Já era demasiado enguiço; e o (muito mas muito) frio na Guarda podia perspetivar uma arruada de insucesso na tarde desta sexta-feira. Mas não. Graças à mão de uma Ana Mendes Godinho “energética”, como o speaker do PS a apresentou, e ao grupo de bombos de São Martinho de Seia, António Costa teve a primeira grande receção nas ruas, ao fim de quase uma semana em campanha.
Apesar do feito, para o qual também contribuiu uma segunda ministra, Ana Abrunhosa, e de um artesão lhe ter oferecido um “caça-votos”, um pequeno amuleto para atingir a meta da maioria absoluta, o líder socialista pôs várias cartas na mesas: por um lado, prometeu soluções para as carreiras dos professores e enfermeiros, e por outro, sublinhou com veemência na possível destruição da Segurança Social por Rui Rio, caso este vença com um programa de Governo “que ninguém conhece”.
Mas, mais importante: Num espaço de duas horas, na Guarda e em Castelo Branco, Costa pediu, repetiu e voltou a insistir que os socialistas não podem ficar em casa, como aconteceu nas autárquicas, em que deram como garantida a conquista de determinadas autarquias ou a manutenção de outras; e depois chapeau: “Por isso, ninguém se iluda por sondagens. As eleições ganham-se com votos”.
Um “inho” que deu uma dor de cabeça
António Costa tentou evitar tocar no assunto assim que pôs o pé na Guarda, mas a meio da arruada lá teve de falar sobre o elefante na sala deste sexto dia de caravana na estrada. Já tinham passadas várias horas desde que, num evento com intelectuais independentes em Montes Claros (Lisboa), a antiga maratonista olímpica Rosa Mota tecera o comentário que azedara a clima entre o PS e o PSD, ao referir-se a Rui Rio como um “nazizinho” quando dirigiu a Câmara do Porto [2001-2013].
O líder do PS admitiu que o próprio não recorre a tal expressão, remetendo para a antiga atleta de medalhas de ouro uma explicação. “Rosa Mota é uma pessoa muito querida de todos os portugueses e uma grande campeã, que muitas alegrias nos deu. Como ela própria disse, [“nazizinho”] é uma palavra e uma expressão que ela disse. É dela. E estou muito grato pelo apoio que ela me deu, estou muito grato pelos apoios de todas as cidadãos e cidadãos independentes, que quiseram expressar esse apoio. Naturalmente, cada um fala por si. Eu falo por mim, e nunca utilizei essa expressão”, disse, tentando desfazer ali a polémica.
“Ó Ana, o que é andas a dar a esta gente?”
O gelo que se fazia sentir na praça da Sé da Guarda era só climatérico, porque enquanto Costa não chegou de Lisboa, a caravana montada por Ana Mendes Godinho pautou-se pela forte agitação – houve momentos que pareciam que se tratava de uma forma de disfarçar o frio. Mas, não. A ministra da Segurança Social, cabeça de lista neste círculo pela segunda vez, é “frenética por natureza”, assinalou um dirigente local, que agitava uma rosa dada pela governante – que tinha um ramo com mais umas quantas na mão. Um grupo de bombos de Seia compunha a festa, contrariando aquilo que por norma acontece com este tipo de animação musical que os partidos usam há anos em territórios inimigos: abafar gente que nas ruas provoque um candidato com frases menos simpáticas.
Assim que Costa chegou à capital dos cinco F [Fria, Farta, Fiel, Forte, Formosa], a agitação da caravana e a toada que se estendeu às janelas de vários edifícios – alguns até de repartições públicas, como o da Segurança Social – foram tais que Ana Abrunhosa, a ministra da Coesão Territorial, que é cabeça de lista em Castelo Branco, não pode deixar de cochichar [mas sob o som de bombos foi quase um grito] para Mendes Godinho: “Ó Ana, o que é andas a dar a esta gente?”. Ao que a ministra da Segurança Socia respondeu: “Somos as super Anas”.
Mais uma vez acompanhado da mulher, Fernanda Tadeu, que chegaram a achar que fosse a sua mãe, Costa também se libertou mais do que nos dias anteriores; talvez porque trocou de uma samarra com ar pesado, com que andou ao longo da semana, para um casacão cinzento [por exemplo, Jorge Jesus perdia jogos no Flamengo quando vestia um colete preto…].
Ao contrário dos outros dias, foi difícil ouvir o que pediam os que de si se aproximavam – lá está, o efeito dos bombos. Mas, entre muitas felicitações de notáveis socialistas locais, ouviu uma mãe que lhe lançou um apelo que ficou sem resposta: “Pense nos jovens, pense nos jovens. Tenho um filho com uma licenciatura, com 26 anos, sozinha, lutei muito para lhe dar um curso, senhor primeiro-ministro, um curso de Administração Pública. Fez um estágio na Câmara da Guarda com distinção e o meu filho não consegue trabalho”.
Uma mola que serve para apanhar pássaros mas também votos
Ora, foi nesse instante que um artesão local, Manuel Almeida, furou por entre a multidão, com um saco de plástico. De lá dentro, sacou um enorme colherão de madeira. “É a mãe?”, perguntou. “Não, é a minha mulher”, respondeu Costa, que ao ver tal apetrecho atira – “É para ela me dar reguadas?”. “É para tirar os ovos”, reagiu circunspeto o homem, que continuou a tirar mais colheres de madeira e outras coisas do saco; entre as quais, uma mão cheia de pequenos crucifixos de madeira. “Ena, tantos, vou dar à minha filha”, disse Costa, arregalando os olhos.
Logo depois o artesão deu-lhe “uma coisa preciosa” que criou: “um caça-votos”, inspirado numa mola que servia para apanhar passarinhos. “É para caçar votos”, explicou o guardense, enquanto colocava na mão do líder do PS. “E isto funciona?”. “Funciona, então não funciona?! Funciona sim. Vai ver. Use isso sim? Ande com isso no bolso”, aconselhou o artesão sobre aquele amuleto reinventado por si e que disse à VISÃO tratar-se de uma réplica de um “pestilo” [pode não ser assim que se escreve, mas o barulho do momento faz perdoar a má grafia].
Pelo percurso, Costa encontrou o presidente da Câmara local, Sérgio Costa, que arrancou a autarquia ao PSD. O autarca lembrou-lhe vários projetos pendentes na cidade, à espera de luz verde do Estado central. “Se tudo correr bem, durante o seu mandato, e o meu próximo mandato, ficarão concluídos”, reagiu esperançoso o secretário-geral do PS.
O banho de gente terminou quase no café A Tasquinha, onde o senhor Firmino e a dona Emília insistiram com Costa e a mulher que provassem a famosa ginjinha caseira. Mas mais ainda, o que verdadeiramente o casal queria era que Costa deixasse uma dedicatória num pequeno caderninho retangular deitado, em que “o último que aqui assinou foi o Rui Rio”, em junho de 2021 – muito antes de alguém pensar em eleições antecipadas. “Do Marques Mendes não quero cá nada”.
Promessas para quem mais protestou. E “a experiência dolorosa” das autárquicas
O dia acabou com dois comícios; sim, dois. Com 100 quilómetros entre os dois. No da Guarda, Costa começou por mais uma vez culpar a esquerda porque “a legislatura não durou os quatro aos, foi interrompida a meio”. E mesmo quando estava longe a crise política, relata agora que, “nem sempre foi fácil, e os últimos anos foram muito difíceis. [Mas] Não foi por isso que, nos últimos dois anos, atirámos a toalha ao chão”, disse, acenando com promessas para professores e enfermeiros, duas das classes profissionais que mais contestaram durante o Governo PS.
“Temos de ter um novo modelo de contratação e fixação de professores e educadores. É a única carreira no Estado que de três em três ou de quatro em quatro tem de ir a concurso para mudar de escola”, assegurou, admitindo que os enfermeiros também recuperarão “os pontos” que lhes permitem ascender na carreira. “Não estou a dizer no ar. É o que está escrito no programa – estas promessas que hoje fazemos”, explicou.
Contudo, o apelo em que mais insistiu foi na necessidade de evitar a 30 de janeiro o desaire do PS nas autárquicas. “Tivemos uma experiência muito dolorosa ainda há pouco tempo nas autárquicas, quando muita gente, fiando-se nas sondagens, teve medo ou achou que não era necessário ir votar no PS. E depois, no dia a seguir, acordaram surpreendidos que afinal o PS tinha perdido aquela Câmara ou não tinha ganho aquela outra Câmara. Por isso, ninguém se deve iludir por sondagens, porque ninguém ganha eleições com sondagens, mas com votos”, atirou, no fecho.