Mal soa o último acorde do Hino de Portugal, e as mãos da maioria dos apoiantes do Chega saem do peito, aonde estiveram pousadas durante toda a música, em jeito patriótico, Ricardo Pinheiro, 54 anos, dá ordem para se desmontar a sala e vai beber um café em copo de papel ao balcão de uma antiga fábrica de cortiça de Estremoz, na aldeia de São Lourenço de Monporcão, em pleno Alentejo.

Ao décimo dia de campanha, Ricky, como lhe chamam por aqui, o dono da empresa de som e de montagem de palcos, speaker e animador, já nem dá mostras de stress ou de cansaço. Está habituado a este ritmo, pois é a terceira campanha que faz com o partido de André Ventura, sem esconder a sua militância. E agora, embora ainda faltem três dias até ao comício de encerramento da campanha, na Praça do Município, em Lisboa, é só nisso que pensa. Não admira: o cabeça de cartaz nesse dia, além do óbvio André Ventura, será uma grande cartada: o cantor pimba Quim Barreiros.
Até lá, a equipa de oito pessoas continuará no ritmo alucinante de montar e desmontar dois eventos por dia, almoço e jantar, a que às vezes ainda se somam arruadas. Viajam em duas carrinhas e um camião, o mesmo em que cantaram muitas vezes Emanuel e Luciana Abreu, durante os programas de domingo para a SIC, cheios de equipamento de som e luz.
Quando, com três quartos de hora de atraso, o líder do partido chega ao local do almoço, em que se serviu uma sopa de legumes com sementes de abóbora, bochechas de porco cozinhadas a baixa temperatura e puré trufado, uma salada de agrião e tomate, e um brownie para rematar, já a sala está a postos para o receber. Assim como os convidados, cerca de meia centena, essencialmente agricultores da região, que já depenicaram dos aperitivos que estavam na mesa – enchidos fatiados, queijo, azeitonas e pão – e encheram os copos com vinho tinto Tiago Cabaço, servido em garrafas de cinco litros. Há que aproveitar, já que o repasto de apoio lhes custou 30 euros.

Rui Vieira é o dono do Alecrim, o restaurante responsável por mais esta refeição de campanha, e também apoiante do Chega, assim como a sua mulher e todos os empregados que aqui estão a servir. Aliás, serão eles uns dos muitos que não dispensam a fotografia com o líder, no final dos discursos, ao som da música Conquistador, dos Da Vinci.
Poucas mulheres por aqui
André Ventura, que hoje escolheu uma gravata arroxeada, é recebido com palmas e música e gritos de “Chega! Chega!”, enquanto todos fazem o V de vitória com os dedos. Ao seu lado, está Rui Cristina, cabeça-de-lista por Évora, um dos mais recentes dissidentes do PSD. Talvez por isso, Ventura faça questão de o agarrar pela mão, enquanto saúda os apoiantes, e o tenha sentado à sua direita na mesa em que estão mais nove pessoas. É lá que estão também as três únicas mulheres da sala (se excetuarmos as jornalistas e empregadas de mesa, claro): Patrícia Carvalho, nº 2 por Setúbal, Madalena Cordeiro, em 8º lugar por Lisboa, e Maria da Conceição Rosa, 68 anos, natural de Vila Viçosa, que se apresenta como 3ª candidata da lista e presidente da mesa da assembleia distrital de Évora. “Temos de dar a cara, Portugal está muito mal”, nota esta militante que se faz acompanhar do marido, com quem está junta há mais de 50 anos.

Depois de estarem todos sentados, Jay-C, nome artístico do cantor João Carlos, 38 anos, de grandes óculos azuis, que lhe cobrem parte da cara, pega no microfone e no palco entoa Everybody’s Got to Learn Sometime, um slow da autoria dos The Korgis. Poucos lhe fazem caso, na verdade, pois a maioria prefere pôr a conversa em dia, sob o olhar sempre atento dos cinco seguranças que estão na sala.
Antes de ir para a sua mesa, junto do resto da equipa de Ricky, Jay-C ainda há de dedicar-se a Anda Comigo Ver os Aviões, música original de Miguel Araújo. “Não tenho ordens para cantar o que quer que seja, posso fazer como quiser, consoante o ambiente”, conta-nos o artista das Caldas da Rainha, que se foi tornando apoiante do Chega a pouco e pouco. “Não era muito de política, aliás continuo a não ser, mas fui ouvindo os discursos e passei a identificar-me com o que ele diz.”
As bandeiras esquecidas pelo chão
Durante a próxima hora, nada mais se há de passar nesta sala transformada em salão de eventos, a não ser comer e beber. Ventura está no topo da mesa, prefere vinho branco ao tinto e dispensa a sobremesa, saltando de imediato para o café, enquanto dedilha no teclado do seu telemóvel, de sorriso constante na cara. As bandeiras de Portugal e do Chega estão ignoradas nas costas das cadeiras ou mesmo no chão. Só hão de ser agitadas uma vez, quase no final do discurso do líder.

Enquanto se fumam cigarros no exterior, aproveitando o sol alentejano quase primaveril, Jay-C regressa ao palco para entoar a música mais conhecida do italiano Eros Ramazzotti, Cosa dela Vitta, e, numa tentativa de aquecer as hostes para o que se segue, dá tudo em Karma Chameleon, dos Culture Club. De certa forma, consegue, pois vemos alguns militantes a bambolearem-se ligeiramente nas suas cadeiras.
É André Miguel António, farmacêutico de profissão, vice-presidente da distrital de Évora, quem toma primeiro o palco, para louvar o trabalho de Carlos Magno Magalhães, o seu braço direito. Mas rapidamente dá a vez ao trunfo Rui Cristina, que fala sobre agricultura, obviamente. Até porque, como avisou, mal tomou da palavra, é bisneto, neto e filho de agricultores. “O País tem todas as condições para ser autosuficiente. Não podemos aceitar a dependência.” Palmas da plateia, que entretanto já acabou de almoçar.
Também falará em preservar a cultura, defendendo a redução do IVA para as touradas e prometendo uma conversa futura sobre “tiro aos pombos”. André Ventura anui com a cabeça, desde a sua cadeira, minutos antes de se levantar para discursar, escolhendo o tema da saúde.
O conquistador está a falar
Não falou mais do que 15 minutos, mas os seus chavões não foram esquecidos, usando palavras como incompetência, tachos ou vergonha, e chamando “farsante” e “mentiroso” a António Costa. De vez em quando, Ricky interrompe-lhe a fala, para introduzir uma música dramática. É aí que os apoiantes mais o aplaudem e gritam pelo nome do partido. “Antes de qualquer imigrante, está a saúde dos nossos, dos que vivem connosco!”, há de gritar quase ao final, antes do já repetitivo “Viva o Chega! Viva Portugal!”

“Façam fila deste lado, por favor”, anuncia Ricky, em cima de uma cadeira, e de microfone em riste. Nunca essa ordem foi respeitada, mas muitos foram os que quiseram posar junto de André Ventura, enquanto se ouvia “Já fui ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau. Ai, fui até Timor, já fui um conquistador”. Fernando Moura, agricultor de Elvas, 60 anos, foi dos últimos a ficar para a posteridade. “Vou votar nele, é o meu partido. Ontem estive em Portalegre e hoje ainda vou para Évora.”
“Até já, pessoal”, atira Ventura, antes de entrar no BMW preto que o levará à cidade alentejana para uma arruada, anunciada à última da hora, e marcando um volte face na campanha, que de hoje em diante acontecerá mais nas ruas. Será por que não há forma de descolar nas sondagens?