Nome: Alexandra Barrulas. Idade: 27 anos. Quando era criança, queria ser neurocirurgiã, mais tarde veterinária ou bióloga. Praticou ténis, vólei, artes marciais. Toca piano. Até há pouco tempo, trabalhou como gestora de clientes e no departamento de marketing da empresa de electrodomésticos Fagor. Tem um curso de webdesign. Hobbies: pintura a óleo, cinema, videojogos (particularmente role playing games como Final Fantasy). Sorriso aberto e simpático, tom de voz suave, olhar brilhante e de serena autoconfiança. Profissão: wrestler.
– Como?
– Wrestler.
– Importa-se de repetir?
– Wrestler… Wrestling, luta-livre, está a ver?
Sim, estamos a ver. Aquele espectáculo com um público histérico, um ringue no meio e homens musculados, gigantes, ameaçadores, de fatos coloridos, com nomes estranhos, a fingir que lutam como se não houvesse mais amanhã.
Alexandra é a prova de que não se devem fazer juízos apressados sobre as pessoas. A prova de que tudo é muito imprevisível. A prova viva, como ela própria dirá mais à frente, na conversa com a VISÃO, de que “a vida dá tantas voltas.”
Aliás, esqueçam lá o nome Alexandra Barrulas do arranque do texto. Aqui estamos a falar de Shanna, a única wrestler portuguesa. Nos últimos meses tem trocado a sua cidade, Lisboa, por várias temporadas em França. É aí que actua, muitas vezes apresentada como La Voltigeuse Portugaise (a acrobata portuguesa), em espectáculos de wrestling em todo o país – os franceses são dos europeus mais entusiastas desta actividade -, sobretudo ao fim-de-semana. Em Portugal, não tem com quem lutar. Tirando algumas brincadeiras fugazes, no ringue, não há a tradição de lutas mistas no wrestling. Como é que uma miúda lisboeta chega a este mundo tão marcadamente masculino?
Alexandra, aliás Shanna, conta-nos toda a história: “Desde miúda que assistia ao wrestling, com o meu pai, na televisão. E adorava, era completamente aficionada por alguns personagens. Quando os lutadores da WWE [World Wrestling Entertainment] vieram cá, ao Pavilhão Atlântico, há uns três anos, conheci, na fila, algumas pessoas que, vim a saber, praticavam wrestling em Portugal. Nem sabia que havia academias de wrestling, aqui… Fiquei próxima de algumas dessas pessoas, e, um dia, um amigo convidou-me a ir a um treino. Eu não estava nada para aí virada, mas ele tanto insistiu, que lá fui e rapidamente… as coisas deram uma volta no sentido de eu entrar na Academia de Wrestling Portugal, quando ela foi formada, em Queluz”. Tão simples quanto isto. Entretanto, o tal emprego na Fagor ficou para trás, e não foi preciso esperar muito tempo por uma oportunidade de ganhar algum dinheiro com a nova paixão. “Um dia, trabalhava eu um pouco como manager, na Academia, fui com dois wrestlers a Bilbau [em Espanha], onde conheci vários lutadores. Mantive o contacto e, mais tarde, um deles convidou-me a ir para França, funcionou um bocado como o meu booker. Fiz um pequeno estágio, um treino, eles gostaram e continuei a trabalhar em França… Foi tudo muito rápido.”
Quanto a essa questão de este ser um universo masculino, o argumento pode ser facilmente virado do avesso: “Isso é verdade, e também é por isso que faz sentido nós estarmos lá. Os homens gostam de ver mulheres bonitas à pancada umas com as outras, vá lá, digamos…”
Segredos por revelar
“Shut up! Calem-se!”
“Sou a melhor!”
“Esta é que é a vossa campeã?!”, grita Shanna, enquanto estrangula a adversária debaixo do braço. Não é fácil imaginar Alexandra nesses preparos, mas estes são alguns exemplos das suas frases no papel de “má”. “No wrestling, é sempre a mesma história dos bons e dos maus, como nos filmes. E eu sou sempre a má.”
No ringue, ela provoca o público, manda-o calar, quando ouve aplausos a outras lutadoras e tenta distrair o árbitro, para poder fazer jogo sujo, com o objectivo de “ganhar a qualquer preço”. É tudo uma representação, mas o público deixa-se levar pela rábula – afinal, é para isso que está lá. “Para tornar tudo mais real, nestes espectáculos, em França, nem falamos uns com os outros à frente do público, como se fôssemos mesmo inimigos; mas somos todos amigos… Fazemos muitos espectáculos em terreolas onde as pessoas nem sabem bem o que é o wrestling – por isso é mais fácil acreditarem em tudo.”
Esse “tudo”, ou praticamente “tudo”, é pré-combinado, como num guião de telenovela. Por quem? “Depende… mas não gostava de entrar muito por aí…” É segredo? “Há bastantes segredos, sim…” Sorriso, misterioso. E, afinal, porquê a má da fita? “Também aí há uma parte de segredo [ri-se], mas posso dizer que gosto de fazer com que o público não goste de mim. É um desafio.” Muitas vezes, nesse circuito das terrinhas francesas, tem uma boa plateia de emigrantes portugueses a apoiá-la, mas até nesses casos Shanna gosta de mostrar o seu desprezo, com a vantagem de poder fazê-lo em português. Com limites: “Não gosto de ser mal-educada…”
É essa mistura de entretenimento e representação com o lado desportivo, físico, que atrai Shanna para os ringues. “Levamos isto muito a sério e não nos cansamos de avisar para não tentarem estes golpes em casa. Treinamos muito para nos protegermos e para proteger a outra pessoa, mas as quedas são mesmo quedas, e, às vezes, há murros mais a sério, eles acertam todos, e, no final do dia, tudo aquilo é sentido…”
Em Portugal, existem dois clubes de wrestling: a Academia de Wrestling Portugal (wrestlingportugal.com), de que Shanna faz parte, e a World Stars of Wrestling (worldstarsofwrestling.com), mas os combates são ainda incipientes, e não atraem muito público. Shanna continua à espera de adversárias à altura. Está aí alguém com vontade de a desafiar?