Fechado o capítulo do orçamento do Estado, esta sexta-feira, e quando a Assembleia da República avança para a discussão das propostas de revisão constitucional, o PS avisa o PSD de que está indisponível para um processo de mudança “radical do texto” da Lei Fundamental.
Segundo o deputado socialista Pedro Delgado Alves, apesar de haver “um dos maiores consensos” dentro do partido de que esta não seria a altura ideal para levar a cabo tal iniciativa, o PS quer aproveitar o momento para “melhorias desejáveis em matérias de direitos fundamentais e de alguma jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem achado problemática”.
Caso o PSD decida abandonar o barco, tendo em conta que Luís Montenegro já mostrou indisponibilidade para se sentar à mesa com o PS para discutir “poucochinho”, o socialista lê nisso a prova que os sociais-democratas fizeram mal em ir atrás do Chega – que deu o pontapé de saída para um processo de revisão da Constituição. “Se o PSD disser ‘não jogamos mais’, revelará que se precipitou quando decidiu embarcar no processo de revisão constitucional do Chega”, admitiu, salientando que se o partido liderado por Luís Montenegro “estiver de boa fé, não haverá um processo de mini revisão constitucional”.
“Face às condições que o País atravessa internamente e às situações externas, como a crise na Europa, a revisão constitucional não deveria ser uma prioridade”
No Irrevogável, o podcast de entrevistas da VISÃO, Delgado Alves começou por admitir que este processo foi desencadeado em má altura, e que essa é uma perspectiva partilhada por mais socialistas da cúpula do Largo do Rato, que reuniu no dia anterior à entrega da proposta do PS: “Houve uma discussão de fundo, se deveria ou não haver uma revisão constitucional neste momento e se devíamos embarcar nesta aberta, iniciada pelo Chega. Houve um dos maiores consensos dentro do PS, entre as pessoas que falaram sobre o tema, que o momento não é o melhor; face às situações que o Pais atravessa internamente e às externas, como a crise europeia, à inflação…”. “Não é por isso das primeiras prioridades”, assegurou.
Ainda assim, “apesar dessa maioria”, “há depois uma decisão a tomar, independentemente de gostarmos das circunstâncias ou não”. Resumindo: para o PS, o processo desenrolou-se a partir do momento que o PSD, ao contrário de 2020, ter seguido o Chega.
“Na legislatura passada [2020], o Chega apresentou um projeto de revisão – ao qual todos os partidos optaram por dizer que não era o momento indicado, e até era pior, porque era no meio da pandemia. Ou seja, ainda conseguia ser menos oportuno que este agora – que também não é famoso. Nesse momento, ninguém foi a jogo sem proposta nenhuma. Mas desta vez, infelizmente, o PSD não manteve essa linha, que me parecia coerente e desejável. O PSD disse que iam apresentar um projeto de revisão constitucional. A partir desse momento, o debate tornou-se real. Quer quiséssemos ou não, no PS, o debate, a constituição da comissão eventual iria avançar”, explicou.
Ao contrário do PSD, que tem um projeto muito mais alargado, o PS acha pode haver espaços para melhorias desejáveis em matérias de direitos fundamentais – alargando e reforçando o catálogo dos direitos em várias áreas – e também resolvendo alguma jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem achado especialmente problemática
Pedro delgado alves
De acordo o vice da bancada do PS, os socialistas estão disponíveis para alterações em áreas muito específicas, como a dos “metadados”, do ambiente – como o “direito à agua” -, “ou questões de saúde pública”. “Nunca uma revisão radical do texto”, avisou.
“Há um problema de futebolização da sociedade”
Pedro Delgado Alves, que esteve entre os quatro deputados do PS que votaram contra a ida de Marcelo Rebelo de Sousa ao Qatar, para assistir ao jogo da seleção nacional frente à do Gana, lamentou aquilo que descreveu como “um problema de futebolização da sociedade” e fez questão de sublinhar que em causa não estava uma deslocação presidencial com fins diplomáticos.
“Estamos a falar de uma ida ao futebol – é uma atividade lúdica e não de Estado. Uma ida a um evento de onde temos relatos de falhas gravíssimas, de exploração de trabalhadores, de muitos milhares de mortes – nas estimativas mais conservadoras”, disse, revelando que “muitas pessoas disseram que se sentiram representadas” com o seu voto.
“Por muito que fosse uma autorização formal, foi a oportunidade que se abriu para poder expressar e ficar registado, que nesta circunstância, não poderíamos ter ignorado o assunto. Não está em causa a valorização da seleção nacional e o trabalho que os jogadores lá vão fazer; não é sequer uma atitude hostil ao futebol . É sobre tudo o resto externo às quatro linhas, mas que instrumentaliza as quatro linhas para outros fins”, apontou.