No final do Verão de 1960, um irreverente aviador fez uma razia à praia da Costa de Caparica – a lembrar aquelas a que, no passado fim-de-semana, se assistiu, na zona ribeirinha do Porto, durante a Red Bull Air Race -, que pôs chapéus a voar e banhistas em alvoroço. O autor da brincadeira foi Carlos Mário Alexandrino da Silva, avô materno de Diana Gomes da Silva que recorda, a rir, a tropelia do patriarca. Tal como ele, Diana, 25 anos, tem uma grande paixão pela pilotagem. Co-piloto da SATA, é a primeira aviadora portuguesa com formação em acrobacia. Mas, para tranquilidade geral, garante que nunca chegará aos extremos do avô. Por uma razão simples: “Jamais arriscaria perder a minha licença” – como aconteceu com Carlos Alexandrino da Silva.
“A voar alto nunca ninguém se magoou”, conforta-se Diana, a propósito das piruetas que faz no ar. A noção do risco está bem presente, e as coreografias dos aviões são tudo menos aleatórias. “As manobras são pensadas e ensaiadas muitas vezes. Tudo está desenhado na nossa cabeça. Em acrobacia a sério, não se inventa.” A preocupação com a segurança adquiriu-a durante duas intensivas semanas passadas nos EUA, frequentando um curso na Tutima Academy of Aviation Safety – a escola de voo de um dos mais famosos acrobatas aéreos do mundo, Sean Tucker.
TODO-O-TERRENO
A rebeldia do avô Carlos explica tudo? Há, pelo menos, uma evidente ligação entre a genética e a aventura. Desde pequena, Diana procura adrenalina que lhe corra nas veias. Dir-se-ia que tem energia concentrada, tal é a quantidade de actividades a que já se dedicou. Não é alheio o facto de o pai, António Gomes da Silva – que foi médico da Força Aérea -, ser “um desportista nato”, nas palavras da filha. Por isso, cedo Diana Silva se habituou a desbravar terrenos tipicamente masculinos. “O meu pai sempre teve motas e eu, aos 10 anos, aprendi a conduzir uma.” Quando tinha 11 anos, um dos seus cinco irmãos, mais novo um ano, quis praticar surf. Ela, que tinha de tomar conta dele, resolveu tornar-se surfista, também. Seguiram-se snowboard, bodyboard, atletismo, ténis, free rock climbing e, até, ballet.
A naturalidade com que experimenta desafios no desporto é a mesma com que explora o mundo. Desde os 12 anos, frequentou campos de férias, no Reino Unido, para aperfeiçoar o seu Inglês. Mais tarde, num programa de intercâmbio, passou o 11.º ano e parte do 12.° a estudar em Durango, uma cidade de Colorado, EUA. Bonita, bem-falante e sem problemas com o Inglês, concorreu a um casting para ser pivô da TV local e foi seleccionada. “O professor que me incentivou a participar adorava-me – dizia que eu tinha imensa lata”, conta.
Terminado o Secundário, chega a altura de entrar para a universidade. E as paixões do avô confundem-se, de forma clara, com as opções da neta. Diana entrou para Comunicação Social e Cultural, na Universidade Católica. O seu avô também era jornalista – escrevia uma página sobre aviação, no Diário Popular, e, quando residiu em Angola, foi correspondente do Sunday Times, entre outros jornais internacionais.
APANHEM-NA, SE PUDEREM
Para Diana, a entrada na faculdade coincidiu com a vontade de tirar a licença de Piloto Particular de Aviões (PPA). Por isso, congelou a matrícula e candidatou-se a hospedeira de bordo, na extinta Air Luxor, tendo conseguido entrar. Trabalhou durante um ano para pagar aquele curso – e, em definitivo, percebeu que era aos comandos de um avião que queria estar. Troca a licença de PPA pela de Piloto de Linha Aérea. Os pais ajudam-na – os custos ascendiam a mais de 50 mil euros – e volta aos estudos universitários. De 2005 a 2007, a sua vida transformou-se numa rotina rígida. De manhã, frequentava a faculdade, à tarde tinha aulas na escola de aviação e, à noite, preparava os voos do dia seguinte. Terminou a licenciatura em Comunicação Social e o curso de piloto e conseguiu trabalho no grupo Omni Aviation.
Estava, por fim, no mundo dos aviões a sério. Diana Silva começa, então, a assistir a eventos com outros entusiastas da acrobacia. Num desses espectáculos, em Évora, sentiu “a verdadeira adrenalina” pela primeira vez. Voou com um amigo, o piloto Luís Garção, num Cessna. Descobriu, aí, o que, na verdade, lhe dava prazer. “Foi único. Tive a certeza de que queria mesmo fazer acrobacia.”
Traçou ali um objectivo e não descansou enquanto não o concretizou. Em Novembro de 2007, enquanto tirava o curso de instrutora de voo, conheceu João Bettencourt, um ano mais velho, que lhe dava as aulas. Depressa perceberam que, além da acrobacia, havia mais coisas a uni-los e começam a namorar. Um ano depois, deslocam-se aos EUA: aprendem a domar os ares num avião mítico para os acrobatas, o Pitts Special – um biplano, pequeno e aparentemente frágil.
Agora em Portugal, querem formar uma equipa de acrobacia que possa participar em campeonatos internacionais, mas, para isso, precisam de um avião e de patrocínios. Como diz a Rainha – nome de combate de Diana Silva, dado pelos colegas -, “um avião não se empresta”. O casal negoceia a compra de um Pitts S, a tal aeronave mítica, que pode custar entre 60 mil e cem mil euros. E o céu é o limite. Diana e João pretendem, também, revolucionar a forma de fazer publicidade, no nosso país: “Imagine-se o impacto de percorrer a costa, no Verão, com apresentações de acrobacia associadas a uma marca!”, propõe ela, entusiasmada. Desde que ninguém se lembre da tropelia do avô de Diana, há 40 anos, a ideia tem tudo para dar certo.