Confirma-se: com os resultados dos círculos da emigração ainda por apurar, é muito claro que o Chega passa a ser a segunda força política. Em votos e em deputados. Ou seja, a única forma de Luís Montenegro manter o “não é não” – e André Ventura, que quer ficar em primeiro lugar, para a próxima, nem deve aceitar entrar já no Governo, apesar de ir fazer constar que quer… – e a AD conseguir uma maioria estável, é tentar uma solução “à alemã”, envolvendo a terceira força política, ou seja, o PS. Porque o novo líder da oposição é André Ventura, por muito que Pedro Nuno Santos tenha dito que esse papel “não deve ser deixado ao Chega”: quem decidiu foi o eleitorado, não é Pedro Nuno. Esta hipótese “à alemã” apenas é possível, como também percebeu Pedro Nuno Santos, com outra liderança socialista. Aliás, tudo pode ser resolvido com base num acordo de incidência parlamentar, com o PS a “aprovar de cruz” todos os orçamentos, empurrando as próximas eleições para o mais longe possível, a não ser que queira suicidar-se definitivamente.
O PS tem uma hecatombe eleitoral com uma perda de 337 mil votos, ainda sem contar as perdas da emigração, averbando o 3.º pior resultado de sempre, depois dos 20,77% de Almeida Santos., em 1985, e dos 22,24 de Vítor Constâncio, dois anos depois (agora, teve pouco mais de 23 por cento). O deputado João Torres, na RTP, foi lesto a afastar qualquer cenário de Governo de Bloco Central, mas não descartou entendimentos de outro nível. Já Pedro Nuno Santos diz que o PS não deve ser “suporte do Governo”. No momento em que anunciou a sua demissão, não deixou de condicionar o próximo líder. Não resistiu: ele vai andar por aí. Um próximo líder que herda um partido esfrangalhado e que nem sequer pode assumir-se como líder da oposição…
Chega, causas e consequências
O crescimento do Chega é uma onda que tem subido de sul para norte, implantando-se no vazio deixado pelo PCP. Ou seja, em regiões onde o eleitorado tem menos reservas em votar em partidos não democráticos. Mas não é só isso: a implantação das comunidades romani (de etnia cigana) é muito mais visível no sul do País e em certas zonas urbanas e suburbanas de maior exclusão social e no Alentejo profundo. A vitória do Chega em Beja tem também a ver com o impacto da imigração não integrada, sentido como uma ameaça por populações já de si frágeis, periféricas e indefesas. Embora haja teses que identificam o voto no Chega com eleitorados menos instruídos, essa ideia não resiste à realidade: se há uma certa franja mais marginalizada que vota em protesto, há um outro eleitorado já consolidado, votante do Chega, que penetra as classes mais esclarecidas, em meios académicos e em setores dinâmicos da juventude. É possível que a bancada do Chega continue a ser uma ridícula coleção de cromos difíceis mas, a prazo, a qualidade – e portanto, o refinamento, para o bem e, teme-se, para o mal… – de futuras bancadas tenderá a aumentar.
É preciso reconhecer, entretanto, que houve outro claro vencedor das eleições (e o Chega continua a ser rejeitado por 77% do eleitorado). Esse vencedor foi Luís Montenegro, sobretudo, depois de tudo o que se passou com a trapalhada da sua empresa, a Spinumviva. Mais: essa bandeira da transparência, tão agitada por Pedro Nuno Santos, deu mais publicidade às causas do Chega. Um eleitor olha para as denúncias feitas pelo PS e vai atrás da alternativa Ventura, nunca da alternativa socialista, que identifica como “igual ao PSD”. A guerra da Spinumviva, apesar dos méritos de Pedro Nuno, no plano dos princípios, terá sido um tiro no pé.
PS: Depois do palco diário e quotidiano, dado, ao longo do últmo ano, pelas televisões, a André Ventura, que, além das prédicas diárias no Parlamento andou em loop de entrevistas em horário nobre, quando e como quis, é inacreditável a forma como ainda se veio queixar da comunicação social e do “poder mediático”. Ao qual, diga-se em abono da verdade, e “olhos nos olhos”, deve tudo o que tem.