Eurico Castro Alves, diretor de cirurgia do Centro Hospitalar Universitário do Porto e presidente da Convenção Nacional de Saúde, vai candidatar-se à presidência da secção regional Norte da Ordem dos Médicos. “É definitivo”, avançou à Visão, no programa de entrevistas Irrevogável. Admitindo ter sido convidado para concorrer a bastonário, Eurico Castro Alves acabou por declinar, uma vez que este cargo exigiria “uma dedicação a tempo inteiro” e andar mais por Lisboa, optou por dar o seu contributo no Norte.
Mas diz ter criado dificuldades a “um conjunto de colegas” que puxaram por ele: às 150 assinaturas exigidas para ser candidato, contrapôs 1000, para sentir que acreditavam que ele podia ser útil. “Trouxeram mais de 2 mil assinaturas!. Por isso, é definitivo. Vou mesmo ser candidato à secção regional Norte da Ordem dos Médicos. Estou a reunir uma equipa de pessoas que capazes e interessadas em dar um contributo mais local e regional”.
Simpatizante do PSD – foi secretário de Estado durante um mês do ministro da Saúde Fernando Leal da Costa no Governo de Passos Coelho, que cai por ser obrigado a dar lugar à geringonça de António Costa – o ainda ex-presidente do Infarmed (2012-2017) considera que “no SNS falta sobretudo uma gestão eficaz, inteligente e criativa”. Questionado sobre se é ou não suficiente o aumento da verba orçamental em 1,2 mil milhões de euros para a saúde, responde que “o dinheiro para a saúde nunca é suficiente”.
“Podíamos ter sido um bocadinho mais ambiciosos”, face a “uma divida que cresceu desmesuradamente nos últimos anos” e atendendo a que “temos uma situação difícil com os profissionais do SNS”, considera. “Mas este reforço é um avanço”, diz, precisando que é preciso “olhar para isto sem dramas”.
É prioritário, contudo, “fixar os profissionais no SNS”, pois “está a acontecer uma autêntica hemorragia”. E, por vezes, a questão já não é só dinheiro, mas também dar condições para que os médicos possam fazer o seu trabalho. “Os profissionais saem porque começam a não ter condições para fazer o que mais gostam de fazer, começam a ficar frustrados porque não conseguem, e esta deve ser uma prioridade para a nova equipa da saúde: voltar a dar condições para que queiram ficar no SNS”. Remuneração e recursos são, na sua opinião, “o desafio de quem governa”.
As “coisas comezinhas” que distraem o ministro da Saúde
Vivendo o dia a dia do Hospital de Santo António – foi de lá que fez a gravação vídeo desta entrevista – Eurico Castro Alves, que também leciona no ICBAS, descreve “o desalento e desanimo” dos profissionais de saúde que “todos os dias fazem milagres”, mas também “a esperança” que se sente na nova equipa da Saúde: Manuel Pizarro, ministro, Margarida Tavares, secretária de Estado, e Fernando Araújo, o CEO do novo organismo com poderes executivos.
“São três pessoas que conhecem o setor muito bem, com largos anos de experiências. O setor conhece-os, sabem do que são capazes, têm obra feita e isso é um fator de esperança. Estão preparadas, são capazes e podem fazer”, garantiu, lembrando que isto sucede a “um ambiente de grande crispação”. Agora, sente-se “vontade de colaborar”. “Mas é a história das omoletes. Temos bons cozinheiros. Agora dêem-lhes os ovos”.
Quanto as polémicas que têm rodeado o novo ministro da Saúde, acha “muito triste” que haja quem se agarre a “pequenas minudências” que estão a “tirar tempo para que o ministro se foque” na solução dos problemas. “Andamos aqui há semanas a distrair o ministro com estas coisas comezinhas e não lhe estamos a dar oportunidade de ele fazer o que sabe bem fazer: organizar o sistema, criar novas condições de trabalho.” Porque “é preciso ter uma boa gestão” dos “escassos equipamentos” disponíveis.
“No Porto, como há uma distância dos centros de decisão, as pessoas têm de fazer pela vida”
E boa gestão e organização foi o que na sua opinião diferenciou o cenário vivido no Porto em relação a Lisboa, que levou o Primeiro-Ministro a dizer, numa entrevista à CNN Portugal, que “o país tinha muito a aprender com o Porto”.
“Vou dizer uma coisa um bocadinho perversa: Lisboa está muito próxima do poder e, portanto, tem tendência a ser mais indisciplinada, a não gerir com tanta inteligência e rigor. Quando a meio do ano o orçamento falha, dá-se uma telefonadela ou encontra-se o ministro a almoçar por acaso, dá-se uma palavrinha e no dia seguinte temos o problema orçamental resolvido. Posso estar a ser injusto, mas sinto isso. No Porto, como há uma distância dos centros de decisão, as pessoas têm de fazer pela vida”.
E o que fez o Porto de diferente? “Um esforço muito grande de aproveitar ao máximo as capacidades instaladas, nomeadamente os equipamentos e os recursos humanos. E depois uma gestão muito cuidadosa da despesa”.
Eurico Castro Alves é um defensor da descentralização e, como tal, acha “muito saudável” que a nova sede do poder executivo fique no Porto. “Não se pode falar politicamente da descentralização e depois não aconteça nada. É um sinal positivo e interessante descentralizar alguns serviços.”
Complementaridade entre público e privado
Olhar para o sistema de saúde privado “sem preconceitos ideológicos” será um imperativo para melhor aproveitar os recursos existentes. “É uma exigência. Se queremos chegar a todos os portugueses, não há outro remédio”. Não a qualquer preço, mas numa lógica de boa distribuição dos acessos de cada um à saúde a que tem direito. Exemplifica: “Há partes do nosso território que têm excelentes serviços das Misericórdias portuguesas. O Estado precisa de investir num hospital quando já lá existe um da Misericórdia com toda a capacidade instalada? Não. Nem pode que o Estado não tem dinheiro para gerir o que já tem.”
Da mesma forma, “se os privados entenderem que podem instalar um recurso a funcionar a favor do cidadão, num sítio onde o Estado não esteja, porque é que o Estado não lhes há-de comprar esses serviços?”. Recorda que mais de metade da população tem seguro de saúde, o que “é uma redundância” e que “se toda a gente exercesse o seu direito de recorrer ao serviço público, o SNS falia no mesmo dia, parava”.
“Sou funcionário do SNS, não sou apologista do privado. Mas sou apologista do bom senso e de trabalharmos em complementaridade”, precisa. Quando confrontado com as despesas adicionais que os privados cobraram e foram obrigados a devolver, atira para a Entidade Reguladora da Saúde a função de proteger o cidadão. “Alguém tem de policiar e verificar que os privados cumprem as regras”, admite.
Já antes, Eurico Castro Alves tinha elencado as “muitas redundâncias” do sistema e a necessidade de “começar a distribuir estrategicamente os equipamentos” e repensar a Carta Hospitalar. E está convencido que é isso que vai acontecer.
Por fim, falou-se ainda das próximas pandemias e “dos momentos difíceis” que o SNS terá pela frente. Nomeadamente, a ameaça de uma guerra atómica, pela qual alguns países começam já a correr aos comprimidos de iodo, a apostar no armazenamento de alimentos, a crir zonas subterrâneas que garantam a sobrevivência e a prepararem-se medicamente para que não se ande depois “remediar situações”.
“Alguém já devia estar a pensar nisso no nosso país. Porque se nos virmos livres desta ameaça, tenho por certo que hão-de vir outras”.
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