Com uma linha de costa continental de cerca de 900 quilómetros e dois arquipélagos atlânticos, Portugal é um país rico em biodiversidade e guardião de inúmeros tesouros vivos do planeta. Neste gigantesco oceanário que compreende 1,6 milhões de quilómetros quadrados (a área ocupada pela Zona Económica Exclusiva nacional) pode encontrar-se a rara foca-monge, que vive nas ilhas Desertas (Madeira), ou ser presenteado com o avistamento das inúmeras baleias-azuis que cruzam as águas do Açores, em migração sul-norte. No arquipélago dos Açores, é ainda possível descer ao topo de um vulcão submerso e observar fontes hidrotermais de baixa profundidade, de onde brotam bolhas de gás e água quente. Situadas numa zona de transição, o Atlântico Norte e as mais moderadas temperaturas do Atlântico Sul, as nossas águas são frequentadas por espécies dos dois mundos – o tropical e o setentrional – conferindo aos santuários marítimos portugueses uma diversidade única. Que, por isso, merecem toda a nossa atenção e fiscalização. Zona protegida Sesimbra foi um dos locais de referência das actividades subaquáticas, em Portugal. Hoje em dia, com a proibição da pesca submarina em toda a área do Parque Marinho Luiz Saldanha, e com várias limitações para a prática do mergulho com garrafas, este local perdeu a animação de outros tempos. Apesar disto, é uma zona privilegiada e ainda muito procurada por mergulhadores Parque Marinho Luiz Saldanha Arrábida Oceanário em mar aberto Uma geografia ímpar criou junto à capital o mais rico santuário de vida marinha português, ameaçado pela sobrepesca. Mas as espécies estão a regressar às águas límpidas da ArrábidaToda a costa sul do concelho de Sesimbra e a de Setúbal são locais privilegiados para o abrigo, desenvolvimento e proliferação de milhares de espécies marinhas. As falésias que se prolongam da Arrábida ao cabo Espichel, o estuário e o canhão submarino do Sado conjugam-se para que esta área seja muito abrigada dos ventos e as águas se revelem tranquilas e ricas em nutrientes. Se, em tempos, grandes atuns, corvinas e milhares de peixes que formavam grandes cardumes ali passavam, actualmente o cenário é bem distinto. A sobrepesca e a poluição tiveram consequências dramáticas para a anterior abundância. Mas com a criação do Parque Marinho Luiz Saldanha, em 1998 (durante a Expo’98), uma área de 53 quilómetros quadrados situada entre a Praia da Figueirinha e a Praia da Foz (a sul do Meco), em águas onde foram identificadas mais de mil espécies aquáticas, há a expectativa de que muita da biodiversidade que outrora marcou aquela zona seja recuperada. Sobretudo na zona de reserva integral, entre o Portinho da Arrábida e as falésias a leste da vila de Sesimbra, uma zona inacessível a partir de terra.Recentemente, mergulhei neste Parque Marinho e vi que os resultados estão a surgir: grandes cardumes e algumas espécies estão de volta. E, se junto da orla costeira a biodiversidade é grande, no mar aberto, a poucas milhas das arribas, cetáceos e peixes pelágicos marcam de forma esplendorosa esta zona da costa portuguesa. Numa saída ao largo de Sesimbra, com rumo ao cabo Espichel, não é difícil encontrar golfinhos, peixes-lua ou mesmo tubarões. Com sorte, podem ainda observar-se espadins ou baleias. Mergulho A ilha da Berlenga é dos locais no Continente onde um curto passeio subaquático permite observar um verdadeiro paraíso Reserva Natural das Berlengas A ilha encantada Nestas águas de fronteira convivem espécies de dois mundos: as do Atlântico Norte e as de mares mais meridionaisSituado a cerca de 6 milhas (cerca de 10 quilómetros) do cabo Carvoeiro (Peniche), o arquipélago constituído por uma série de pequenas ilhas e rochedos foi classificado como reserva, em Setembro de 1981. Mais tarde, no final da década de 90, a sua área protegida foi alargada e passou a incluir os Farilhões, aumentando significativamente a área marinha sob protecção.Este conjunto de ilhas é, sob o ponto de vista científico, uma referência, porque se apresenta como o limite norte de distribuição de organismos típicos do Mediterrâneo e conserva várias plantas e répteis endémicos. A ilha maior, a Berlenga, é habitada, há séculos: numerosos vestígios romanos são encontrados regularmente nas águas que a rodeiam. Nos fundos marinhos do arquipélago jazem também muitos destroços de navios de várias épocas.As águas ricas em alimento da zona de Peniche e o abrigo proporcionado pelas formações rochosas atraem várias espécies marinhas às imediações da Berlenga. Aqui abundam igualmente os grandes mantos de percebes, verdadeiros petiscos para muitas espécies. Grutas, baías abrigadas, cabos com correntes consideráveis, falésias altas com grandes pedras submersas na base são alguns dos acidentes topográficos que enriquecem o cenário submarino e apelam à presença de centenas de espécies marinhas.No Verão não é difícil dar um passeio nas águas tranquilas e cristalinas – basta conseguir uma vaga nos barcos que fazem a ligação entre Peniche e a Berlenga. Então, avistam-se grandes cardumes de sargos, salemas ou tainhas. Aos mais atentos não escaparão os robalos, os polvos, ou cardumes de lírios ou mesmo de enxaréus (uma espécie comestível, que vive junto da costa, e que pode atingir cerca de 70 centímetros). Em Julho e Agosto, as águas têm uma visibilidade que ultrapassa os 20 metros e a temperatura ronda os 20 graus centígrados. Pedra do Barril Algarve Floresta no fundo do mar Nas águas algarvias do Sotavento, árvores subaquáticas servem de abrigo a peixes exóticosAo largo da praia do Barril, na costa algarvia, existe uma formação rochosa (um arenito fossilizado) com várias centenas de metros quadrados que reúne uma série de características únicas e que fazem deste local um ex-líbris para os mergulhadores e um santuário de fauna. O topo da formação encontra-se a cerca de 22 metros de profundidade, estendendo-se, depois, para zonas mais profundas, na ordem dos 30 metros. Esta baixa serve de abrigo a muitos peixes, diversos crustáceos, inúmeros pequenos invertebrados e muitas gorgónias (“leques do mar”). Mas um dos pontos de atracção é a profusão e dimensão dos corais. Se é verdade que a espécie de coral Dendrophyllia ramea existe um pouco por toda a costa, também é certo que só se encontra em grandes florestas, abaixo dos 40 ou 50 metros. Na Pedra do Barril, abundam por toda a parte em “árvores” com diâmetros superiores a 1,5 metros. Se esta visão dos pólipos de coral não é comum em águas nacionais, vislumbrar dezenas de peixes roxos e laranjas, também conhecidos por Anthias, típicos dos recifes de corais, ainda é menos. Como nesta zona do Sotavento existe uma visibilidade única, a esta profundidade, a Pedra do Barril convida a um mergulho exótico, onde poderão ainda marcar presença lagostas, pargos e bizarras estrelas-do-mar.Embora a zona não seja classificada nem possua nenhum estatuto de conservação, representa, sem dúvida, um dos locais emblemáticos da costa portuguesa – e mereceria algum tipo de protecção especial. Zona protegida As Formigas são Reserva Natural desde 1988 e integram a Rede Natura 2000 Ilhéus das formigas O palácio dos corais Coral negro, lírios e barcos naufragados polvilham os fundos marítimos das FormigasNo meio do Atlântico, 63 quilómetros a sudeste da ilha de São Miguel, oito rochedos muito baixos compõem os ilhéus das Formigas. O mais elevado, o Formigão, não sobe a mais de 11 metros acima do nível médio das águas do mar. Apesar da pequenez do território emerso (0,9 ha), o extenso banco submerso adjacente está repleto de vida marinha.Do lado nascente dos ilhéus, uma parede de rocha cai praticamente a pique até aos 50 metros de profundidade. A abundância e o tamanho dos corais negros que aí se encontram são tão admiráveis como a reduzida profundidade a que repousam. Enquanto, no restante arquipélago dos Açores, para se contemplar grandes ramadas desta espécie, é necessário descer abaixo do 25 metros, neste local começam a aparecer aos 12 metros.Espalhadas por esta parede há pequenas grutas, onde camarões e outros minúsculos invertebrados buscam abrigo. Se virarmos a nossa atenção para o azul, aparecem os enxaréus, lírios, barracudas, grandes serras, mantas ou atuns. Junto à superfície, a abundância de peixe e a dinâmica de muitos cardumes fazem deste local um dos melhores, para mergulhar, de todo o arquipélago dos Açores.Nas encostas submarinas do lado poente, já na ponta sul das Formigas, é possível descobrir restos do naufragado Olympia, e, novamente, muita vida subaquática, incluindo salemas, patruças, meros ou peixes-cão. Zona classificada Para além de estar classificado como Sítio de Interesse Comunitário no âmbito da Rede Natura 2000, este santuário de vida marinha deverá vir a integrar o Parque Marinho dos Açores, criado recentemente através da Rede Regional de Áreas Protegidas Banco D. João de Castro Água com gás Um antigo vulcão tornou-se porto de abrigo para espécies subtropicaisEm Dezembro de 1720, uma erupção criou fugazmente uma pequena ilha com cerca de um quilómetro e meio de diâmetro e 250 metros de altura, a meio caminho entre a ilhas Terceira e São Miguel. A acção do mar rapidamente erodiu essa elevação e, nos dias de hoje, o pico menos profundo jaz 13 metros abaixo da superfície. O vulcanismo é evidente um pouco por todo o lado: nas numerosas nascentes quentes submarinas, nas plumas de gases que se libertam do fundo ou na caldeira que compõe o cume submerso. Quando mergulho neste local, sinto-me dentro de um grande aquário oceânico de águas tépidas, repletas de peixe. Nos meses mais quentes, é comum a presença de mantas, lírios e cardumes de milhares de barracudas. Peixes–porco, patruças, pequenos lírios e muitos thalassomas (peixes coloridos) são outros dos habitantes regulares destas paragens, no meio do Atlântico. Zona protegida Criada em meados de Junho de 2007, a Rede Regional de Áreas Protegidas dos Açores irá integrar esta e outras áreas marinhas e terrestres em nove Parques Naturais de Ilha (um por ilha) e um Parque Marinho dos Açores Parque Natural da Ilha do CORVO Corte submarina Por vontade da população, uma reserva voluntária foi criada – e os majestosos meros fizeram dela a sua moradaFoi na década de 90 que biólogos do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e a comunidade piscatória da ilha do Corvo começaram a falar na criação de uma área onde ninguém pescasse. Mais tarde, com a abertura de um centro de mergulho local, foi definida a área a preservar. Criou-se, assim, umas das primeiras reservas voluntárias, em Portugal. Em vez de ser imposta pelo Estado, a área protegida mantém-se por espontânea vontade da população. Em 2006, uma zona mais vasta, que engloba a reserva voluntária, foi classificada oficialmente como Parque Marinho do Corvo. A abundância de peixes, alguns de grande porte, como os lírios ou os meros, é a imagem de marca destes fundos marinhos. Entre os 12 e os 24 metros, há uma sucessão de afloramentos de rocha com vários metros de altura, entre os quais se passeiam majestosos meros de 20 quilos – como monarcas de uma palácio submarino. A forma como se exibem e a sua afabilidade destaca-os dos demais meros que podem ser encontrados um pouco por todo o arquipélago açoriano. Muitos outros organismos de menores dimensões povoam esta zona protegida da ilha do Corvo, alguns dos quais escondidos em pequenas grutas ou arcadas de lava. Zona protegida A cerca de 18 milhas do Funchal, o arquipélago das Desertas é constituído por três grandes ilhas: Ilhéu Chão, Deserta Grande e Bugio. Classificada pelo Conselho da Europa como Reserva Biogenética, está integrada no Parque Natural da Madeira Reserva Natural das Ilhas DESERTAS Monges marinhos Medidas de preservação enérgicas contribuem para a recuperação do mamífero mais ameaçado da EuropaO cenário é de grande beleza natural: grandes falésias de cor ocre e tons castanhos, aqui e ali grandes furnas, águas cristalinas e um dos poucos sítios no mundo onde vivem focas-monge do Mediterrâneo. Considerada o mamífero marinho mais ameaçado da Europa e a mais rara foca do mundo, a espécie, cujos maiores exemplares podem atingir quatro metros de comprimento (macho robusto), está a recuperar significativamente. Depois de ter atingido números assustadoramente baixos na década de 80, quando se contavam apenas oito indivíduos, actualmente, após a implementação de medidas de conservação muito enérgicas, a população está estimada em quase uma trintena de animais.Dentro da zona de reserva, os fundos marinhos possuem locais com uma enorme profusão de vida. A pouco mais de seis metros de profundidade é possível observar grandes cardumes de barracudas, sargos, salemas, ou mesmo algum mero mais curioso. Ao largo destas ilhas, diversas espécies de cetáceos caçam e procriam em segurança. Zona protegida Entre a Pequena e a Grande, a distância é de 11 milhas. Habitadas apenas por vigilantes da natureza, estas ilhas fazem parte do Parque Natural da Madeira e constituem a Reserva Natural das Ilhas Selvagens Parque Natural das Ilhas SELVAGENS Transparência única Águas cristalinas acolhem espécies típicas de águas africanas – enquanto nos ares se passeia a mais numerosa colónia de aves marinhas da MacaronésiaÉ o local de águas mais transparentes em que já mergulhei. Em determinados locais, conseguia vislumbrar outros mergulhadores a cerca de 50 metros de distância. Rodeado por um mar azul e cristalino, o remoto arquipélago das Selvagens é constituído pela Grande, pela Pequena e pelo Ilhéu de Fora. Se à superfície estas ilhas são uma referência em termos biológicos, apresentando vários endemismos (espécies únicas) e a mais numerosa colónia de aves marinhas da Macaronésia, no mundo subaquático as Selvagens constituem, igualmente, um local especial e com características únicas. Muitos dos peixes ali observados são já característicos de águas mais quentes, como as de Cabo Verde.Sobre fundos recortados e sinuosos, grandes cardumes de salemas, patruças e lírios enchem o visor da minha câmara. Nas tocas mais escuras, encontrei meros e sobre um grande bloco de pedra vi um badejo quase totalmente branco. Este animal despigmentado e com mais de oito quilos foi um dos exemplares com indícios de mais idade que algum vez observei. Nestas águas também se podem encontrar diferentes espécies de peixe-porco e peixe-balão. Os peixes-cão, aqui muito comuns, podem atingir grande porte e são sempre óptimos modelos fotográficos. Com águas tépidas, cristalinas e cardumes de várias espécies que não apresentam qualquer temor do homem, posso afirmar que este é o mais espectacular santuário de vida marinha em Portugal. Zona protegida A Reserva Natural do Garajau, a poucos quilómetros do Funchal, é um dos locais mais emblemáticos do mergulho em Portugal. Trata-se de um dos sítios que os amantes das profundezas deveriam conhecer e, sem dúvida, registar no Top 10 da sua carteira de sonhos subaquáticos. Reserva Natural do GARAJAU Cruzamento oceânico Perto de um cabo, os fundos do Garajau servem de habitat a espécies residentes e a turistas acidentais de mares mais profundosAqui, num fundo de areia cinzenta, repleto de grandes blocos de pedra, a cerca de 30 metros de profundidade, milhares de peixes de numerosas espécies vagueiam, ordenadamente, de um lado para o outro. Mas os verdadeiros ex-líbris deste local são os enormes meros, alguns com mais de 40 quilos, que param simplesmente a pouco mais de 15 centímetros dos nossos olhos. O cara-a-cara com estas garoupas de grande porte revela-se sempre emocionante, mesmo que aconteça repetidamente, em vários mergulhos.O facto de a zona estar perto de um cabo com forte hidrodinamismo permite encontrar também várias espécies pelágicas, como lírios, cardumes de barracudas, mantas e enxaréus.Além dos animais residentes e de visitantes regulares, há um badejo amarelo que regressa, durante algum tempo, a este local, migrando depois para parte incerta. Após alguns anos de ausência do Garajau, o mesmo badejo, conhecido de vários mergulhadores, voltou a dar nas vistas, recentemente.Este é um dos locais onde os grandes peixes e os pequenos camarões competem pela atenção do mergulhador. Tudo é abundante, animado, interessante e um mergulho apenas não dá para se contemplar todo este paraíso submerso.
Santuários Marinhos
Com 1,6 milhões de quilómetros quadrados de área marítima e dois arquipélagos em pleno Atlântico, Portugal apresenta-se como um país rico em biodiversidade e guardião de inúmeros tesouros vivos deste planeta