O debate entre Mariana Mortágua e Paulo Raimundo teve de atravessar fronteiras para que se identificassem discordâncias profundas – em particular, as visões sobre os regimes de Rússia, China ou Angola. Os líderes de Bloco de Esquerda e PCP preocuparam-se, sim, muito mais, em preservar um diálogo cordial, respeitoso, destacando pontos comuns nas políticas de Saúde, Habitação e Trabalho.
A crítica aos apelos de Pedro Nuno Santos por “uma maioria do PS” foi o primeiro ponto de acordo – BE e PCP assumem-se como pivots para uma “boa” solução governativa após o dia 10 de março. Rejeitam os resultados de 2022. Ambos apostam numa solução idêntica à de 2015, conhecida como Geringonça, para afastar a direita do poder.
Mariana Mortágua foi mais vocal. Reagindo às palavras do secretário-geral do PS, que afirmou ser “condição para derrotar a direita uma maioria do PS”, a coordenadora do BE considerou o argumento “falso”, recordando que “foram os partidos à esquerda do PS” que, em 2015, garantiram uma solução de governo estável. “O apelo [de Pedro Nuno Santos por nova maioria absoluta] é esfarrapado (…) espantoso e incompreensível”, sublinhou. Paulo Raimundo acompanhou a adversária – ou parceira? – invertendo as palavras de Pedro Nuno Santos, dizendo que “o voto útil é no PCP”, pois só assim é que as promessas do PS, já feitas nesta campanha, “vão ser cumpridas”.
A meia hora de frente-a-frente entre Mortágua e Raimundo não introduziu nenhuma novidade de relevo no atual panorama partidário. O candidato da CDU lançou para cima da mesa a necessidade de se reforçar a aposta na Cultura, considerando que “uma sociedade sem cultura é muito mais vulnerável a esta onda demagógica”, numa referência ao crescimentos dos movimentos radicais populistas.
De resto, o debate apenas permitiu comprovar que, no atual contexto político, é muito mais aquilo que une, do que separa BE e PCP. Foi, por isso, necessário criatividade para “alimentar” a discussão. Questões de costumes alteraram (um pouco) este equilíbrio: o BE progressista e o PCP conservador chocam, como sempre, na questão da eutanásia; mas nem aqui a porta ao diálogo se fechou. A posição dos partidos em relação a regimes estrangeiros também difere. Mas, rapidamente, Mariana Mortágua e Paulo Raimundo preferiram convergir no caminho para paz – mesmo não aprofundando os termos do armistício.
BE e PCP parecem prontos para assinar a escritura.
Indumentária
O alfaiate não surpreendeu. Os protagonistas era de esquerda e, logo, também os guarda-roupa. Mariana Mortágua usou a sua (já habitual) camisola vermelha de gola alta, acompanhada, como habitualmente, por um blazer preto. Paulo Raimundo usou camisa e blazer, look clean, para quem rejeita os códigos do patronato (gravata só para casamentos e batizados, e mesmo assim…).
A farpa
Mariana Mortágua não perde uma boa oportunidade para… “bater” na direita. Assim foi, esta noite, quando recordou as “suspeitas muito prolongadas no tempo” e os “negócios mal explicados” no Ministério da Defesa desde o tempo de… Durão Barroso. “É preciso muita transparência sobre como Portugal está a gastar este dinheiro”, afirmou.
Ideia Forte
Mariana Mortágua: “O apelo [de Pedro Nuno Santos por nova maioria absoluta] é esfarrapado (…) espantoso e incompreensível”.
Paulo Raimundo: “A única condição de obrigar o PS a tomar soluções positivas para o país é constituir uma maioria de esquerda na Assembleia da República”.
O ausente/presente
Pedro Nuno Santos esteve nas bocas de Mortágua e Raimundo. Os líderes de BE e PCP rejeitam nova maioria absoluta do PS. Mortágua recordou que “foram os partidos à esquerda do PS” que, em 2015, garantiram uma solução estável; Raimundo afirmou que o “o voto útil é no PCP”, pois só assim “vão ser cumpridas as promessas que têm sido feitas por Pedro Nuno Santos”.
Números em confronto
O debate teve (elevada) carga ideológica, mas ficou-se pela teoria. Apenas por uma vez, e por Paulo Raimundo, a conversa se fez de números: 6,5 milhões/dia “em comissões, taxas e taxinhas que a banca ganha”, garantiu o secretário-geral do PCP. “As propostas [para os problemas da Habitação vão surgindo de vários sítios, mas têm todas em comum a não resolução dos problemas de fundo e deixar de fora sempre a banca e os fundos imobiliários. Tem de se ir buscar esse esforço, a única coisa que se pede à banca é que aceite o Estado como fiador?”, defendeu.
A surpresa
A posição do PCP sobre a eutanásia é conhecida. A abertura de Paulo Raimundo para debate-la constitui uma (meia-)surpresa. “Acompanhamos a sensibilidade da questão e as preocupações legítimas das pessoas sobre ela”, disse o secretário-geral do PCP.
Frases & Soundbytes
Mariana Mortágua: “Quando olhamos para as propostas do PS [para a Habitação] é colocar dinheiro de todos os contribuintes para este monstro, sem querer lidar com o monstro”, criticou a coordenadora do BE.
Paulo Raimundo: “Não dizemos que o PS é igual ao PSD, IL ou Chega, mas o problema é quando eles [os socialistas] se assemelham [aos partidos da direita]”, disse o secretário-geral do PCP, referindo-se às posições dos socialistas quanto “à legislação laboral e tudo o que tem a ver com salários”.