O cirurgião José Carlos Noronha lança novo livro, com prefácio de José Mourinho e Cristiano Ronaldo
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Há segundos que têm o poder de desenhar toda uma vida.
O instante decisivo de José Carlos Noronha aconteceu há 31 anos quando, durante um jogo de futebol, sofreu uma rotura do ligamento cruzado anterior no joelho direito.
A lesão afastou-o do desporto favorito (que ainda jogou ao lado de Henrique Calisto, no Grupo Desportivo Santa Cruz de Alvarenga), mas acabaria por simplificar ao então estudante de Medicina em Coimbra a escolha da especialidade.
Seguiu Ortopedia, já se percebeu.
Dentro dela, haveria de centrar-se no joelho e numa área muito específica: esse maldito ligamento cruzado anterior que tantas dores de cabeça dá aos jogadores de futebol.
Hoje, o médico nascido no Rio de Janeiro, com a infância passada em Alvarenga (Arouca), é considerado um craque na matéria a nível mundial, a ponto de haver quem viaje milhares de quilómetros para se submeter aos seus tratamentos. Derlei foi por ele operado, quando ainda jogava no FC Porto. O futebolista transferiu-se, depois, para o Dínamo de Moscovo, mas, sempre que tinha lesões, deslocava-se à Invicta, para ser visto por José Carlos Noronha. Costinha também. O chileno Pablo Contreras veio propositadamente da Grécia tratar uma lesão nos dois joelhos, recomendado por Sérgio Conceição, seu então colega no grego PAOK. Conceição não poupa elogios ao médico: “Como profissional, é o que se chama um craque. Como pessoa, é verdadeiramente especial simples, divertido, humano.” José Carlos Noronha, aliás, não perde a conta nem o rasto a todos os que lhe passam pelas mãos.
A lista é extensa (inclui Anderson, Ashley Cole, Diego, Lucho, Robben… ver caixa), e nela, por extremo azar, entrou agora o defesa-central Pepe, de que a selecção portuguesa muito precisa no Mundial que está aí à porta.
Soporífero antitensão
A conversa com a VISÃO, no seu consultório no Oporto Medical Center, assemelha-se mais a um jogo do que a uma entrevista. A cada nome de futebolista que referimos, o cirurgião não se limita a confirmar que o tratou. Sabe de cor o clube onde estão todos os joelhos que curou e, se por acaso a memória o trai (só aconteceu uma vez), pega no iPhone e navega, persistente, até encontrar a informação. “West Bromwich”, solta de repente. É lá que joga Filipe Teixeira.
Paixão por futebol? Sim, mas sem exageros.
Isto de saber onde está cada um dos pacientes é mesmo dever profissional: “Há interesse em ver o resultado. Se ficam mal, acaba-se a carreira. É um mundo de esperanças que se desmorona”, explica.
As operações a futebolistas deixam-no, por isso, sob tensão redobrada: “Temos em mãos jogadores que valem milhões e com um mediatismo que nos traz uma responsabilidade enorme.” Às vezes como aconteceu agora com Pepe, toma um comprimido para dormir na véspera da cirurgia: “Quero ter a certeza de que descanso bem.” No caso do defesa do Real Madrid, os jornais espanhóis, que Jorge Mendes, empresário de Pepe, lhe trouxe, e que tem em cima da secretária do consultório, não podiam transmitir mais confiança ao médico. No diário desportivo Marca, por exemplo, a polémica em torno da escolha de um cirurgião português é afastada: En buenas manos, lê-se no título de um artigo em que se lembram as glórias clínicas de José Carlos Noronha.
Mais do que informar-se sobre os pacientes, o médico mantém contacto com quase todos os que lhe passaram pela marquesa. Muitos tornaram-se mesmo amigos pessoais. Mas não é preciso pisar relvados para ter o telemóvel do cirurgião.
Homem acessível, de trato simples, dá o número a todos os doentes. “Além de excelente especialista, é um ser humano com ‘h’ grande”, diz um paciente que lhe entrega uma lembrança de Boas Festas durante a entrevista.
Este é o tipo de elogio que trará certamente à cabeça de José Carlos Noronha a figura do Doutor Brito, o médico da aldeia onde cresceu. “Pessoa calma, inspiradora de confiança”, descreve, a quem, numa família sem tradição médica, deve em parte a opção profissional.
Mas o pai do cirurgião, negociante em madeiras, e a mãe, professora do ensino básico, não estranharam, por certo, a escolha do filho do meio. Desde pequeno, viram José a fazer autópsias aos pássaros que caçava com uma arma de pressão de ar. “Gostava de ver o que comiam e depois ia procurar as sementes para dar aos outros”, recorda o cirurgião. Mas foi sobretudo nos ossos dos cães de caça do pai que as mãos do futuro ortopedista começaram a praticar: “Alguns ficavam pior do que estavam, mas continuavam a caçar”, reconhece. E agradece-lhes: “Estimularam o meu sucesso.”
Trabalho? Só três dias
Ambição desmedida não combina com este cirurgião de 55 anos, também investigador principal do Centro de Tecnologia Mecânica e Automação da Universidade de Aveiro. É casado com uma médica e tem uma filha Olga, desenhadora de jóias, a viver em Londres. Aos 40 anos, José Carlos Noronha decidiu que se doutoraria e deixaria a Função Pública, para se dedicar apenas ao privado. Cinco anos depois, com esses objectivos cumpridos, optou por concentrar todo o trabalho em três dias apenas: “Programei tudo para ter a qualidade de vida com que sempre sonhei.” Às segundas, opera na Ordem da Trindade, às terças de manhã dá altas.
Terça à tarde e quarta, durante todo o dia, atende os pacientes num consultório simples, onde pouco mais há do que posters com imagens de joelhos.
Mesmo sem trabalho, nos restantes dias já está levantado às sete da manhã, e o tempo chega-lhe para as leituras as de Medicina e as lúdicas. Cultiva, ainda, o gosto pela pintura. É coleccionador de autores conceituados, mas também de jovens promessas.
Dos tempos de criança, muito parece ter ficado. Além da paixão pelo FC Porto, o pai transmitiu-lhe o encanto pela caça. Ainda hoje caçam juntos e a loucura de José Carlos Noronha pelas lides cinegéticas é tal que possui dois perdigueiros em Moçambique, na herdade de um amigo. Todos os anos, passa lá uma semana de férias à caça, claro. Este ano, aproveitará para ir ao Mundial, na África do Sul. Se tudo correr pelo melhor, não esconde que há-de orgulhar-se de uma boa jogada de Pepe. Como se, no futebolista, estivesse um pouco dele. Como se, através dos pacientes-estrelas, também o futebolista que moldou o cirurgião voltasse aos campos.
Alinhados por Noronha
Eis alguns dos futebolistas que passaram pelas mãos do cirurgião
Lucho Gonzalez, Ricardo Carvalho, Diego, Robben, Anderson, Ashley Cole, Bruno Morais, César Peixoto, Delibasic, Derlei, Filipe Teixeira, Hélder Barbosa, Nuno Piloto, Orlando Sá, Pablo Contreras, Pedro Emanuel, Pepe, Rabiola, Ricardo Costa, Robert Huth, Sereno, Sérgio Conceição, Ukra