André Ventura talvez possa perder todos os debates, e mesmo assim está tudo bem – principalmente, para o próprio. No debate desta noite, com Rui Rocha, o presidente do Chega teve falta de respostas concretas ou credíveis para (quase) tudo o que prometeu; nada que, na verdade, deva fazer mossa, ou muito menos afastar eleitorado.
Ao segundo assalto, Rui Rocha mostrou-se seguro e sólido. Depois de um confronto menos bem conseguido com Pedro Nuno Santos, o líder da Iniciativa Liberal (IL) – estreante nestas andanças – surgiu hoje em antena com a lição bem estudada. Apresentou as (suas) soluções. E destacou-se a apontar as contradições do Chega, em matérias como cortes fiscais, aumentos da despesa e até… nacionalizações. Perante o “carinho” demonstrado pela TAP por André Ventura, Rui Rocha tirou uma “carta da manga”, aproveitando o momento para “colar” André Ventura ao socialismo. “Ontem, debati com o líder do PS, hoje estou a debater com o líder do outro partido socialista”, afirmou. Surpreendido, André Ventura atirou a (notória) cordialidade para trás das costas, não esclarecendo se é ou não a favor da nacionalização da companhia área de bandeira.
Preferiu, a partir daqui, ser igual a si mesmo, usando e abusando da estratégia habitual, desviando-se das perguntas, criando ruído, e lançando farpas ao adversário. O tema polícias e bombeiros surgiu na cima da mesa, sem se perceber muito bem como; depois, exigiu saber se a IL se preocupava com os mais vulneráveis, com os baixos salários ou os pensionistas. E finalizou esta torrente afirmando que “a IL é o partido do grandes grupos económicos, dos ricos”. “Picado” com o tema TAP, ainda lançou outra fara: “Agora, tenho a certeza disso. A IL é um partido que só sabe privatizar e despedir”, sentenciou.
O debate em si dividiu-se em dois pontos essenciais: economia e imigração.
A abrir André Ventura até trocou “cumprimentos”. “Nisto, o Chega e a IL até concordam”, repetiu em três ocasiões. A harmonia, porém, foi sol de pouca dura. Apesar de ambas as forças partidárias apostarem com a descida de impostos – como IRS e IRC –, André Ventura continua a garantir que vai “aumentar salários e pensões”, dinheiro que vai surgir do crescimento económico e do combate à economia paralela e à corrupção. “Isso é demagogia”, respondeu Rui Rocha. O líder da IL não vai além “daquilo que a lei prevê”. “Não defendo medidas que levariam o País à bancarrota”, afirmou o liberal, que ainda acusou o opositor de “estar a enganar os idosos”.
Depois, surgiu o tema imigração. “Queremos uma imigração com dignidade e humanista, mas não queremos que cheguem pessoas que depois são sujeitas a redes de tráfico humano, e a abusos”, disse Rui Rocha. André Ventura voltou a um dos “seus” temas, para afirmar que este “é um País de portas abertas, em que vagas de imigrantes chegam sem controlo, em que há terroristas a passear no País”. “Isto não é imigração é bandalheira”, defendeu. Apenas neste terreno, por vezes pantanoso, André Ventura deixou Rocha sem resposta. “Defende ou não que um [imigrante] criminoso deve ser deportado”, questionou. Rui Rocha voltou a remeter o assunto “para a lei em vigor”.
Indumentária
André Ventura e Rui Rocha parece que foram ao mesmo alfaiate, optando por um fato azul escuro. A diferença surgiu, apenas, na camisa e gravata. Como habitualmente, o líder da IL escolheu um conjugação clássica: camisa branca e gravata do mesmo tom do blazer. Como habitualmente, o presidente do Chega escolheu uma gravata em tom mais berrante: verde.
Ideia forte
André Ventura: A TAP é estratégica para o país. Temos de salvaguardar os seus trabalhadores e nunca a podemos privatizar se a Ibéria tornar Madrid o centro da Península Ibérica, e não Lisboa.
Rui Rocha: queremos uma imigração com dignidade e humanista. Não queremos que cheguem pessoas a Portugal e que depois são sujeitas a redes de tráfico humano e a abusos.
Farpas
André Ventura: A IL está desejosa de se meter na cama com o PSD. Querem fazer uma coligação de qualquer maneira.
Rui Rocha: Neste assunto [a privatização da TAP], o André Ventura é muito parecido com Pedro Nuno Santos. Por vezes, nem sabemos com quem estamos a falar.
O ausente/presente
Pedro Nuno Santos foi o grande alvo dos dois opositores. Em algum momento, André Ventura e Rui Rocha tentaram associar o nome do outro ao secretário-geral do PS. À direita, ser socialista é insulto. E, isso, ficou bem evidente – é como Diabo a fugir da cruz.
Números em confronto
André Ventura quer financiar as suas (ambiciosas) propostas com verbas que promete ir resgatar à economia paralela e à corrupção. São 89 mil e 20 mil milhões por ano, respetivamente, segundo as contas feitas pelo presidente do Chega. Como? Isso não esclarece.
Rui Rocha derrapou nos números com Pedro Nuno Santos, mas hoje vinha com as contas feitas na ponta da língua: a descida de IRS e IRC prevista no programa da IL representam a perda de 4 a 5 mil milhões de receita fiscal, por ano, “no máximo dos máximos”, garante. “O efeito multiplicador do crescimento económico vai compensar”, diz.
A surpresa (ou a rasteira)
Rui Rocha vinha com o tema preparado, e lançou-o. André Ventura pareceu surpreendido, hesitou. E depois passou à estratégia habitual, desviando o assunto, evitando dar uma resposta concreta. “Socialista, socialista”, clamou Rui Rocha. Desta acusação, certamente o líder do Chega não estava à espera.
Gaffe
André Ventura assegurou que a descida do IRC e do IVA dos combustíveis, na forma como prevê, representa quebras de receitas na ordem dos 1,5 mil milhões. Entusiasmado, o líder do partido radical populista afirmou “que a compensação do crescimento económico vai gerar o triplo deste valor”, mas, um minuto depois, Ventura já dizia que as receitas associadas seriam de 3 mil milhões. Más contas.
Frases & Soundbytes
André Ventura: Há dias em que me pergunto em que País vivem vocês… A IL não é o grupo dos portugueses, mas dos grandes grupos económicos, dos ricos.
Rui Rocha: O André Ventura parece uma criança, que está no parque de diversões, vê os carrosséis, e quer andar