1 – Eterna Trajano
A ponte romana de Chaves mantém praticamente intacta a estrutura original
De um só lance, o olhar abarca a ponte milenar, o zimbório da Igreja da Madalena (reinado de D. João V), o casario branco, as árvores centenárias do Jardim Público. Por instantes, centre-se a atenção apenas nas voltas graníticas da travessia sobre o Tâmega. A visão será semelhante à tida por um antepassado longínquo… Desde a sua construção (fim do séc. I, início do séc. II), a ponte de Trajano, em Chaves, mantém praticamente intacta a estrutura. Acrescentaram-se talhamares, pilares para iluminação, alterou-se o tabuleiro (até há poucos anos ainda passavam carros) e as guardas, hoje de ferro, renderam, em finais do séc. XIX, as de pedra (colocadas, por certo, já na Idade Média).
Esta ponte é sinal da importância de Aquae Flaviae no império romano, quando ficava na via que ligava Braga a Astorga. “Aqui existia um Mansio, onde descansavam os soldados que vinham da frente de batalha. A cidade desenvolveu-se depois por causa das águas termais”, explica o arqueólogo Sérgio Carneiro. O especialista desvenda-nos os segredos da ponte a partir da esplanada do 7.ª Arte Bar, com o rio aos pés. É privilegiada a vista para os arcos da ponte. São 15, e dois escondem-se sob as casas erguidas nas extremidades. Era aí que ficavam, antes, os padrões com inscrições em latim, hoje colocados no centro da travessia. Um comemora a sua construção, o outro enuncia os dez povos que contribuíram para uma obra não identificada. Curioso é saber a razão dos furos nas pedras dos arcos: “Neles encaixavam os fórfex, ganchos em metal, para colocação das pedras através de gruas de madeira”, revela Sérgio Carneiro. No séc. XVII, a ponte ruiu parcialmente – para reerguer-se logo depois.
2 – Fortaleza e ponte de Valença
Cinco quilómetros de perímetro amuralhado, concluído no séc. XVIII, fazem a mais importante fortaleza do Alto Minho. As pequenas ruas, no interior, fervilham com comércio. No edifício da antiga câmara municipal e cadeia, fica o museu com o espólio arqueológico do concelho, além de informações acerca da fortificação medieval. Dali se avista a ponte metálica sobre o rio Minho, ao estilo Eiffel, por onde os peregrinos do caminho de Santiago fazem a travessia para Espanha. Neste momento, a ponte rodoferroviária está em obras de reabilitação.
3 – Castelo de Bragança
É marcado pela imponente torre quadrangular e por uma cintura de muralhas com vários torreões circulares, do séc. XV. Na torre de menagem, está instalado o museu militar. Dentro da cidadela, há o Domus Municipalis, um monumento da arquitetura civil românica, que se presume ter origens no séc. XIII. Com uma planta pentagonal, possui dois corpos distintos – a cisterna (no piso inferior) e a ampla sala de reuniões do conselho municipal, com belas janelas em arco.
4 – Na terra dos Bracarus
A Citânia de Briteiros é um expressivo povoado proto-histórico ibérico
‘Em Portugal, é uma exceção”, conta o arqueólogo Gonçalo Cruz, encarregue da visita guiada. Um castro cuja propriedade e gestão pertence a uma entidade privada, a Sociedade Martins Sarmento (SMS). Afinal, deve-se à curiosidade e erudição do seu fundador, Francisco Martins Sarmento, as escavações que puseram a descoberto a Citânia de Briteiros, em Guimarães, de onde era natural. Um dos mais expressivos povoados proto-históricos da Península Ibérica, habitado pela comunidade dos Bracarus. Para as crianças, uma verdadeira aldeia de Astérix, no alto do Monte de S. Romão, com uma vista privilegiada das redondezas.
Dos 24 hectares do terreno, apenas sete foram escavados. Ruas, núcleos residenciais, muralhas, casa do conselho, balneário… aos poucos, o povoado da Idade do Ferro – cuja época áurea estende-se do séc. II a.C. ao séc. I d.C. – vai revelando-se. Os materiais recolhidos têm sido guardados na casa-mãe da SMS, em Guimarães, e, mais recentemente, também no Museu da Cultura Castreja, em S. Salvador de Briteiros, a cerca de um quilómetro das ruínas. A Citânia de Briteiros é um sítio arqueológico visitável desde 1936 – um dos mais antigos de Portugal. Hoje, recebe entre 15 mil a 20 mil visitantes, por ano. “Não é aconselhável muito mais, para não perturbar o funcionamento e a conservação”, diz Gonçalo Cruz. O facto de ser mencionada em manuais escolares tem-lhe garantido atenção. Mas está por concretizar a candidatura conjunta, com outros castros do Noroeste peninsular, a património da Humanidade. A comissão foi criada; o projeto, contudo, arrasta-se há anos…
5 – Mosteiro de Tibães
Desde 1986, ano em que foi adquirido pelo Estado, tem sido alvo de obras que lhe devolveram o brilho de outrora, quando funcionava como a casa-mãe da congregação beneditina, que o ocupou a partir do séc. XI. A igreja, grandioso templo do barroco, ou a cerca conventual, pela riqueza da fauna e da flora, tornam Tibães num local de visita obrigatória. O projeto de recuperação permitiu a instalação de uma hospedaria e de um restaurante, geridos pelas Missionárias da Imaculada, e de um centro de estudos de ordens monásticas. T. 253 622 670.
6 – Mosteiro de Santa Maria das Júnias
As ruínas do mosteiro beneditino, fundado no séc. XII, estão isoladas no belo vale da ribeira de Camposinho, em Montalegre. Apesar das portas fechadas, o passeio é recompensador, seguindo as sinalizações, a partir do cemitério, às portas de Pitões das Júnias. Aconselha-se uma caminhada pelo carvalhal do Beredo, até se chegar a um passadiço de madeira, que conduz a uma varanda com uma vista privilegiada de uma cascata, com cerca de 30 metros de altura.
7 – Aldeia com pergaminhos
Entre o Douro e a serra da Estrela, Marialva apresenta os seus trunfos
Primeiro, veio a classificação como aldeia histórica, nos anos 1990. Depois, foi inaugurada a guest house Casas do Coro, colada ao castelo, que converteu casinhotos simpáticos, de granito, em unidades de turismo requintadas, que se mesclam com a povoação. Dividem-se as opiniões sobre qual dos acontecimentos contribuiu mais para a divulgação de Marialva, sede de concelho até meados do séc. XIX (quando foi incorporada no de Meda). Mas não estamos perante um turismo de massas. Longe disso. Nas ruas quase desertas, parece que se descobre um segredo bem guardado.
Para os primos Carlos Cardoso e Helena Santos, este é um retorno. Há décadas partiram da região, ele para Almada, ela para bem mais longe, Massachusetts, nos EUA. De viagem a Portugal, Helena acompanha o primo num passeio pela Beira Interior. “As praias são todas iguais, este património é muito mais rico.” No interior das ruínas do castelo, há um dedo de D. Afonso Henriques. De pé, continuam a Igreja de Santiago, com o seu altar de talha despido de dourados, ao estilo barroco nacional, e a Capela do Senhor dos Passos, com original púlpito exterior, dos sécs. XVII e XVIII.
Fora de muralhas, casas reabilitadas, algumas com a típica arquitetura judaica, de balcão, formam um conjunto harmonioso. Ali vive uma população envelhecida, de cerca de 60 pessoas, agarrada a uma agricultura de subsistência. Espaços comerciais escasseiam, ganhando mais relevo as tais Casas do Coro, que conquistaram hóspedes fiéis. “As melhores casas são sempre reservadas em primeiro lugar”, diz-nos a gerência.
8 – Castelo de Penedono
Com a sua planta poligonal e torres invulgares, foi a residência de Álvaro Gonçalves Coutinho, ou O Magriço, o mais importante dos Doze de Inglaterra, cujos feitos ficaram imortalizados n’Os Lusíadas. O castelo atual resulta de uma reconstrução quase integral feita nos finais do séc. XIV. Instalado numa cota de 930 metros acima do nível do mar, oferece uma bela vista das redondezas.
9 – Fortaleza de Almeida
Após a restauração da independência, em 1641, avançou-se ali com a construção de fortificações abaluartadas. Na sua versão final (1747), a praça-forte de Almeida era uma estrela de 12 pontas. Com as invasões francesas, foi parcialmente destruída, após a explosão de um paiol, em 1810. É envolvida por um fosso de 12 m de largo, ao longo de um perímetro de 2,5 km. O monumento tem, no seu interior, edifícios dignos de visita.
10 – Enigma que persiste
De construção romana, a torre de Belmonte resiste ao tempo, associada a lendas várias
Encurralada entre vinhedos e o casario de Colmeal da Torre, Centum Cellas impõe-se nesta aldeia beirã com os seus 12 metros de altura, traços perfeitos e singulares, e uma mão-cheia de histórias. À falta de consensos, multiplicam-se explicações, lendas e fenómenos para a enigmática torre romana de Belmonte. As ruínas com três pisos, destapadas em escavações dos anos 1990, revelam um edifício que se admite possa ter sido ainda maior, construído no século I. Diz-se, por exemplo, que a sombra produzida nas suas extremidades, direcionadas para os pontos cardeais, chegariam em tempos para alcançar os 254 quilómetros que distam até Famalicão. Ou que, no seu interior, estará ainda por descobrir uma mulher com um menino ao colo e um bezerro em ouro.
A torre está classificada, desde 1927, como monumento nacional. Sabe-se, hoje, que foi uma villa romana, muito maior do que se encontra atualmente a descoberto, e propriedade de um abastado negociante de estanho, extraído na região. Foi povoada entre os sécs. I e IV. E, no séc. III, terá sido fortemente destruída por um incêndio, o que poderá explicar novos estilos arquitetónicos ali sinalizados. Sabe-se ainda que, na Idade Média, foi ali construída uma capela. Os investigadores suspeitam que existem muitos vestígios por encontrar nesta torre de enormes pedras, rasgadas à medida e com diferentes formas, e que resistem há mais de 2 mil anos.
11 – Castelo da Feira
É tido como um dos mais belos de Portugal. As suas torres pontiagudas destacam-no de outras fortalezas de traça mais comum. É ainda considerado um dos melhores exemplos da arquitetura militar defensiva utilizada entre os sécs. XI e XVI. A entrada é paga. T. 256 372 248.
12 – Ruínas de Conímbriga
Escavações revelaram que foi habitada entre os sécs. IX a.C. e VIII. Constituem uma das maiores povoações romanas de que há vestígios em Portugal, e estão abertas ao público desde 1930. Entre os diversos edifícios, destaque para o anfiteatro, com capacidade para 4 mil pessoas. No seu museu estão expostos vários objetos, após complexos trabalhos de restauro. T. 239 941 177.
13 – ‘Pérola’ recheada de História
O Mosteiro de Salzedas é uma maravilha arquitetónica de origem cisterciense
Serão os dois claustros, um do séc. XII e outro do XVII? A nave central da igreja? Os cadeirais em pau-santo? O absidíolo remanescente ou o altar-mor? O bairro medieval contíguo, com reminiscências de uma antiga judiaria? O Mosteiro de Santa Maria de Salzedas é uma maravilha arquitetónica de origem cisterciense, localizado no concelho de Tarouca (Viseu). Parte do conjunto monástico desapareceu, mas na área sobrevivente ainda se notam vestígios românicos, góticos e maneiristas. Também é testemunhável o inteligente uso que os monges faziam da água, servindo-se da torrente do rio Torno, que atravessa a cerca do antigo mosteiro.
Sobre o Varosa, a ponte e a Torre de Ucanha atestam a importância do couto monástico de Salzedas. A poucos quilómetros de Lamego, esta era uma relevante portagem – que mantinha cheios os cofres do mosteiro – e um ponto de defesa do território. A torre foi construída no séc. XV, a mando do abade de Salzedas, mas a ponte remonta a tempos anteriores, embora possa ter sido reconstruída por essa altura.
14 – Mosteiro de Arouca
Pode ter sido fundado no séc. X, mas só no séc. XII recebeu o foral que lhe permitiu tornar-se num importante centro religioso. Este mosteiro cisterciense alberga um museu de arte sacra e, na igreja, o órgão do séc. XVIII é um dos mais importantes da Península e foi recuperado há três anos. D. Mafalda, filha de Sancho I, viveu no mosteiro, e seria beatificada, em 1792, pelo Papa Pio VI. O edifício atual remonta ao séc. XVII e é possível visitar a igreja, o coro das freiras, os claustros e parte das zonas de serviços.
15 – Um museu ao ar livre
Em Idanha-a-Velha, corre-se o risco de, a cada passo, tropeçar num achado arqueológico
Muito próxima da fronteira, Idanha-a-Velha faz parte da rota de 12 aldeias históricas do centro do País. Mais parece um museu a céu aberto, onde, a cada passo, se corre o risco de tropeçar num achado arqueológico. Excetuando agosto, quando a população quase triplica com a chegada de emigrantes, esta é uma das aldeias classificadas que mais sofre com a desertificação. Habitam-na pouco mais de 60 pessoas. A eleição do presidente da Junta de Freguesia, por exemplo, é feita em plenário, e vota-se com a mão no ar. A desertificação, no entanto, ajudou a preservar as diferentes construções que se iniciaram no séc. I. E, nos últimos anos, o município de Idanha-a-Nova, onde está integrada, tem vindo a recuperar o património.
Transposta a porta norte, surge o maior solar da aldeia, a Casa Marrocos, recentemente adquirida pela câmara para um projeto de turismo. Um pouco abaixo, junto à Sé, encontram-se expostos mais de cem epígrafes, que constituem a maior coleção do País e permitem identificar famílias romanas que ali viveram. Mas o espólio da aldeia é vasto, incluindo, até, um lagar de varas artesanal, que foi totalmente recuperado e está apto para voltar a trabalhar.
16 – Ode a São Roque
À entrada do lisboeta Bairro Alto, uma igreja foi construída em nome do santo curandeiro da peste
Ao fundo, no altar da Igreja de São Roque, a pintura do retábulo é substituída consoante a época do ano. Agosto está reservado para a Assunção de Nossa Senhora. As duas coleções de relicários, uma de cada lado do altar, representam os santos e as virgens mártires. É a imponência do teto em madeira que nos faz seguir de nariz no ar. Pintado no fim do séc. XVI, por Francisco Venegas, pintor régio de Filipe I de Portugal, o teto teve “acrescentos” de Amaro do Vale, no início do séc. XVII. São momentos centrais do catolicismo como A Paixão de Cristo ou A Última Ceia. Em redor das janelas, figuram episódios da vida de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.
É na última capela do lado esquerdo, perto do acesso à sacristia, que São João Baptista é homenageado. Uma encomenda do rei D. João V, executada em Itália pelo arquiteto do Vaticano Luigi Vanvitelli, e trazida às peças para Portugal. As pedras preciosas e semipreciosas, como a ametista roxa e lápis-lazúli no altar, o alabastro nas paredes, e o verde antigo aliado ao pórfiro roxo nos degraus enriquecem a obra. O mármore de Carrara está presente nas esculturas figurativas: à esquerda, a Visitação (encontro de Santa Isabel e da Virgem Maria); à direita, São João Baptista a pregar no deserto. O tríptico de painéis em mosaico representa Pentecostes, Batismo de Cristo e Anunciação. O brasão do rei no candelabro é mais um sinal de opulência. Já no interior da sacristia, expõe-se o único ciclo de pinturas (20) da vida de São Francisco Xavier, do pintor luso André Reinoso.
É vestido como peregrino, com um bastão de caminheiro e acompanhado de um cão, que São Roque é representado na sua capela – edifício manuelino da segunda metade do séc. XVI. Nas paredes, um painel de azulejos, feito por Francisco de Matos, em 1584, revela São Roque a curar um cardeal. Uma obra-prima.
17 – Palácio do Conde de Oeiras
A mansão do Marquês de Pombal foi construída na segunda metade do séc. XVIII, seguindo um projeto de Carlos Mardel, o arquiteto húngaro que também inscreveu o seu nome no Aqueduto das Águas Livres. Barroca, a residência de férias do marquês destaca-se pelo traçado geométrico dos jardins (abertos todos os dias) e pela opulência dos seus interiores (para ver os estuques requintados e os azulejos é necessária marcação na Câmara de Oeiras). No jardim atravessado pela ribeira da Laje há, ainda, a Cascata dos Poetas, os lagares de azeite e a adega da quinta.
18 – Entre o sagrado e o profano
A biblioteca do palácio de Mafra é considerada uma das mais belas do mundo
A luz espreita pelas frinchas das portas, o dourado dos livros sobressai. Lá está a Bíblia em várias línguas, enciclopédias de costumes, livros de viagens – mas também obras de medicina, filosofia ou literatura. Há de tudo entre os 36 mil livros naquele segundo piso do palácio: “É o nosso maior tesouro”, sublinha Fernanda Santos, 55 anos, coordenadora do Serviço Educativo. Chão em mármore, estantes em estilo rococó, a biblioteca tem 88 metros de comprimento e testemunha a extensão do conhecimento ocidental dos sécs. XIV a XIX. Construída pelo arquiteto português Manuel Caetano de Sousa, a pedido de D. João V, foi mantida pelas ordens religiosas que ocuparam o convento até 1834. Quando estas foram extintas, salvou-se por também servir a realeza.
Considerada uma das mais belas bibliotecas do mundo, tem uma planta em cruz: a norte, estão os livros religiosos; a sul, os de caráter profano. É ainda conhecida por ter, entre as suas obras, uma 2.ª edição de Os Lusíadas, de Camões, e outras joias bibliográficas, como incunábulos – manuscritos em pergaminho, anteriores a 1500. Mas o seu livro mais importante é o catálogo manuscrito de Frei João de Santana, que elenca todas as obras existentes na biblioteca. Hoje, aquelas preciosidades contam com outros amigos: os morcegos que habitam por ali e, diz-se, comem os insetos do papel, antes de porem ovos. “Devoram o seu peso em insetos”, precisa Fernanda Santos. “Mas só damos por eles quando há concertos à noite.”
19 – Casa (des)encantada
Um tesouro recuperado em Sintra, que parece saído das histórias dos Irmãos Grimm
Sentimo-nos a regressar à infância, como uns Hansel e Gretel improvisados a descobrir a cabana de chocolate: sobe-se a serra, circunda-se a vegetação, sentindo os aromas dos musgos, e descobrimos a casa com janelas ogivais e tetos picotados, estranhamente semelhante a um chalé alpino, e adormecida no tempo como um antigo postal romântico. De perto, descobrimos um bizarro trompe l’oeil: as paredes de madeira são feitas de alvenaria; as molduras, cornijas, beirados e varandas são revestidos de cortiça virgem. A varanda de onde se podia vislumbrar o Palácio da Pena em toda a sua glória, debruça-se agora sobre uma paisagem reclamada pelas árvores. Sobressai esse silêncio dos lugares ressuscitados há pouco tempo, ainda libertos das peregrinações dos turistas. O Chalé e o Jardim da Condessa d’Edla, objetos de um restauro meticuloso iniciado em 2007, após anos de esquecimento e um incêndio ruinoso em 1999, são uma história com final feliz – e um tesouro a redescobrir.
A razão da sua construção é charmosa: foi um ato de amor do rei D. Fernando II para a sua segunda esposa, Elise Hensler, uma cantora de ópera norte-americana com origens alemãs, que conheceu no Teatro Nacional de S. Carlos, e com quem casou em 1869. O refúgio de verão, convenientemente afastado das pressões da corte, foi erigido com requinte: espécies trazidas de vários lugares do mundo, paisagismo de influências naturalistas que acentuavam a ideia de paraíso encontrado, interiores fantasistas – objeto, agora, da uma segunda fase de restauro. A escada de madeira central está reconstruída, a explosão de cor dos azulejos azuis e brancos da cozinha é fotogénica, as paredes dos quartos começam a revelar os padrões originais, as salas inferiores libertam-se do entulho e reconquistam as suas decorações elaboradas – como o teto com relevos de heras entrançadas em verde-escuro. Um passeio em família recomendável.
20 – Alentejo romano
Miróbriga terá sido um centro de peregrinação ou uma cidade provincial? A dúvida mantém-se até hoje
É dentro da herdade Chãos Salgados, em Santiago do Cacém, que as ruínas romanas de Miróbriga se preservam. No moderno Centro Interpretativo começa a viagem ao tempo dos romanos, a partir de uma encruzilhada formada por dois eixos viários principais: o cardo e o decumanus. A sul ficam as termas; para norte, o fórum e a zona comercial; a oeste, as habitações.
Cidade romana com 10 a 12 hectares, onde moraram 2 500 celtas, Miróbriga foi talvez habitada desde, pelo menos, a Idade do Ferro até ao séc. IV, embora só emergisse no séc. XVI, quando o humanista André de Resende retomou as referências do escritor romano Plínio, citando uma povoação chamada Merobrica. Nas domus, casas dos mais abastados, as divisões com poucas janelas espalhavam-se em redor do átrio central, por onde entrava a luz.
Imóvel de Interesse Público, desde há 72 anos, foi um entreposto entre o mar (conservas) e o interior (cereais). Durante as escavações lideradas por D. Fernando de Almeida, entre 1959 e 1978, veio a lume o facto de o local ter sido um santuário de apoio aos peregrinos, graças à existência do fórum, de lojas para venda de tecidos, comida e bebidas (tabernae), da hospedaria (stabulum), de termas (balnea) e de um hipódromo.
As termas, das mais bem conservadas em Portugal, são constituídas por dois complexos do séc. I. Num, ficavam as piscinas de águas frias (frigidarium); o outro era a zona de banhos quentes (caldarium e tepidarium). Mas é do fórum que se tem a melhor vista para a serra do Cercal. Miróbriga, no entanto, pode não ser ali. Recentemente, foi encontrada uma misteriosa inscrição durante a construção de uma casa em Santiago do Cacém… As dúvidas não se dissipam.
21 – Evoramonte
Se procura sossego, encontra-o aqui, no concelho de Estremoz. Numa terra carregada de história, no alto de um monte, as casas foram construídas dentro das muralhas, e duas pacatas ruas fazem a aldeia. Evoramonte está, aliás, integrada na Rede Europeia de Aldeias Turísticas.
22 – Obra monumental
Francisco Arruda, o mesmo arquiteto que desenhou a Torre de Belém, deu vida ao enorme Aqueduto de Elvas
São 843 arcos com mais de cinco arcadas e torres de 30m de altura. Integrado no sítio denominado Cidade Fronteiriça e de Guarnição de Elvas e suas Fortificações, recentemente classificado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, estende-se ao longo de oito quilómetros e é uma marca inconfundível da cidade. Obra monumental do arquiteto Francisco Arruda, o mesmo que desenhou a Torre de Belém, foi construída entre 1530 e 1622, para levar água do local da Amoreira ao centro da cidade – mais precisamente, à Fonte da Misericórdia.
“É uma obra do povo porque foi paga pela população”, relata Rui Jesuíno, 29 anos, técnico de História e Património. “Para o construir, foi criado um imposto local que era o Real de Água. Por isso, quando quiseram, mais tarde, destruir uma parte, para proteger a cidade, a população não deixou.” A solução foi a passagem do aqueduto pelos fossos da muralha abaluartada.
Elvas era uma das cinco cidades mais importantes do País no séc. XV – cumpre 500 anos em 2013. Tinha 15 mil habitantes e revelava-se um ponto estratégico de defesa. “Havia um rei espanhol que dizia que esta era a zona mais difícil de conquistar; depois, seria um passinho até Lisboa”, conta Rui Jesuíno.
Com um total de 7 mil metros, o aqueduto mostrou-se um extraordinário empreendimento hidráulico, o maior da Península Ibérica – dando nova vida a uma população que, durante anos, dependeu do Poço de Alcalá, que já vinha do período islâmico. É verdade que ganhou extensões para abastecer uma série de edifícios públicos, à época, mas nada que o desvirtuasse. “Se os soldados do séc. XVII cá voltassem, não se surpreendiam”, diz Rui Jesuíno. “Está tudo igual.”
23 – Castelo de Noudar
Situado na Herdade da Coitadinha, em Barrancos, torna possível uma vista de 360 graus sobre o rio Ardila, a ribeira de Múrtega, e montes e vales verdejantes colados à fronteira. Apesar de ser uma das atrações turísticas da região, encontra-se encerrado ao público desde 14 de agosto. “Existe perigo de derrocada”, justificou o autarca António Tereno, num comunicado. Mandado construir por D. Dinis, o castelo já fora alvo de obras de recuperação, após a queda parcial de uma torre.
24 – A outra joia de Sagres…
… é uma igreja completamente forrada de azulejos setecentistas
No centro da Vila do Bispo, a Igreja Matriz, pequena e branca, com um contorno em amarelo na fachada e na torre sineira agregada, encanta-nos com a sua nave completamente revestida, no interior, por azulejos setecentistas. Estes bonitos exemplares de cor azul e branca foram ali colocados em 1715, no reinado de D. João V, mas são provenientes de Lisboa. O seu padrão é muito semelhante a outros com origem na capital e, no Algarve, não existia nenhuma fábrica desta arte. Têm uma temática profana, com dois tipos de painéis. Na parte mais próxima do chão, encontramos figuras femininas, dragões, jarrões de flores. Na parte superior, a azulejaria que vai até ao teto é composta por painéis harmónicos, com uma decoração vegetal, fazendo lembrar a padronização de um tapete. São próprios da época barroca.
À parte da azulejaria, outra atração é o teto. Totalmente revestido por caixotões com símbolos baseados nas narrativas bíblicas do Antigo e Novo Testamento, tem, ao centro, o brasão de D. João V, “o mecenas da valorização desta igreja”, como lhe chama o historiador Artur de Jesus. A meio, de frente para o altar, e se nos voltarmos para a nossa esquerda, destaca-se o púlpito, pelas suas características barrocas, de onde era “pregado o sermão aos fiéis assistentes aos serviços religiosos”, conta o especialista.
Não deixe de também apreciar outros detalhes, como as várias imagens de santos e anjos, igualmente setecentistas, pelo impacto do contraste da talha dourada com toda a azulejaria que envolve a capela. É a essência da arte barroca, no conjunto de azulejaria, escultura e pintura, que torna esta igreja única e merecedora de uma visita demorada.
25 – Faro ‘desconhecida’
A capital algarvia possui um rico microcosmo histórico
Na chamada Vila-Dentro, em Faro, existe um outro mundo. É rodeada por uma cintura de muralhas, onde outrora chegava a água do mar. Só em finais do séc. XIX, com a criação das linhas ferroviárias, é que a água deixou de bater nas fortificações. Com uma área de cerca de sete hectares, ali se concentrou o poder até à atualidade. A Câmara Municipal, o bispado, o seminário ou a PJ são algumas das entidades que ocupam a zona.
O percurso pode ser iniciado pelo Arco da Vila, edificado a pedido do bispo D. Francisco Gomes do Avelar, que foi muito importante na reconstrução da vila, após o terramoto de 1755. Já no interior, vislumbra-se um portal em ferradura, de origem árabe, a porta original. Por cima da Porta da Vila, está a Ermida da Nossa Senhora do Ó, mandada construir pelos mareantes. Tem associada uma lenda que remonta a Afonso X, segundo a qual os muçulmanos atiraram a imagem da virgem ao mar, fazendo com que todos os peixes desaparecessem. Quando a recuperaram, os peixes voltaram.
Uns metros à frente, encontra-se o Largo da Sé, o “centro da cidade romana, onde havia os tribunais, o mercado, o templo dedicado ao imperador”, explica o arqueólogo Nuno Beja. Já a Sé foi reconstruída no séc. XVI, após um grande incêndio na cidade. Por aqui, tem-se acesso a um miradouro com uma vista deslumbrante sobre a cidade e a ria Formosa. Para sair, pode optar-se pelo largo D. Afonso III, onde existiu a primeira tipografia em Portugal. Segue-se o Arco do Repouso, construído no período islâmico. É ladeado por duas torres albarrãs, erguidas pelos árabes, para melhor defender a urbe. Diz-se que foi aqui que o rei D. Afonso III repousou, após a conquista da cidade aos mouros. Duas horas e meia foi quanto durou o nosso reconhecimento desta Faro diferente.
Autores: Joana Fillol, Joana Loureiro, Paulo Chitas, Ricardo Fonseca, Rita Montez, Sílvia Souto Cunha, Sónia Calheiros, Teresa Campos e Ana Margarida Catuna