, ainda na barriga da mãe, Haouika. É a mistura de nacionalidades, 30 mil pessoas de 152 países, que mais atrai Alex, 34 anos, que também trabalha como voluntário na galeria de arte e no apoio de som. Como não é grande apreciador de música trance, a zona destinada aos boomers mais novos, o Bim Bam Boom, é a ideal para passar o tempo entretido com o filho.
LUCY LEGAN
A ECOLOGISTA
A culpa de haver 310 casas de banho compostáveis no Boom é desta australiana que mora no Brasil, há 15 anos. Quando Diogo Ruivo, um dos quatro membros da discreta organização, conheceu Lucy Legan no EcoCentro IPEC, um instituto de permacultura no Cerrado, em Pirenópolis, não hesitou e desafioua a levar para a Idanha o sistema sustentável de casas de banho. Sem águas ou químicos, os dejetos humanos são tratados de forma a virem a reflorestar os 150 hectares da Herdade da Granja. Mais de 80% dos materiais usados na construção das várias instalações e estruturas do festival são reutilizados ou naturais: 45 mil toneladas de madeira, 50 mil de plástico, 600 de metal, fardos de palha, terra, raízes, madeira, bambu, cana, adobe e pedra. Também na zona de restauração, o Boom conseguiu que todos usem copos, pratos e talheres feitos de milho, bambu ou fécula, materiais amigos do ambiente. A vertente ecológica já valeu ao festival distinções tão importantes como Outstanding Greener Festival, nas últimas três edições, Green’n’Clean Festival of the Year, em 2010, e Inspiração Verde, em 2012. Inspirada por Gandhi, que dizia conhecer-se a cultura de um povo quando se vê como as suas crianças reagem à natureza, Lucy Legan, 48 anos, começa a passar o seu legado ao neto de um ano e poucos dias. Ravi anda num carrinho feito de madeira e metal reciclado, uma criação de vários artistas do festival.
MARIANA, RUTE, ALLA E NUNO
OS PORTUGUESES
Alla Kravchenko, 21 anos, é o elo de ligação entre os quatro amigos. Namorada de Nuno Moreira, 36 anos, estudou Artes Visuais, em Coimbra, com Mariana Malhão e Rute Macedo, ambas de 19 anos. “O Boom é uma lição de consciência. Inspira-nos para sermos mais criativos”, diz a jovem ucraniana com a pronúncia cerrada do norte, própria de quem já cá mora há uma década. Longe do bulício citadino, o quarteto explica que no festival conseguem perceber os ciclos do dia, havendo uma maior conexão com o mundo e com a natureza. Não têm dúvidas de que este “é o mundo ideal”. O facto de não haver estrelas rock na programação ou patrocínios de marcas desperta-lhes a atração pelo desconhecido. Em edições passadas, Nuno tentou fazer uma agenda do que quer ver, mas este ano vai deixar-se levar pela arte, sem perder a atuação de Anoushka Shankar, filha do músico indiano Ravi Shankar, na sexta-feira, 8. Por estes dias, no Flea Market, Nuno reencontrará muitos dos artesãos indianos que, em 2011, conheceu na viagem de um ano e três meses que também o levou à Tailândia e ao Nepal. Numa tentativa de se conhecer melhor, deixou para trás uma empresa de roupa urban wear.
JEAN-FRANÇOIS
O PROFESSOR DE YOGA
Isolado e em comunhão com a natureza, Jean-François, 38 anos, professor de yoga de Montpellier, França, esperou que a temperatura baixasse e o vento soprasse ainda quente e seco para exercitar o corpo e a mente, à beira do lago. Um momento íntimo no meio da multidão que já andava pela Herdade da Granja. Estreante no Boom, Jean-François veio com dois amigos que lhe descreveram o festival como uma experiência de partilha. É o que ele espera dos workshops, conferências, palestras e encontros que se realizam na Healing Area e no Sacred Fire, uma espécie de bosque encantado saído de um filme. Quem sabe se não vai conhecer um guru do yoga, e numa próxima edição poderá ser um dos artistas convidados para partilhar uma experiência.
ANDROID JONES
O ARTISTA
A inspiração pode vir do surrealismo de Dalí ou do cubismo de Picasso. Para Android Jones, 36 anos, não há barreiras tanto pode desenhar a lápis, a óleo ou em acrílico, como no computador. Para a obra de arte digital Trancindia, o norte-americano, nascido no Colorado, bebeu do conceito do trance e juntou-lhe a transcendência do conceito Boom. Sendo o Feminino o mote da décima edição, é entre quadros com seres mitológicos com asas, musas, ninfas e deusas que conversamos com este responsável pelo MOVA, Museum of Visionary Art. Android Jones entrou para o Boom em 2008 e, a cada ano que passa, sente uma evolução. “É como numa família: quando conhecemos a personalidade de todos, a comunicação vai melhorando e reforçando os laços”. De uma coisa não tem dúvidas: “Todos estão aqui porque querem mais amor, querem ser amados e querem apaixonar-se.”
FRANK, PETER, CLEMENS E CLEMENS
OS MADUROS
Há mais de uma década, Frank esteve metido na cena psytrance, chegando a visitar muitos festivais europeus do género. Atualmente, com 47 anos, cabelo verde fluorescente e a trabalhar na edição de vídeo de um canal de televisão, não tem dúvidas em afirmar que o Boom é mesmo o melhor de todos. “O local é mágico”. A criatividade e energia recebidas não têm comparação. Frank viajou de avião desde Frankfurt até Madrid e juntou-se, de carro, aos amigos, Peter, o pintor, 71 anos, e os dois Clemens, ambos carpinteiros, de 48 e 50 anos. Certamente, irão viver uma trip em jeito de Space Cowboys.
LUTZ
O PROGRAMADOR DE SOFTWARE
Depois de ter conduzido quarenta horas, desde Hagen, na Alemanha, até Idanha-a-Nova, Lutz esperou mais seis horas para entrar no recinto do Boom. Descontraído e de sorriso aberto, o programador de software, 49 anos, está ali com um único propósito: dançar a noite toda. É a música psicadélica que o atrai neste festival da Beira Baixa. Mas o lago, a zona de campismo, as casas de banho sustentáveis, o amor e espírito vividos ao longo de uma semana também merecem os parabéns.