Era daqueles debates em que a fervura já estava levantada mesmo antes de se abrirem as cortinas. Pelo menos desde que, na quadra natalícia, um vídeo do CDS protagonizado por Francisco Rodrigues dos Santos e ironicamente alusivo à ceia de Natal da direita se referiu a André Ventura como o “primo sem maneiras” que “não morre de amores pela democracia. É o primo que todos queremos ver pelas costas porque não tem modos à mesa”.
Temia-se, pois, o pior.
E o pior aconteceu.
O tom do debate, por vezes com ataques quase metralhados, aconselharia a que este “confronto” tivesse bolinha vermelha no canto do ecrã e fosse remetido para o horário da madrugada. Ideias? Poucas, quase zero. E se alguém queria perceber o que verdadeiramente os separa, esse dia não era hoje.
Por seis vezes, André Ventura chamou ao CDS “a direita mariquinhas”, com sorrisinhos maliciosos e gestos de mão a ilustrar. Numa delas, saltou fronteiras e disse que Francisco Rodrigues dos Santos liderava “a direita mais mariquinhas da Europa”. Noutra voltou a chamar-lhe “mariquinhas por ter medo de ir a votos dentro de casa”. Para o líder do Chega, “a queda do CDS começa verdadeiramente quando se esquece de quem é”. Agora, acusa, “é o CDS das passadeiras arco-íris”, a direita “subjugada ao PSD”, um partido do qual os fundadores “teriam vergonha” e que “não é carne nem peixe”.
“Chicão” muniu-se de idêntico arsenal.
E o confronto, quase bélico, continuou.
O presidente do CDS garante que Ventura preside “a uma interjeição” e “é um catavento do nosso sistema político. Está sempre do lado da berraria”, apontou. “O André Ventura é a caricatura da direita que interessa à esquerda”, ou seja, “a direita trauliteirazinha” que, no entanto, “vota favoravelmente uma em cada três propostas da extrema-esquerda”. Uma espécie de “rei da basófia”, sem alma “nem doutrina”, embora Ventura lhe tenha mostrado uma das suas já famosas fotocópias: desta vez para garantir que o CDS votou 1798 vezes ao lado do PS na legislatura finda.
Numa das fases mais acesas – momentos mornos não houve, verdade seja dita – “Chicão” recorreu às palavras do Papa Francisco para mostrar que o acolhimento de refugiados é, pelo menos, uma fronteira a separá-lo do Chega, que acusa de defender a expulsão de imigrantes. “O André Ventura é o líder do Adeus, Pátria e Família”, ironizou. “Mete-os na tua casa!”, respondeu o deputado único da direita radical populista. Já o seu partido, garante “Chicão”, “não é racista e não aceita pena de morte”. Para Ventura, o CDS “é a bengala rejeitada do PSD”, um partido cujo fundador, Freitas do Amaral, “acabou a ministro do governo Sócrates”.
E AS IDEIAS, SENHORES?
Por muito que o moderador tentasse, de facto, moderar e introduzir temas que separam o CDS do Chega ou que, pelo menos, aproximem os dois partidos, o objetivo saiu frustrado. Pairaram assuntos como a fiscalização dos subsídios sociais, os professores, a corrupção, o enriquecimento ilícito, o preço da eletricidade, o aumento das penas, mas, na verdade, não deixaram grande lastro.
Num debate que ultrapassou largamente os 25 minutos da praxe, o ataque pessoal superou a divergência política e, por vezes, assemelhou-se mesmo a um combate sem regras nem mínimo decoro. E nem o futebol ficou de fora. “Chicão” lembrou a Ventura o apoio a Luís Filipe Vieira no Benfica para legendar a ideia de que o seu adversário não critica “a corrupção dos amigos”, mas o líder do Chega recordou-lhe a proximidade ao poder leonino. “Eu sou do Benfica e você é do Sporting. Mas você esteve na direção do Sporting. Se há cambalachos é para o vosso lado”, acusou o presidente do Chega. “Ventura só é coerente no clube do futebol”, devolveu-lhe Rodrigues dos Santos, chutando a “bola” para longe.
DIREITA CRISTÃ E DIREITA DE SEITA?
Uma coisa é clara: estas direitas, tal como dois patos, não se beijam.
E nem os valores cristãos, supostamente comuns, conseguem obrigá-los a dar a outra face. “Chicão” reclama a fidelidade às posições do Papa Francisco e à democracia-cristã. Vê no líder do Chega alguém que “vive num mundo paralelo”, sempre à cata do que é mais popular. “Você é o quarto pastorinho de Fátima”, apontou-lhe, ironizando com o facto de Ventura se referir com frequência ao chamamento de Deus. “O Chega é um partido unipessoal, um partido de fanáticos. Você é um fanático!”, atirou-lhe. “Um esquadrão de cavalaria à desfilada na sua cabeça não esbarra numa ideia”, atirou “Chicão” a Ventura, comparamdo-o mesmo a “um líder de seita religiosa”, rodeado de figuras pouco recomendáveis como o “misógino e racista” Pedro Arroja.
O presidente do Chega sentiu o toque. “Sobre a Igreja, não me dá lições. Fui seminarista. Lições de catolicismo, o Francisco dá lá em casa…”, respondeu, em certo momento, Ventura. Depois, emergiu, de novo, o tema da corrupção. O líder do CDS lembrou os casos envolvendo o seu opositor, do «Tutti-Fruti” à condenação por causa das palavras que dirigiu a uma família do bairro da Jamaica. “André Ventura está completamente enlameado em processos de corrupção”, acusou Rodrigues dos Santos, sem, contudo, aprofundar. Ventura nem respirou fundo: aproveitou para acusar o CDS de ter autarcas condenados por corrupção e referiu o nome de Paulo Portas para lembrar “os esqueletos no armário”.
O DIA SEGUINTE
Na liga dos “pequenos”, ambos estão convencidos de que o seu partido superará o do adversário. “Chicão” coloca a fasquia em “mais deputados”. Ventura insiste em terminar a corrida eleitoral em terceiro lugar. “Você vale um deputado”, recordou-lhe Rodrigues dos Santos, referindo o facto de, nas últimas autárquicas, ter conquistado mais eleitos do que o Chega. Ventura, sem disfarçar o ar de desdém, referiu-se a “Chicão” como “um menino mal preparado. Não sabe nada, está ali com uns papéis na mão…”. O tempo ainda lhes deu para trocarem galhardetes sobre a alegada falta de democracia interna no CDS e no Chega. “Eu sei que você confunde o partido consigo próprio, mas o CDS não é assim”, afirmou Rodrigues dos Santos, criticando o facto de Ventura andar “de braço dado” com o extremismo do VOX, de Espanha, e de Salvini, em Itália. “Prefiro andar sozinho do que mal-acompanhado”, acentuou. A frase deu o pretexto a Ventura para lembrar a “Chicão” de que terminará o mandato no CDS ainda antes das eleições. E vaticinou: “Você é o primo solitário”.
O debate tinha já ultrapassado os 30 minutos e estava difícil calá-los. Mas lá se conseguiu. Para a próxima, recomenda-se, talvez, a marcação de um duelo à antiga, em praça pública. Ou um combate na lama. Que esteve perto disso, ninguém negará.
FRASES MARCANTES
RODRIGUES DOS SANTOS
“O André Ventura é o líder do Adeus, Pátria e Família”.
“Um esquadrão de cavalaria à desfilada na sua cabeça não esbarra numa ideia.
É um populista”.
“As pessoas vão perceber o logro que é o partido Chega”.
“Você é o quarto pastorinho de Fátima”.
“Você parece o líder de uma seita religiosa”.
“André Ventura está completamente enlameado em processos de corrupção”.
ANDRÉ VENTURA
“O CDS é a direita subjugada ao PSD”.
“Catavento aqui só há um: é o CDS”.
“O CDS dos fundadores teria vergonha deste CDS”.
“Vocês governaram com o PS. O vosso fundador acabou ministro de José Sócrates”.
“Esta direita é tão mariquinhas que até tem medo de ir a votos dentro de casa”.