A pouco mais de uma semana da reunião magna dos bloquistas, onde será escolhida uma nova liderança , Pedro Soares, que lidera a moção E contra a A, de Mariana Mortágua, garante que não só esta deputada recusa há três meses debater o futuro do partido, como se apresenta à frente de um grupo de dirigentes que quer continuar à frente dos destinos do Bloco, sem nunca ter feito um balanço às perdas eleitorais dos últimos anos.
No Irrevogável, o podcast de entrevista das revista VISÃO, o ex-parlamentar, que saiu da bancada em rutura com a coordenação de Catarina Martins, defendeu um regresso do partido a estratégias de ação, que se mostraram eficazes no passado, e acusa a atual liderança de ter tentado dar a volta por cima, nos últimos meses, com uma “oposição conjuntural”.
“No texto da Moção A não há uma única palavra – em absoluto, uma única palavra, uma única linha e um único parágrafo – que faça a avaliação desse período, que faça balanço dessas derrotas eleitorais”, sinalizou Pedro Soares, frisando que “nestes quatro anos, a atual coordenação apenas fez um esboço de uma avaliação das eleições, e foi sobre uma pressão, mas não aprofundou esse balanço; não retirou conclusões”.
Não podemos ficar confinados ao Parlamento, temos de correr por fora. É preciso recuperar a imagem do BE, enquanto partido jovem e inovador; e isso não é conservadorismo. Foi algo que fez escola na Europa
Pedro Soares, porta-voz da moção e
Segundo o dirigente, que lidera a moção E (onde pontuam bloquistas como o histórico Mário Tomé), nos dois últimos anos da gerigonça [2017-2019], “na altura da aprovação dos orçamentos, havia uma enorme dificuldade de comunicação com a direção do PS. Em geral, estávamos à espera até ao início da madrugada da véspera da entrega da proposta de orçamento na Assembleia da República, para saber quais eram as propostas que António Costa e o PS aprovavam”. “Houve uma incapacidade da direção do BE em saber o que estava a acontecer e em reincidir, nas eleições legislativas de 2019, e mesmo nas de 2022, de que era possível ter uma nova gerigonça e reincidir num novo acordo com o PS, quando todos já tinham percebido que não era possível e até o próprio PCP estava já a sofrer (uma erosão eleitoral)”, concluiu.
O que fez a direção de Catarina Martins até hoje? Tem feito uma avaliação que “aponta à conjuntura política; ou seja, aponta-se o problema aos outros”, disse, assegurando que a moção E “quer mudar as regras do jogo” – parafraseando Miguel Portas, o antigo eurodeputado e fundador do BE, entretanto falecido.
Na avaliação ao percurso de uma década de Catarina Martins como coordenadora do BE, Pedro Soares admitiu que a coordenadora do partido “vai ficar na história por ter tido um papel importante no Bloco de Esquerda“, dividindo o histórico “em duas fases”: uma primeira, com o acordo politico parlamentar da maioria, com o PS, em que houve um grande esforço no sentido de contribuir para ultrapassar a situação de austeridade; e uma segunda fase, a partir de 2019, em que tem corresponsabilidades no ciclo de derrotas eleitorais que o BE teve, por erros na linha política”.
Porta fechada a discussão
Neste Irrevogável, Pedro Soares apontou que “o debate sobre a convenção tem estado muito condicionado” e que Mariana Mortágua, que se apresentou como candidata à sucessão de Catarina Martins, não mostrou disponibilidade para qualquer frente a frente: “A Mariana Mortágua deve ter com certeza muito trabalho na CPI da TAP e não tem podido participar em debates, apesar de ter sido convidada. Toda as solicitações no sentido de se fazer um debate público foram recusadas. O mandatário da moção E, Mário Tomé, dirigiu um e-mail à Mariana, a disponibilizar-se para fazer esses debates públicos. Mas não há qualquer disponibilidade para a realização deste debate. Quero crer que não será por a moção A não querer reconhecer que há uma alternativa”.
“Uma convenção do Bloco não é uma coisa meramente internista, é uma coisa de interesse público”, sublinhou o dirigente, que criticou o facto de Mortágua ter apresentado a sua candidatura à sucessão de Catarina Martins, enviesando o que dizem os estatutos do partido.
“A figura do líder, do secretário-geral ou do presidente, não existe no BE – não é estatutário. Querer fazer uma convenção que está regulada em torno de uma questão que não existe, parece-me errado. As moções têm que ter protagonistas e porta-vozes, mas precisamente na semana em que as moções eram apresentadas publicamente surge alguém [Mortágua] que diz ser candidato a líder é fazer divergir o debate das propostas políticas“, acusou.
Resgatar à fórmula de sucesso
O porta-voz da moção E defende que o partido deve voltar aos carris que permitiu aos bloquistas as melhores conquistas eleitorais, e que a estratégia não seria nova, visto que é conhecida e provou dar resultados. Uma das primeiras táticas seria fazer o Bloco regressar às bases: “Não podemos ficar confinados ao Parlamento, temos de correr por fora”.
Recusando estar a defender um modelo “conservador”, Pedro Soares disse que “é preciso recuperar a imagem do BE, enquanto partido jovem e inovador; e isso não é conservadorismo. Foi algo que fez escola na Europa, ao ponto de vários partidos e movimentos de Esquerda, com uma ação monolítica, vieram a Portugal aprender com a experiencia do BE e a sua nova aragem fresca”.
De acordo com o ex-parlamentar, eleito pelo círculo de Braga em duas legislaturas, a ainda coordenação do BE tem tentado regressar a esses moldes, ainda que sem sucesso: “Em vésperas de convenção, a direção do Bloco tem feito um esforço para participar em mais algumas manifestações, obter mais alguns apoios. Mas não queremos o Bloco como um partido de oposição conjuntural“.
Pedro Soares dá como exemplo de um certo desnorteio o facto de bandeiras como “o problema da renegociação da dívida pública ter saído da agenda do BE”. A um ano das eleições europeias, admitiu que, no estado em que está o partido, o lema da campanha da eurodeputada Marisa Matias no passado, de que “é preciso desobedecer à Europa”, “hoje seria um sacrilégio para a atual direção do Bloco”.
Outra das falhas apontadas foi a ida à Ucrânia da deputada Isabel Pires numa comitiva da Assembleia da República, a convite de Ruslan Stefanchuk, atual presidente do Verkhovna Rada, o parlamento ucraniano: “Afinal o que é o BE foi fazer à Ucrânia? A delegação portuguesa foi a convite do presidente da Assembleia Nacional da Ucrânia, que é um indivíduo que está implicado nos maiores ataques à esquerda na Ucrânia, entre os quais a organização do ataque em Odessa, onde morreram 48 sindicalistas e outras pessoas de esquerda, na Casa dos Sindicatos. O BE foi dar o beneplácito a isso?”.
Para ouvir em podcast: