Quando o povo sofre, os templos enchem-se. Sobretudo os das correntes evangélicas, mais dinâmicas do que as católicas. A recessão, a austeridade e o desemprego são os melhores aliados daquelas confissões, que adaptam o discurso à atualidade e falam dos problemas terrenos dos fiéis. Mas, para algumas igrejas, a crise é também um filão – crentes vulneráveis são mais fáceis de manipular.
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ENTREVISTA/EXCLUSIVO ONLINE
“Os evangélicos prometem uma retribuição de Deus, aqui e agora”
PAULO MENDES PINTO, Historiador, diretor do Mestrado e Licenciatura em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona
Em tempos de crise, há mais gente a procurar os caminhos da Fé?
Há de facto um crescimento daquilo a que podemos chamar o crente praticante, em todas as confissões. As pessoas estão a ir mais à igreja, procuram mais acolhimento, apoio, motivação… No fundo, procuram no microcosmos que é uma comunidade religiosa aquilo que não encontram no macrocosmos que é a sociedade.
Os protestantes são um dos grupos com maior crescimento. Porquê?
O movimento evangélico no seu todo está a crescer bastante. Há muitas igrejas novas a abrir, em todo o País, e a perceção que temos é a de que são sobretudo grupos das Assembleias de Deus. Estes grupos nasceram dentro do movimento carismático, acreditando que aquilo que aconteceu no dia de Pentecostes pode acontecer a qualquer momento e a qualquer pessoa. Isto é, qualquer crente pode receber o Espírito Santo e obter as maravilhas e as graças que quiser.
Estes novos fiéis são dissidentes da igreja católica?
Presumimos que sim, que seriam sobretudo católicos sem prática religiosa, por não se sentirem atraídos pelo ritual católico. O protestantismo traz algo de muito atrativo, em relação ao universo católico, que é a ligação direta a Deus. O padre deixa de existir enquanto mediador e há uma valorização do indivíduo, que é colocado no centro desta relação de fé. Na igreja católica a salvação só está garantida através de um conjunto de ritos e de práticas onde o padre está sempre – como a confissão, que, feita de forma honesta, para que os pecados possam ser limpos, implica uma exposição brutal.
Por que continuam a ser tão atrativas as igrejas neopentecostais, como a IURD?
Pelo seu discurso muito virado para o lado económico e financeiro. As igrejas como a IURD e a Maná, e todos os grupos que nascem de dissidências destas, pegaram em alguns episódios bíblicos para criarem o que se convencionou chamar “Teologia da Prosperidade”, aplicada em reuniões destinadas a multiplicar dinheiro. Enquanto a igreja católica e as igrejas protestantes históricas oferecem uma salvação no céu, no fim dos tempos, as neopentecostais prometem uma retribuição de Deus aqui e agora.
A alegria dos rituais evangélicos, bem como a ausência da noção de culpa, poderão ser também motivos de atração?
A música está sempre presente, e é muito apreciada, e não existe, de facto, um acentuar da noção da culpa. Toda a “Teologia da Prosperidade” assenta na reinterpretação de um aspeto calvinista que é a questão da predestinação. As igrejas neopentecostais vêm dizer que para todo o indivíduo Deus tem uma recompensa. “Tu não tens direito a sofrer; tu tens direito a tudo o que é bom e que Deus criou no mundo”. O discurso em nada passa pela culpa, antes pelo contrário: perante Deus, têm-se direitos. Basta reclamá-los.
E há mesmo quem consiga reclamá-los?
A verdade é que ao estudar estes movimentos se constata que a “Teologia da Prosperidade” resulta. Os crentes destas igrejas saem das reuniões com uma motivação renovada, com capacidade para enfrentar mais uma semana de trabalho com outra força, e acabam por ter mais sucesso nas suas vidas profissionais.